• Nenhum resultado encontrado

A presença indígena nos livros didáticos de Sociologia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A presença indígena nos livros didáticos de Sociologia"

Copied!
57
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

JOÃO HENRIQUE GALVÃO

A PRESENÇA INDÍGENA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA

NATAL- RN DEZ/2017

(2)

A PRESENÇA INDÍGENA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial para obtenção do título de licenciado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientação: Prof. Dr. José Glebson Vieira

NATAL - RN DEZ/2017

(3)

JOÃO HENRIQUE GALVÃO

A PRESENÇA INDÍGENA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Ciências Sociais, no Curso de Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela banca examinadora:

Aprovado em:___/___/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________ Prof. Dr. José Glebson Vieira - Orientador

Departamento de Antropologia

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

______________________________________________________________ Profª. Mª. Mikelly Gomes da Silva - Examinadora

Departamento de práticas educacionais e currículo Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_______________________________________________________________ Profª. Drª. Rita de Cássia Maria Neves – Examinadora

Departamento de Antropologia

(4)

Descolonizar o pensamento é explodir a distinção entre sujeito e objeto de conhecimento, e aceitar que só existe entreconhecimento, conhecimento comparativo, e que a antropologia como “estudo do outro” é sempre uma tradução (e uma tradução sempre equívoca) para nosso vocabulário conceitual do estudo do outro. (Eduardo Viveiros de Castro)

(5)

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a UFRN pela oportunidade de poder retornar à graduação universitária, e também ao Departamento de Ciências Sociais que possibilitou meu curso de licenciatura.

Não que tenha sido fácil reingressar às cadeiras universitárias depois de uma década longe delas. Mas, o interesse pelo aprendizado, esse universo que nunca é o suficiente, bem como a percepção de que muita coisa permanece como antes, mas que também muita coisa mudou desde minha primeira graduação, foi me instigando a explorar novos horizontes.

Ao corpo docente do curso de licenciatura das Ciências Sociais da UFRN, do qual fui aluno, devo esse trabalho. Por isso minha gratidão por todo o conhecimento compartilhado, desnaturalizado e estranhado. Em especial, ao Professor Glebson, por toda dedicação e paciência no processo de construção desse trabalho e cujas aulas foram de grande aprendizado. Agradeço também ao Professor Augusto, da Escola Anísio Teixeira, supervisor do meu estágio docente.

Às pessoas maravilhosas e únicas que conheci ao longo desses seis anos de uma jornada de descobertas, encontros e desencontros, permitindo conhecer novas formas de viver, culturas diferentes, mas também, por me identificar com elas.

Agradeço pelo sempre presente apoio de meus pais, Hélio e Ana Maria. O incentivo deles foi fundamental para conseguir completar essa etapa. Às minhas irmãs, Andréia, Adriana, Alessandra e ao meu irmão José Eduardo, minhas cunhadas e cunhados, meu agradecimento pela camaradagem, apesar das distâncias, são referências fundamentais em minha vida. Ao acolhimento sempre caloroso, entusiástico e revigorante dos meus sogros, João Moraes e Maria da Paz. A meus sobrinhos queridos, fonte de alegria e esperança: João Gabriel, Vini, Gi, Victor, Mª Clara, Júlia e Íkaro. À Doralice, vira-lata do coração.

Agradeço especialmente a minha companheira, Maria da Conceição, não só por ser a inspiração em cada um desses passos, e com ela ter compartilhado essas e as suas descobertas, mas, principalmente, por ter me dado forças para enfrentar os desafios. Obrigado por colorir e animar a vida e ter reacendido em mim a crença no poder da educação.

(6)

LISTA DE SIGLAS

FUNAI: Fundação Nacional do Índio

LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC: Ministério da Educação

OCEM: Orientações Curriculares para o Ensino Médio OIT: Organização Internacional do Trabalho

PNDL: Programa Nacional do Livro Didático PNE: Plano Nacional de Educação

(7)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa Terras Indígenas ... 28

Figura 2: Capa do livro "Sociologia no Ensino Médio" ... 38

Figura 3: Capa do livro "Sociologia Hoje" ... 39

Figura 4: detalhe de imagem de um trabalho escolar em homenagem ao Dia do Índio ... 40

Figura 5: Capa do livro "Sociologia" ... 42

Figura 6: Capa do livro "Tempos Modernos, Tempos de Sociologia" ... 44

Figura 7: fotografia dos Pankararu em São Paulo ... 45

Figura 8: capa do livro "Sociologia para jovens do século XXI" ... 47

(8)

RESUMO

GALVÃO, João Henrique. A presença indígena nos livros didáticos de Sociologia. Ciências Sociais. UFRN, 2017.

Essa monografia é uma pesquisa sobre como as etnias indígenas, e a própria questão indígena, têm sido abordadas nos livros didáticos de Sociologia para o Ensino Médio. Tendo como ponto de partida uma reflexão mais profunda sobre o currículo escolar, a fim de compreender a influência do livro didático para a formação cultural tanto do aluno, quanto do professor, foram utilizados cinco livros, aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático. Ao verificar a presença de textos, escritos e visuais, que representavam o universo indígena brasileiro, a perspectiva para uma educação pluricultural foi revelada. Nesse sentido, a pesquisa estabelece conexões dessa representação das comunidades indígenas com as orientações curriculares nacionais e como ela aparece referenciada na teoria antropológica nos livros escolhidos. A reflexão proposta é sobre qual a contribuição do livro didático de Sociologia para a descolonização do currículo escolar, e qual é esse alcance. Sendo assim, de que maneira esses livros têm trabalhado com a diversidade étnica e cultural dos indígenas brasileiros foi objeto de levantamento e registro nesse trabalho.

Abstract

The present undergraduate thesis consists of a research on the approaches found in Sociology high school didactic books to indigenous ethnic peoples and to their plight. Starting from a deeper reflection on the school curriculum, we used five books approved by the National Schoolbook Program aiming to comprehend the schoolbook’s influence on the cultural formation of the student as well as the professor. We verified the presence of written and visual texts that represented the Brazilian indigenous universe, revealing a pluricultural educational perspective. In this sense, the research establishes connections between this representation of native communities and the national curriculum guidelines together with the manner in which such representation appears in reference to anthropological theory in the chosen books. The proposed reflection regards which contribution the Sociology schoolbook provides to the decolonization of the school curriculum and the extent of its reach. Therefore, this thesis’ object of survey and register is the manner in which these books have dealt with the ethnic and cultural diversity of native Brazilians.

