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A escola pode contribuir tanto para o conhecimento da diversidade cultural, como para sua ocultação, essa é uma decisão essencialmente política. Desse modo, o livro didático de sociologia pode ser um importante recurso para interpretar e compreender a diversidade étnica na formação do Brasil.

Entretanto, dada a abrangência nacional e a limitação física, é impossível abarcar toda a diversidade étnica das regiões do país, os exemplos citados nos livros do PNLD ainda destacam os grupos mais exóticos da Amazônia ou Centro-Oeste brasileiros. Dos cinco pesquisados, apenas dois desenvolvem uma abordagem mais consistente no que toca a contribuição da antropologia atual na representação e significação da diversidade étnica. Ao limitar essa diversidade as informações estatísticas do Censo populacional de 2010, sem contextualização histórica, fica mais difícil refletir sobre as razões por trás do crescimento demográfico. Desprezar a etnicidade presente reduz a questão a uma dimensão estática dos povos indígenas, como por exemplo, embora alguns livros tragam informações contemporâneas, não há menção dos mais recentes movimentos de afirmação étnica dos índios do Nordeste. Uma reflexão do impacto cultural desse processo é fundamental para a convivência construtiva com esses grupos.

Isso é ainda mais preocupante ao se pensar o efeito disso nas escolas do Rio Grande do Norte, em especial naquelas localizadas nas áreas que abrangem esses coletivos. Uma importante referência teórica é fornecida pelas OCEM – Sociologia, que recomenda compreender a complexa relação das etnias indígenas com a sociedade nacional e o estado apoiado nas teorias de etnicidade revigoradas a partir de 1970.

O uso de imagens, infográficos, mas principalmente fotografias, como recurso didático do livro de Sociologia, não só para a ilustração dos textos, como também problematização desse conteúdo, é perceptível. Porém, na maioria delas, a explicação da fotografia fica restrita a uma legenda descritiva, quando poderiam ser aproveitadas para estimular a reflexão antropológica. Igualmente foi vista certa dicotomia, principalmente nos livros com mais três autores, entre o diálogo sobre a formação do Brasil contemporâneo visto na Sociologia, da diversidade populacional debatido sob o ângulo da Antropologia, comprometendo a coerência da abordagem transversal da temática.

É verdade que quanto mais estranho, diferente, exótico, for uma imagem, mais contraste ter com a realidade dos alunos, pode ser despertada a curiosidade para

conhecer e se aproximar do diferente. Mas, sem uma devida problematização, pode ser um recurso perigoso, pois, tal como há preocupação com o reforço ideológico ao mito da primitividade, também deve existir com o mito da exoticidade. Em geral, essas imagens são inseridas para dialogar com os clássicos da Antropologia, sendo, portanto, utilizadas como referências de um mundo marcado pela diversidade de culturas e etnias existentes na humanidade.

O mapeamento dos livros didáticos pesquisados permitiu levantar informações referentes ao espaço dedicado aos povos indígenas brasileiros, a forma como são retratados, bem como o arcabouço teórico e conceitual mobilizado para problematizar a situação indígena no contexto atual. Cada um desses livros didáticos procurou retratar a diversidade étnica existente no Brasil, mas com um conteúdo voltado mais a história do período colonial do que à reflexão antropológica. Também foi identificado o alinhamento com as organizações curriculares nacionais. Além disso, foi possível problematizar acerca dos limites e das possibilidades do uso do livro didático.

A monografia provocou o questionamento da relação de interação entre o aluno, o professor e o livro didático, e a pertinência do docente pesquisar os critérios para a escolha de qual livro é mais adequado para atender as necessidades pedagógicas de uma determinada escola. Perceber a importância de não ignorar o tratamento dispensado à situação indígena, também através dos livros didáticos, é uma preocupação que deve nortear o pensamento crítico, pois, essa abordagem pode influenciar na formação cultural do estudante.

Para superar as limitações do livro didático, outros recursos didáticos podem ser acionados, bem como procurar contextualizar, de acordo com a cidade ou região em que se está inserido, e pensar o desenvolvimento de materiais adaptados ou próprios, em sintonia com a realidade indígena mais próximas aos estudantes.

O problema condizente à distância muitas vezes observada entre a teoria e a prática, no caso, entre a produção intelectual antropológica e as aulas de sociologia no Ensino Médio, pode ser comparado com o afastamento existente entre as teorias pedagógicas e as práticas de ensino na escola. Nas Escolas que conheci ao longo da vida, sempre me intrigou o afastamento entre as mais avançadas concepções pedagógicas vistas na Universidade, focadas na educação para a autonomia do sujeito, e a realidade das escolas, enquanto instituição de transmissão dos valores ideológicos dominantes. Nesse sentido, a escola enquanto instituição formadora e socializadora, que funciona como reprodutora do capital social e simbólico mantém a pretensão de ensinar a ser um cidadão brasileiro apto para a vida em sociedade. No caso, voltada a

preparar o indivíduo com habilidades mínimas para se inserir em um mercado de trabalho homogêneo.

Contudo, seria ingenuidade pensar que uma abordagem adequada seria suficiente para a conscientização sobre a questão, sem pensar nas condições de ensino, nas relações do sistema educativo brasileiro, na estrutura das licenciaturas, enfim, na totalidade da prática pedagógica.

A persistência da cultura do preconceito visto na divulgação de casos lamentáveis de ódio cotidianamente, faz pensar a importância dessa discussão, pois os conceitos de dinâmica cultural, etnicidade, e outros próprios da Antropologia ajudam a construir uma interação cultural entre os povos mais respeitosa, menos opressiva, não hierarquizada. Como visto ao longo desse trabalho, essa temática pode ser um recorte inicial para conhecer outras situações vivenciadas por outros marcadores de diversidades, tal como destacou Grupioni (1995). Para ele, fundamentalmente pensar sobre os índios ajuda a refletir sobre quem somos.

A pesquisa se deparou com novas questões para serem pensadas posteriormente, como por exemplo, uma comparação histórica dessa abordagem nos livros de sociologia distribuídos ao longo do Programa Nacional do Livro, conhecer outras experiências da relação aula de Sociologia e a temática indígena, bem como avaliar a formação universitária dos professores em relação a etnologia indígena e se possuem conhecimento a respeito da obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Mais do que conhecer essa disposição legal, na hora de escolher o livro didático a ser adotado, possuir uma orientação pedagógica interessada em repercutir a diversidade étnica é fundamental.

Portanto, cabe ao professor, em sala de aula, pensar alternativas de exercitar a interação cultural conhecendo a diversidade de seu entorno, da própria sala de aula. Igualmente, o Ministério da Educação, por meio das Secretarias Estaduais de Educação, pode pensar estratégias didáticas complementares, contando com a participação de indígenas para a elaboração de materiais específicos sobre a realidade presente desses grupos étnicos.

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