(9)

Sumário

1. Introdução ... 11

1.1 Justificativa ... 12

1.2. Metodologia ... 15

2 A legislação e a pluralidade cultural na educação ... 18

2.1 A diversidade cultural no ensino da Sociologia no Ensino Médio ... 20

3 A descolonização do currículo escolar por meio do livro didático ... 24

3.1. O currículo escolar e a formação cultural ... 24

3.2. O livro didático e a representação da diversidade étnica e cultural ... 30

4 A representação do índio brasileiro nos livros didáticos de sociologia ... 34

4.1 Sociologia no Ensino Médio ... 38

4.2. Sociologia Hoje ... 39

4.3. Sociologia ... 42

4.4. Tempos Modernos, tempos de Sociologia: ... 44

4.5. Sociologia para jovens do século XXI ... 46

5. Considerações Finais ... 51

(10)
(11)

1. Introdução

A partir de 2016, comecei a estudar para o concurso da Funai, visando o cargo de indigenista especializado, e meu interesse pela situação indígena foi despertado. Desde então me inclinei aos estudos de etnologia, e começo a ter contato com uma realidade, para mim, até então desconhecida, “distante” da minha. Ou melhor, com discussões teóricas que pouco conhecia, produzidas no seio da antropologia brasileira, mesmo em meu bacharelado de Ciências Sociais. A discussão sobre a existência dos grupos indígenas, o reconhecimento de comunidades indígenas até então apagadas da História oficial, os problemas sociais que lhes afetam, tais como o preconceito e as expropriações de seus territórios, levou-me a refletir sobre o papel do índio no pensamento social brasileiro, e como tem sido a transmissão desse conhecimento formador, por meio da disciplina de Sociologia no Ensino Médio.

Esse contato com a temática foi proporcionado, durante minha licenciatura na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), principalmente pela disciplina de Etnologia Indígena, que não se limitou a trazer apenas as reflexões clássicas sobre cultura indígena, mas problematizaram a situação indígena por meio da antropologia, visando dar conta dos processos contemporâneos que resultam da interação entre índios e não índios.

O objetivo da minha monografia é revelar a representação das etnias indígenas na disciplina de Sociologia, no nível do Ensino Médio, e como tem trabalhado a questão indígena por meio dos livros didáticos disponibilizados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

A preocupação sobre como as sociedades indígenas têm sido representadas, ontem e hoje, é compartilhada tanto pelo movimento indígena, quanto pelos etnólogos e antropólogos, entre outros estudiosos da cultura. Desde que o movimento indígena tem conseguido, principalmente com a Constituição Federal, de 1988, que além do direito originário sobre as terras que ocupam, reconhece também o direito indígena à sua autoafirmação étnica e cultural. Entretanto, por inúmeros fatores que articulam interesses capitalistas com ideologia nacional, persistem na sociedade nacional as barreiras do preconceito e intolerância. Desse modo, a Pedagogia e a Antropologia assumiram o desafio de pensar a desconstrução das imagens que reforçam os estereótipos dos índios como primitivos, preguiçosos, exóticos ou extintos.

(12)

O livro didático é uma ferramenta para complementar a formação e estabelecer uma mediação entre o trabalho docente e a sala de aula. Porém, essa é uma relação que merece ser contextualizada e problematizada. Isso porque é possível indagar se a existência de livros didáticos representa uma influência direta para um melhor processo de aprendizagem. Como um recurso didático, segundo o próprio Ministério da Educação, não é aconselhável que o professor estabeleça dependência na preparação da aula. Os livros de Sociologia são pensados para abarcarem os três anos (ou quatro, no caso das escolas técnicas) em um único volume, renovados a cada três anos1. Na escola em que fiz meu estágio docente, só era possível realizar alguma atividade com o uso dele caso fizesse a solicitação na aula anterior.

Outro fator importante a ser considerado é sobre a possibilidade de o livro didático não ser usado em sala de aula, quando professores optam em não adotar qualquer livro didático. Esses podem organizar as aulas diretamente com base em documentos oficiais do Ministério da Educação (MEC), bem como se apoiar nas indicações das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), ou ainda, nos marcos dos Projetos Políticos Pedagógicos de sua instituição. A OCEM - Sociologia concebe o livro didático como fonte secundária no ensino de sociologia, tendo em vista que, sendo o livro uma padronização nacional, ressalta a importância de contextualizar o conteúdo a ser trabalhado, visando aproximar o programa com aquilo familiar ao estudante (MORAES, 2010).

1.1 Justificativa

Coadunando com o pensamento de Manuela Carneiro da Cunha (1994), os indígenas foram parte do passado, são parte do presente e serão parte do nosso futuro. Essa monografia se insere nos marcos das pesquisas sobre como a educação tem atuado para promover essa parceria intercultural, averiguando a abordagem utilizada, pois, trata-se de uma via importante na construção da tolerância, do respeito ao próximo, da valorização da diversidade cultural, enfim, da convivência em fraternidade. A escola pode abrir o espaço para esse diálogo intercultural.

Duas leis, a 11.645 e a 11.684, ambas sancionadas em 2008, introduziram mudanças no currículo escolar. A primeira delas, introduzida em março de 2008, tornou obrigatório o estudo sobre a história e a cultura do povo afrodescendente e

1

Essas e outras disposições podem ser conferidas na Resolução/CD/FNDE nº 42, de 28 de agosto de 2012 .

(13)

indígena nas escolas. Isso ampliou a pluralidade cultural no currículo escolar. A segunda, sancionada três meses depois, trouxe de volta a Sociologia como disciplina obrigatória no Ensino Médio. Mas, a despeito desse intervalo de tempo, pouco tem se falado sobre a relação sociologia no Ensino Médio e o tratamento da história e cultura indígena. Essa pesquisa visa acompanhar como os livros didáticos de Sociologia escolhidos no âmbito do Programa Nacional do Livro tem trabalhado temas abordados pelos estudos etnológicos.

A primeira vez que os livros de Sociologia chegaram nas escolas, após a disciplina voltar a ser obrigatória, foi em 2012, com ênfase na dimensão didático-pedagógica para “estranhar e desnaturalizar a vida social” que os alunos se inserem (BRASIL, 2011, p. 7). O Ministério da Educação (MEC) compreende o livro didático de Sociologia “como um artefato cultural que expressa escolhas sobre a seleção, a organização e o sentido do conhecimento sociológico na escola” (idem, p. 11).

Sendo, portanto, uma disciplina relativamente nova no currículo do Ensino Médio, o conteúdo do livro didático também pode ser analisado enquanto objeto de pesquisa, pois, por trás de suas folhas estão pesquisadores e professores que, inevitavelmente, trabalham com escolhas sobre aquilo que estampar nos livros. No entanto, para as Ciências Humanas, as escolhas nunca são inconscientes.

Algumas pesquisas pedagógicas e antropológicas já trataram da imagem estereotipada do índio transmitida pelo livro didático de História, pelo menos nos últimos vinte anos. Essa mesma problematização, que serviu de referencial teórico para esta monografia, deve ser estendida ao livro didático de sociologia. De modo mais geral é sobre a Sociologia e a aplicação da normativa sobre a história e cultura africana e indígena. No caso do ensino da Sociologia, apenas dois artigos foram encontrados sobre a inclusão do ensino da história e cultura dos povos afro-brasileiro e indígena, sendo que apenas um deles tratava dos livros didáticos.

Um dos trabalhos é a publicação da professora de Sociologia Taísse Chates (2016) que consiste em relatar o descaso na aplicação da lei de inclusão do ensino da história e cultura indígena em um Instituto Federal. Com ele, compartilhamos a mesma perspectiva sobre a importância da descolonização do conhecimento:

é imprescindível que as ciências sociais produzam um esforço para a desconstrução da colonização dos conhecimentos, e, para tal, é necessário que se encampem disputas contra as concepções conservadoras e colonizadoras dentro da antropologia, ciência política e sociologia. Ademais, não há como empreender esforços também para quebrar um isolacionismo presente entre as diversas disciplinas em prol de um tratamento crítico e descolonizatório dos conhecimentos, relacionados às populações afro-brasileiras e

(14)

indígenas na formação do povo brasileiro, as leis 10.639/036 e 11.645/08 seguem em tal direção. (CHATES, 2016, p. 130)

Por sua vez, os autores Erinaldo Ferreira Carmo e Silas Cassio Gomes Nascimento (2015) discutem a questão nos seis livros do PNLD de Sociologia, do ano de 2015. Nossa monografia também se concentra nessa base bibliográfica, porém com foco apenas à temática indígena.

Em relação à sistemática de trabalho empregada na seleção dos livros didáticos oferecidos pelo PNLD, os autores explicam:

O PNLD corresponde a uma política pública educacional que tem como objetivo central subsidiar as atividades pedagógicas dos professores com a distribuição de livros didáticos aos alunos da educação básica nas escolas públicas. Após uma avaliação de cada obra, o Ministério da Educação divulga Guia de Livros Didáticos com resenhas dos títulos considerados aprovados. O guia é encaminhado às instituições de ensino básico onde os professores selecionam, entre os títulos disponíveis à sua disciplina, e adotam aqueles que melhor atendem ao projeto político pedagógico da escola. (CARMO; NASCIMENTO, 2015, p. 227)

Outro aspecto decorrente da lei 11.645/2008 a ser considerado, na perspectiva apresentada pela antropóloga Gusmão (2011) ao considerar essa legislação ser mais do que uma ação afirmativa, seria o próprio cumprimento dela no âmbito das instituições escolares.

Conforme o balanço dos pareceristas do MEC sobre os livros didáticos de Sociologia rejeitados pela comissão, o repertório teórico visto para tratar a realidade brasileira se limita aos autores de 1930 e 1950, comprometendo a possibilidade de dialogar com a realidade atual. De acordo com esse documento, destaca-se a importância da contextualização, lamentando que os livros ignoram a produção intelectual contemporânea. (idem, p.13). É elucidativa a preocupação expressa na avaliação dos livros que compõe o PNLD como sendo um problema detectado nos livros que foram excluídos:

Observou-se também que os livros analisados não conferem tratamento equilibrado às diferentes regiões brasileiras e, por vezes, não apresentam uma discussão efetiva sobre a diversidade cultural. Muitas vezes as situações de diversidade cultural apresentadas, em vez de provocar deslocamentos temporais, espaciais e sociais, se limitam a despertar nos alunos o espanto diante da excentricidade ou do suposto arcaísmo do outro, reforçando a ideia de que o diferente é perigoso e violento. Entende-se que a falta de articulação da discussão sociológica com uma perspectiva antropológica e a ausência de excertos ou citações de etnografias

(15)

consagradas acarretam essa leitura equivocada de etnias e culturas. (idem, p. 15)

Deixo registrado que o objetivo desse trabalho não é fazer um julgamento da qualidade teórica dos livros, cujo propósito supera meu alcance, tendo em vista a quantidade de assuntos que abarcam um livro didático. Tampouco visa criticar a ausência ou presença de um ou outro recorte, pois existe um grande mérito nos livros didáticos trabalharem com a diversidade étnica, mesmo reconhecendo que são portadores de uma cultura. Trata-se simplesmente de um exercício de comparação e identificação de classificações antropológicas acerca dos povos indígenas.

1.2. Metodologia

Na realização da pesquisa foram analisados cinco livros didáticos. Para esse levantamento, procurou-se destacar a relação que esse debate apresenta para a disciplina Sociologia, principalmente na ciência antropológica. Trata-se, assim, de uma investigação bibliográfica para problematizar a representação da diversidade indígena brasileira nos livros didáticos de Sociologia.

No guia de livros didáticos do PNLD de 2011 constavam duas recomendações de livros que atendiam os requisitos de avaliação, sendo que em 2015 aumentaram em mais quatro livros, além daqueles anteriores. Foram mantidos: “Sociologia para o Ensino Médio” (Nelson Dacio Tomazi) e “Tempos Modernos, Tempos de Sociologia” (Helena Bomen; Bianca Freire-Medeiros; Raquel Balmant Emerique e Julia O’Donnel). Foram acrescidos à lista: “Sociologia” (Silvia Maria de Araújo; Maria Aparecida Bridi e Benilde Lenzi Motim), “Sociologia em Movimento” (Afrânio Silva, et. al.), “Sociologia Hoje” (Igor José de Renó Machado, Henrique Amorim e Celso Rocha de Barros) e “Sociologia para jovens do século XXI” (Luiz Fernandes de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa).

Para analisar o tratamento dispensado à presença indígena no livro didático foram escolhidos cinco livros, de um total de seis indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático para o triênio 2015 – 2017: “Sociologia para o Ensino Médio”, de Nelson Dacio Tomazi; “Tempos Modernos, Tempos de Sociologia”, da autoria de Helena Bomeny, Bianca Freire-Medeiros, Raquel Balmant Emerique e Julia O’Donnel2; “Sociologia”, escrito por Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi e

(16)

Benilde Lenzi Motim; “Sociologia Hoje”, de Igor José de Renó Machado, Henrique Amorim e Celso Rocha de Barros; e, “Sociologia para jovens do século XXI”, Luiz Fernandes de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa.

A pesquisa permitiu realizar um exercício de reflexão ao cotejar com o programa das disciplinas do curso de licenciatura, especialmente Etnologia Indígena e Antropologia Brasileira, o conteúdo dos livros didáticos, na perspectiva de identificar a capacidade de um professor de sociologia não só conhecer, mas dominar o conteúdo proposto. Também teve como um referencial teórico a Coleção Explorando o Ensino de Sociologia, organizada por César Amaury Moraes (2010).

O reconhecimento da diversidade étnico-cultural pelos livros didáticos pode ser considerado um avanço, mas que, na medida em que são tratados como questões específicas, embora transversais, ainda são parte de uma cultura diferente da nossa, ou seja, ainda não é pensado na interculturalidade, muito embora a obrigatoriedade do assunto represente uma conquista importante dos indígenas. O maior desafio seria pensar mecanismo de incorporação das sociedades indígenas no processo de elaboração do material didático, bem como conhecer melhor suas experiências educacionais.

O trabalho se encontra dividido em 4 capítulos. O primeiro, versa sobre a alteração da legislação educacional para a inclusão do ensino da história e da cultura dos povos indígenas, no contexto da volta da Sociologia ao Ensino Médio. Também trata como tem sido pensada a diversidade cultural no ensino de Sociologia. No capítulo seguinte, “A descolonização do currículo escolar por meio do livro didático” visa demonstrar como esses livros tem abordado a temática dos povos indígenas, sendo subdividido em: o currículo escolar e a formação cultural, que relaciona o currículo escolar como transmissão de um imaginário social, e como o livro didático tem representado a diversidade étnica e cultural. No último capítulo é feita a análise dos livros escolhidos focado em identificar como eles trabalham a representação do índio brasileiro, apresentando um resumo dessas abordagens.

período anterior, em 2011, quando depois de décadas a Sociologia novamente passa a contar com livro didático voltado para o Ensino Médio.

(17)
(18)

2 A LEGISLAÇÃO E A PLURALIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO

Nesse capítulo vamos conhecer os dispositivos legais que regulam a matéria e as últimas alterações legislativas, visando observar se os livros didáticos estão adequados às diretrizes educacionais do Brasil. Nesse contexto, a Sociologia para estudantes do Ensino Médio pode ser considerada a disciplina privilegiada para trabalhar a diversidade cultural e étnica da população brasileira, haja vista a ampla contribuição das Ciências Sociais na interpretação do Brasil.

Além da obrigatoriedade da temática da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena ser um marco regulatório atinente a LDB, faz parte das normativas brasileiras, desde 2004, a Convenção 169 da OIT, na qual dispõe que o Estado deve “assegurar medidas de caráter educativo em todos os setores da comunidade nacional e assegurar a correta abordagem da temática indígena nas escolas e nos livros didáticos” (BONIN, 2008, apud SANTANA, ano, p. 21)

Tendo em vista os avanços consolidados na Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996 atendeu algumas reivindicações indígenas e anuncia a escola intercultural como um dever do estado. Mas, foi sobretudo com as alterações inseridas na LDB que a temática afro-brasileira e indígena se torna obrigatória no currículo escolar. A primeira dessas alterações veio por meio da Lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003. Praticamente cinco anos depois dessa alteração da LDB, foi acrescentada nesse mesmo artigo 26-A da LDB, o estudo dos povos indígenas, por meio da Lei 11.645, de 10 de março de 2008. A redação que passa a vigorar trata então da obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos currículos escolares.

Muito embora essa lei apenas explicite a pertinência das disciplinas de Educação Artística, Literatura e História tratarem do objeto legal, é recomendada sua aplicação a todas as disciplinas, segundo uma concepção transversal de currículo. Segundo Grupioni (1995), essa definição pode ser vista como problemática, pois, ao se destacar apenas as disciplinas de arte, literatura e história, expressa uma visão, ainda hegemônica na sociedade, de que aquilo que define o indígena é sua cultura exótica, sua ideia romantizada pela visão indianista, logo, seu lugar pertenceria à história, como coadjuvante dos colonizadores (GRUPIONI, 1995, p. 487).

Por sua vez, o Plano Nacional de Educação (PNE), publicado como Lei 13.005/2014, em vigor desde 2016, além de determinar as diretrizes, metas e estratégias das políticas educacionais em geral, também definiu propostas pedagógicas

(19)

específicas. A estratégia 7.25, da meta 7 que trata do fomento à qualidade da educação básica, faz referência direta ao assunto:

garantir nos currículos escolares conteúdos sobre a história e as culturas afro-brasileira e indígenas e implementar ações educacionais, nos termos das Leis nos 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e 11.645, de 10 de março de 2008, assegurando-se a implementação das respectivas diretrizes curriculares nacionais, por meio de ações colaborativas com fóruns de educação para a diversidade étnico-racial, conselhos escolares, equipes pedagógicas e a sociedade civil (BRASIL, 2014) Nesse sentido, essas alterações apontam para uma educação pautada na diversidade das relações étnico-raciais, em parceria com os sistemas de ensino, para todos os níveis e todas as modalidades.

Uma educação voltada para a produção do conhecimento, assim como para a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos para (e na) diversidade étnico-racial, significa a compreensão e a ampliação do direito à diferença como um dos pilares dos direitos sociais. Implica também a formação de subjetividades inconformistas diante das práticas racistas e com conhecimento teórico-conceitual mais aprofundado sobre a África e as questões afro-brasileiras (idem, p. 22).

Ao comentar sobre as necessidades advindas da obrigatoriedade dos conteúdos em toda a extensão do currículo escolar, Carmo e Nascimento (2015), em sua pesquisa de identificação dos livros de sociologia disponibilizados pelo programa Nacional do Livro Didático, do período 2015-2017, destacam a novidade do assunto, que contraria a educação oficial que até então escondia a história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas:

Isto provocou entre os educadores uma busca acentuada pela formação de conhecimentos referentes aos índios e aos afro-brasileiros, mas os programas educacionais do país nunca haviam tratado com a devida importância a história e a diversidade cultural desses grupos, por isso nos deparamos com a enorme ausência de recursos didáticos que possam auxiliar nas aulas com a promoção do conhecimento necessário sobre as questões indígenas e afro-brasileiras em toda a sua diversidade e complexidade. Mas, como ensinar o que mal conhecemos e o que, desde sempre, a educação oficial fez questão de esconder? (CARMO; NASCIMENTO, 2015, p. 229)

As escolas contam com pouquíssimos recursos didáticos para a promover o conhecimento mais adequado às questões indígenas e afro-brasileiras, além do problema: Mas, como ensinar o que mal conhecemos e o que, desde sempre, a educação oficial fez questão de esconder? (CARMO; NASCIMENTO, 2015, p. 229)

(20)

É nesse sentido que a Lei procura se constituir em instrumento de incentivo e facilitador do trabalho escolar, em auxílio aos professores que abordam a questão indígena e afro-brasileira na educação básica, almejando colaborar na reversão à referência comum que se faz aos índios e aos africanos, da fragilidade política, da subvalorização econômica, de grupos marginalizados e de suas culturas estáticas. Nesse aspecto, a Lei procura, por intermédio da educação escolar, desconstruir as imagens negativas que por séculos foram edificadas sobre esses povos (idem, p.230).

Segundo Carmo e Nascimento (2015), em boa parte a ênfase é dada à ausência das culturas indígenas na formação da cultura brasileira. Ao comparar os cinco livros adotados no âmbito do PNLD, os pesquisadores ressaltam que, embora contemplam o que dispõe a Lei 11.645/2008, no tocante à apresentação do conteúdo, por outro lado, “reforçam estereótipos que a Lei pretende suprimir e ficam aquém do que se esperava na formação e ampliação do conhecimento desses povos. ” (idem, p. 243)

2.1 A DIVERSIDADE CULTURAL NO ENSINO DA SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO

Concomitante a esse movimento de reconhecimento da cultura e da história dos povos indígenas no processo de formação do Brasil, em 2008, a Sociologia, juntamente com a Filosofia, volta a ser obrigatória no currículo do Ensino Médio (BRASIL, 2008).

Portanto, coube ao ensino da Sociologia, enquanto disciplina que engloba a Antropologia, levar (ou não) a etnologia para o Ensino Médio.

Por meio dessa disciplina, é possível apresentar, no Ensino Médio, as políticas públicas voltadas às populações indígenas, concretizando o princípio do ensino da “diversidade étnico-racial” previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Da mesma forma que na Universidade são debatidos as concepções de cultura e os problemas sociais do preconceito, da marginalização, do etnocídio e do genocídio, enfim, da condição atual dos índios no Brasil, é por meio da sociologia que esse tema deve ser trabalhado nas escolas. Nesse sentido, é possível traçar um paralelo desse movimento à problemática da descolonização da Academia, apontada por Thaíse Chates (2015).

A respeito da diversidade cultural e as políticas públicas, Nilma Limo Gomes traz uma reflexão interessante:

(21)

Pela sua própria heterogeneidade, a diversidade cultural exige de nós um posicionamento crítico e político e um olhar mais ampliado que consiga abarcar os múltiplos recortes dentro de uma realidade culturalmente diversa. O reconhecimento dos diversos recortes da ampla temática da diversidade cultural (negros, índios, mulheres, portadores de necessidades especiais, homossexuais, entre outros) coloca-nos frente a frente com a luta desses e outros grupos em prol do respeito à diferença. Coloca-nos, também, diante do desafio de implementar políticas públicas em que a história e a diferença de cada grupo social e cultural sejam respeitadas dentro das suas especificidades sem perder o rumo do diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais. A luta pelo direito e pelo reconhecimento das diferenças não pode se dar de forma separada e isolada e nem resultar em práticas culturais, políticas e pedagógicas solitárias e excludentes. (GOMES, 2012a, p. 2 - 3) Conforme sua perspectiva há uma tendência nas culturas em ressaltar como melhores seus próprios valores, estranhando, até mesmo rejeitando, tudo que lhe seja diferente. (Op. Cit., p. 8)

A preocupação acerca do tratamento dispensado ao índio na educação brasileira consiste em evitar a introjeção de preconceitos arraigados no imaginário social. Ainda quanto ao espaço destinado ao indígena na Sociologia do Ensino Médio, outra preocupação pertinente ao tratamento da questão pelos professores de sociologia diz respeito à formação teórica sobre o assunto no currículo da licenciatura em Ciências Sociais. Isso porque, segundo Grupioni (2012) os professores devem possuir a capacidade de realizar uma leitura crítica do livro didático, além dos autores desses materiais rever suas teorias e se apoiarem em pesquisas mais recentes.

Destoando das políticas destinadas a grupos específicos vulnerabilizados, como mecanismos de atenuar os impactos das desigualdades sociais e econômicas, a inclusão obrigatória do Ensino da História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e dos povos indígenas, nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, estabelecida por meio da Lei Federal nº 11.645, de 10 de março de 2008, foi importante por representar mais do que uma ação afirmativa, ao não se restringir ao público depositário dessas identidades. Porém, além do reconhecimento formal materializado em lei, é plausível saber em que condições o professor, negro ou não negro, índio ou não índio, como esses grupos são estudados, interpretados, para assim, respeitá-los em suas diversidades (GUSMÃO, 2011).

A respeito da inclusão da temática da cultura africana e indígena, é importante localizar que a Lei 11.645 antecedeu à volta da Sociologia no Ensino Médio, pela Lei 11.684, portanto, o comando da Lei que dispõe sobre o ensino preferencialmente nas áreas da literatura, educação artística e história, não podia levar em consideração a

(22)

Sociologia, até então ausente dos currículos, como disciplina privilegiada para tratar o assunto.

Essa lei pode ser contextualizada como uma conquista recente do movimento indígena, embora Grupioni (2012) não vincule sua concepção como sendo de iniciativa do movimento indígena, mas sim do próprio MEC, ela tem relação com as articulações políticas que remontam à 1990, quando etnias mobilizadas apontam o ambiente escolar como local de propaganda de imagens pitorescas dos índios, quando não simplesmente apagados, e conseguem estabelecer relações e iniciativas de combate ao preconceito e ao racismo. (GRUPIONI, 2012, p. 9).

Como sugere Grupioni (idem), ao enfocar a situação indígena é interessante problematizar na atualidade as questões das diversidades culturais e étnicas, apresentar seus dilemas e dificuldades atuais, situando-os no presente e relacionando com o futuro, os casos de preconceito, revelar a cultura racista por trás desse tratamento. Para tanto, deve-se superar a dicotomia índios isolados versus índios aculturados, isto é, ou pertencem ao passado, ou estão em vias de desaparecimento (idem, p. 18).

Dessa forma, considero que essas inovações legislativas e a preocupação internacional a respeito do assunto ainda estão em um período inicial de aplicação, tendo em vista que se passaram menos de dez anos que a sociologia voltou para a escola.

(23)
(24)

3 A DESCOLONIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR POR MEIO DO LIVRO DIDÁTICO

Neste capítulo estabelecemos um diálogo com as ideias que atribuem ao currículo escolar uma influência na formação da cultura nacional. Trata-se de pensar, por outro lado, em como a introdução e o desenvolvimento de assuntos relacionados aos povos indígenas nos livros didáticos podem ser vistos como resultado da preocupação de se conhecer e valorizar a diversidade étnica e cultural. A descolonização do currículo pode ser vislumbrada como um processo de abertura à valorização de outras culturas, e, principalmente, do conhecimento da composição étnica atual do Brasil, com vistas a estimular o exercício da interculturalidade possibilitado pelo intercâmbio cultural. Para esse propósito, o livro didático pode funcionar como alicerce dessa relação entre o currículo e a diversidade cultural.

3.1. O currículo escolar e a formação cultural

Para Gomes (2012b), a colonização levou à hierarquização dos conhecimentos culturais e dos povos. Ao mesmo tempo, a globalização ensejou movimentos de contra hegemonia, expondo os currículos como territórios em disputa, renovando-os, ou, em sua visão, descolonizando-os e dando-lhes nova função (GOMES, 2012b, p. 103). Ao comentar o abalo provocado na presença das culturas hegemônicas as modificações introduzidas com a Lei 10.639/03, a antropóloga considera como um movimento de ruptura em relação as práticas anteriores, uma vez que:

a discriminação racial se faz presente como fator seletividade na instituição escolar e o silêncio é um dos rituais pedagógicos por meio do qual ela e expressa. Não se pode confundir esse silêncio com o desconhecimento sobre o assunto ou a sua invisibilidade. É preciso colocá-lo no contexto do racismo ambíguo brasileiro e do mito da democracia racial e sua expressão na realidade social e escolar. (GOMES, 2012b, p. 105)

Para superar a visão eurocêntrica do conhecimento e do mundo a escola precisa, primeiramente conhecer, para depois reconhecer a diversidade cultural, para então ser espaço de convívio dessa diversidade, enfrentando as práticas racistas na educação escolar.

(25)

Na cultura ocidental, a escola cada vez mais se consolidou como uma instituição fundamental para a socialização e formação do indivíduo. Porém, tendo em vista que o processo de universalização do ensino proporcionou cada vez mais sua transformação em espaço de trocas de experiências, manteve a regulação do processo de ensino-aprendizagem pelo currículo escolar nacional e padronizado como mecanismo oficial de transmissão e organização do conhecimento. Inserida em um contexto social de tensões e conflitos, a escola vive a negociação permanente entre o consenso e o dissenso, sendo que essa disputa pode provocar transformações na cultura escolar.

O papel da educação na conformação da cultura, e vice-versa, tem para Goulart (2012) a seguinte explicação:

Inicialmente podemos pensar a escola como um espaço de socialização que envolve diferentes culturas, ou seja, formas diversas de comportamento, valores, ideais, enfim, é um local privilegiado no sentido da diversidade. A partir dessa observação devemos pensar em como lidar com as diferenças em sala de aula. Nesse aspecto a antropologia passa a transpor seus conceitos científicos centrais para o campo educacional, podendo explicar as diversas redes de socialização construídas pelos grupos de alunos e como as particularidades culturais desses alunos influenciam na aceitação ou negação de suas diferenças em sala de aula e como se apropriar do tema da diversidade para a construção da consciência crítica. (GOULART, 2012, p. 5)

O currículo, em geral, e o livro didático, como parte dele, resultam de convenções acadêmicas e orientações curriculares sistematizadas pelo Ministério da Educação. Segundo Costa (2005), o currículo e seus componentes constituem um conjunto articulado e normatizado de saberes regidos por uma determinada ordem estabelecida em permanente debate. Há de se considerar que esse debate enfoca sempre as visões de mundo e os lugares sociais onde se produzem essas visões. Sendo assim, o currículo e seus componentes elegem e transmitem representações, narrativas e significados sobre as coisas e os seres do mundo. Com isso, o currículo teria o poder de se constituir em um dos mecanismos sociais que compõem o caminho capaz de tornar os sujeitos naquilo que eles são.

Grupioni (1995) lançou a problemática de qual a representação do índio pela sociedade brasileira, bem como levantou questões acerca da construção da imagem veiculada pelos meios de divulgação e na escola, iniciando seu artigo com uma descrição da comemoração do dia do índio que ainda é visto na maioria das escolas.

(26)

Na discussão sobre a temática indígena, Grupioni (2012, p. 23) lança alguns pontos pertinentes à reflexão que podem ser realizadas durante a aula, visando perceber a opinião da sala sobre a persistência histórica e as centenas de etnias que resistem até hoje. Uma das sugestões é articular esse conteúdo com o contexto presente e levantar na sala se suas reivindicações são vistas como direitos ou empecilhos ao desenvolvimento. Pois, segundo ele:

Uma sociedade que almeja uma convivência pautada pelo respeito, pela justiça e pela paz social, pela igualdade de condições a serem propiciadas a todos os seus integrantes para que possam se desenvolver como sujeitos autônomos e encontrem o bem viver, precisa refletir sobre os diferentes grupos e segmentos que a compõem. Essa é uma tarefa para a escola brasileira: propiciar aos seus alunos a oportunidade de se defrontar com questões e problemáticas que os levem a refletir criticamente sobre a sociedade brasileira, sobre sua formação ao longo do tempo e sobre sua configuração atual. (GRUPIONI, op. cit.)

Além do tratamento relacional aumentar as chances de uma interação mais respeitosa, menos opressiva, para com o indígena, o tratamento da temática pela Sociologia, com os conceitos de dinâmica cultural, etnicidade, e outros, pode tomar a condição indígena como um recorte inicial que pode extrapolar a situações vivenciadas em outras coletividades:

As indagações que surgem a partir da questão dos povos indígenas nos levam à reflexão sobre outros grupos diferenciados, minorias sociais, raciais, étnicas, sexuais, que também integram a nação brasileira: ribeirinhos, sertanejos, imigrantes, negros, mulheres, ciganos, pobres, sem terra, sem teto… Pensar sobre os índios pode ser um exercício válido e necessário para pensarmos também sobre esses outros grupos, para refletirmos sobre as relações que eles mantém entre si, para pensarmos o que os aproxima e o que os diferencia, para, enfim, pensarmos como foi possível o surgimento e a continuidade, no tempo e no espaço, da nação brasileira. Refletir sobre todos eles é refletir sobre a própria sociedade da qual todos nós fazemos parte. A escola pública não pode se negar a realizar essa reflexão. Ao contrário, ela é o lócus privilegiado para isso, visto que ela mesma é reflexo da diversidade maior que conforma o país. (GRUPIONI, 2012, p. 23)

Dessa forma, como o livro didático deve seguir as Orientações Curriculares Nacionais, em cumprimento aos dispositivos legais, ele é um instrumento de reprodução do imaginário social. A obrigatoriedade do tratamento da questão indígena levantou a indagação de pesquisadores sobre a importância de não estereotipar a imagem do índio, como historicamente ocorreu nos livros didáticos infantis e de História, uma vez que, por mais que o livro mencione a existência dessa diversidade

(27)

étnica, o texto pode passar uma imagem estática a respeito do “ser índio”, transpassando a ideia de que é uma étnica restrita aos parâmetros descritos pelo material didático. Nesse sentido, vale a pena pensar estratégias de ensino alternativas, por exemplo, com o desenvolvimento de um projeto que possa conhecer os grupos indígenas que circundam o entorno, ou até mesmo convivem, com os estudantes. Talvez esse movimento permita exercitar a dialética intrínseca a atitude antropológica de estranhar o familiar, familiarizar com o estranho.

Nessa toada, os livros: “Sociologia Hoje” e “Tempos Modernos, Tempos de Sociologia” trouxeram propostas interessantes. Um deles, ao apresentar um mapa com os territórios indígenas, em base ao trabalho elaborado pelo Instituto Socioambiental (ISA) oferece a distribuição geográfica da ocupação indígena no território brasileiro. Porém, imagina esse livro, em uma sala de aula do Piauí, ou do Rio Grande do Norte, os únicos estados que até então não possuem território indígena delimitado e homologado, pode induzir a conclusão de que tampouco há índios nesses estados.

(28)

Figura 1: Mapa Terras Indígenas (MACHADO, 2013, p. 42)

O outro livro traz uma interessante reflexão sobre o censo demográfico de 2010, que revelou a existência de 305 etnias indígenas no Brasil, entre outras informações. A abordagem problematiza as categorias de cor/raça empregadas na metodologia de coleta do Censo, organizada pelo IBGE, e contextualiza as lutas

(29)

contemporâneas do movimento indígena. Porém, em geral, com a exceção de uma fotografia dos pankaruru dançando o toré, em São Paulo, como grupo oriundo de Pernambuco, praticamente não se considera a existência de contingente indígena no Nordeste.

Ainda a respeito do uso, da função e do alcance do livro didático, vale destacar que essa ferramenta educacional pode desempenhar um papel de destaque na vida escolar:

O livro didático é, muitas vezes, o único material impresso disponível para os alunos, cristalizando para ele, e também muitas vezes, por que não dizer, para o professor, parte do conhecimento a que eles têm acesso (Cf. Pinto e Myazaki, 1985: 165). Sabemos da importância da escola, e do espaço ocupado pelo livro didático, no processo de formação dos referenciais básicos das crianças da nossa sociedade. A historiadora Norma Telles mostra que é na infância e na adolescência, portanto, durante o período em que se frequenta a escola, que se recebe uma série de informações sobre outras culturas e sobre outros povos. Poucos terão, após essa fase, oportunidade de aprofundar e de enriquecer seus conhecimentos sobre os outros seja através de viagens, romances, internet, mostras de filmes internacionais, seja prosseguindo seus estudos. Neste contexto, o livro didático é uma fonte importante, quando não a única, na formação da imagem que temos do Outro. Alie-se a isto o fato do livro didático constituir-se numa autoridade, tanto em sala de aula quanto no universo letrado do aluno. É o livro didático que mostra com textos e imagens como a sociedade chegou a ser o que é, como ela se constituiu e se transformou até chegar nos dias atuais (Cf. Telles, 1987). (GRUPIONI, 1995, p. 11 e 12)

Em relação ao conteúdo a ser ensinado há que se considerar, na abordagem da situação dos grupos indígenas brasileiros, não somente a presença dessa temática no material didático, como também o domínio do assunto por parte do professor. Essa dimensão requer uma análise de maior fôlego, voltada a identificar o processo de formação dos professores, além de considerar as condições concretas em que esses profissionais atuam, que muitas vezes, ao longo do ano letivo, com uma série de lacunas no calendário escolar, faz com que o professor tenha que se concentrar nos assuntos “clássicos” dos campos que compõe o universo da Sociologia, relegando as questões consideradas “marginais” ou secundárias para outra ocasião, ou, quando muito, lembrando delas apenas nas datas comemorativas.

Ademais, o uso inadequado dos conceitos fortalece a segregação étnica não somente perante o índio distante, exótico, mas, sobretudo, submete ao índio que está próximo, geralmente discriminado por suas heranças indígenas, sofrendo uma rotulação social, que leva à segregação por se enquadrarem em uma “família” ou um “grupo”, com origem e história diferente do predominante. Nesse sentido, o material didático pode contribuir na desconstrução dessas imagens. Para isso, o livro deve

(30)

conter o objetivo que consta no Parâmetro Curricular Nacional da Sociologia, desenvolver as competências e habilidades na Sociologia, Antropologia e Política:

Compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias e segmentos sociais, agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto princípio estético, político e ético que supera conflitos e tensões do mundo atual. (BRASIL, PCN. p. 43)

Portanto, esses são alguns dos desafios que suscitaram esse trabalho, assumindo, como ponto de partida, que a inclusão de conteúdo sobre os indígenas é uma prova do fortalecimento da articulação política dos povos indígenas brasileiros, que ao longo das últimas décadas tem demonstrado um ímpeto ao crescimento demográfico.

Um importante material de apoio, pensado como subsídio aos professores e aos alunos do 1º e 2º graus (segundo a organização escolar vigente na época) é a coletânea “A temática indígena na escola” publicado pelo Ministério da Educação, em 1998. Tem como objetivo o estímulo ao convívio construtivo das diferentes enticas que conformam a população brasileira, a partir do conhecimento de aspectos culturais de algumas etnias. Para isso, oferece informações sobre sociedades e culturas indígenas. A coletânea traz uma pertinente reflexão inicial sobre a escola como espaço privilegiado de troca cultural. A densidade dessa coletânea faz com que seja uma referência obrigatória para uma aproximação didática com a temática indígena.

Diante dessas considerações, após conferir os livros, foi possível identificar que alguns focam em mais conteúdo e autores da antropologia brasileira do que outros, oferecendo uma abordagem mais consistente e interessante no que diz respeito a compreender a situação dos povos indígenas hoje.

3.2. O livro didático e a representação da diversidade étnica e cultural

Há décadas que a representação do índio na sociedade brasileira e o tratamento dispensado pela educação nas escolas, têm sido objeto de pesquisa de educadores e antropólogos. A série produzida para a TV Escola “Índios no Brasil” oferece uma dimensão do preconceito que sofrem os indígenas, principalmente aqueles que vivem próximos aos centros urbanos do sul, sudeste e nordeste, pois a opinião dominante é que, se ainda existem, vivem isolados na mata, na Amazônia, ou no Xingu. Essa visão historicamente tem habitado o imaginário da cultura nacional.

(31)

A fim de superar esses estereótipos da forma como retratam os índios os livros didáticos, em particular os aplicados na disciplina de História, pelo menos desde a década de 1990 que os antropólogos se preocupam em acompanhar essas publicações:

Os livros didáticos são deficientes no tratamento da diversidade étnica existente no Brasil, tanto em elementos históricos como atuais: um conjunto de informações incorretas, incompletas ou descontextualizadas sobre os índios acaba gerando ou reforçando o preconceito e a discriminação. (…). Como é possível que a escola, que desempenha um papel fundamental na formação do nosso referencial explicativo da realidade colabore na construção de uma sociedade pluriétnica, capaz de respeitar e conviver com diferentes normas e valores? (GRUPIONI, 2012, p. 20 e 21)

Alguns pesquisadores apontam as deficiências contidas nos materiais didáticos, que, como produtos construídos socialmente, muitas vezes funcionam como um reforço dos estereótipos. Abordar a cultura indígena deveria partir da reflexão sobre o ser indígena hoje no Brasil. É possível imaginar o desconforto que pode causar uma situação em que há um pankaruru em uma sala de aula quando o livro fala de índio remete ao sujeito nu, vivendo na mata, geralmente no Xingu ou na Amazônia.

No início do século XXI,

A respeito do ensino sobre indígenas nas escolas regulares muito pouco foi realizado no sentido de proporcionar o reconhecimento e a valorização da sociodiversidade e principalmente, dos saberes indígenas. Análises dos livros didáticos utilizados em escolas públicas no Brasil revelam que ainda são veiculadas informações preconceituosas sobre as populações indígenas (TASSINARI, 2008, p. 234)

Embora haja ressalvas em relação ao grau de dependência do livro didático, ele pode exercer papel preponderante para o planejamento da aula. Porém, segundo o material de apoio científico-pedagógico da Coleção Explorando Ensino, que tem como objetivo estabelecer um diálogo desse conteúdo com a escolha dos livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)3, o livro didático é visto como “fonte secundária no ensino de sociologia” (MORAES, 2010, p. 16). As próprias vicissitudes no percurso da implementação da Sociologia no currículo escolar influenciaram no mercado editorial4.

3

O PNDL começa a distribuir livros didáticos de Sociologia. O programa funciona com uma avaliação pedagógica prévia, realizada por equipe do MEC

4

Pode-se traçar um paralelo comparativo à situação de expansão do mercado editorial provocada na ocasião da reforma educacional de João Luis Alves-Rocha (1925) que incluiu, pela primeira vez, a Sociologia nas Escolas. (idem, p. 20).

(32)

De qualquer forma, o livro didático é um material que o estudante pode consultar e que vai ajudá-lo na formação de sua visão de mundo. Mas essa é apenas uma parte da diversidade de materiais didáticos que podem ser utilizados no processo educativo. É um recurso que pode ser acionado e envolve outros, tais como a própria didática do professor, bem como a capacidade de auxiliar a despertar o interesse dos alunos pelo assunto.

Diferentemente da preocupação anterior manifestada por antropólogos, historiadores e educadores sobre como o índio era retratado nos livros de História, para Nilma Lino Gomes (2012a), a universalização e democratização do ensino tendem a questionar os colonizadores.

Pode-se dizer que, na teoria educacional e na prática do currículo, esses dois conjuntos de epistemologias são produzidos por um movimento dinâmico: a reflexões internas à ciência e as questões colocadas pelos sujeitos sociais organizados em movimentos sociais e ações coletivas ao campo educacional. Quanto mais se amplia o direito à educação, quanto mais se universaliza a educação básica e se democratiza o acesso ao ensino superior, mais entram para o espaço escolar sujeitos antes invibilizados ou desconsiderados como sujeitos de conhecimento. Eles chegam com os seus, demandas políticas, valores, corporeidade, condições de vida, sofrimentos e vitórias. Questionam nossos currículos colonizados e colonizadores e exigem propostas emancipatórias. (GOMES, 2012a, p. 99)

Desse modo, as tensões resultantes dessa perspectiva podem descolonizar os currículos ao questionar a visão eurocêntrica de conhecimento, sendo as Ciências Humanas um espaço privilegiado de articulação entre a teoria (educacional) e a prática (do currículo). A cultura escolar começa a se modificar na medida em que seus espaços começam a serem ocupados pelos sujeitos portadores das identidades étnicas, até então ocultadas.

A efetivação e a implementação de leis no campo educacional dependem em grande medida de um conjunto de condições para que alcancem a realização de seus objetivos. Nesse cenário, a escola tem sido considerada historicamente um espaço de reprodução do preconceito, do racismo, da discriminação, mesmo que por vezes de forma sutil, velada, ancorada no mito da “democracia racial”.

Segundo Amaury Moraes, as dinâmicas sociais produzidas nos estabelecimentos escolares revelam uma instituição que dificilmente consegue lidar com identidades forjadas num contexto de diversidade, reconhecendo-as e tratando-as de forma igualitária e digna, e com saberes e patrimônios culturais produzidos pelos grupos étnico-raciais do País (MORAES, 2010, p. 23, 24).

(33)
(34)

4 A representação do índio brasileiro nos livros didáticos de sociologia

Os livros didáticos que analisei são diversificados, tanto do ponto de vista das fotografias, retratos, pinturas, tirinhas, enfim, recursos gráficos para ilustrar a diversidade cultural, como também dos textos e referentes teóricos apresentados nos conteúdos abordados. No conjunto dos livros pesquisados foi observado a preocupação com o tratamento da diversidade étnica e cultural. A diversidade étnica e cultural é um tema nos livros de Sociologia, sendo seu uma recomendação de aula nas Orientações Curriculares nacional (Lévi-Strauss) e pode ser analisada sob múltiplos ângulos, não se limitando a variedade de etnias que possam ser retratadas no livro didático. Situar esses recursos gráficos é significativo, pois, além de estar em sintonia com o texto explicativo, precisa ter o cuidado de tratamento por parte da opinião do professor.

Na publicação do MEC Sociologia: Ensino Médio (MORAES, 2010) no capítulo 9, “Cultura e alteridade”5, os autores apresentam o conceito polissêmico da cultura. Para atender o propósito de desenvolver a discussão sobre alteridade é proposto o texto Raça e História, de Claude Lévi-Strauss, pelo qual ele expõe a desconstrução das teses racistas e a classificação evolutiva dos seres humanos em base a contraposição a identificação do progresso como a evolução e o primitivo seria próprio aos povos atrasados. Criticando o etnocentrismo, mostra a importância de relativizar as diferenças entre as culturas, mas sem hierarquizar. Esse texto é encontrado em todos os livros didáticos analisados.

A Coleção Explorando o Ensino – Sociologia6, que pode ser tomado como referencial na preparação das aulas de Sociologia, traz uma aproximação com a questão das línguas indígenas, por meio da reflexão de Manuela Carneiro da Cunha (2009, apud, MEC, 2010) acerca do direito constitucional a manifestação cultural indígena, incluído o direito de uso da língua materna na educação.

Além disso, recomenda, entre outros temas, o trabalho com o conceito de etnicidade no currículo de Sociologia:

5

SIMÕES, Júlio Assis; GIUMBELLI, Emerson. Cultura e alteridade. In: AMAURY, César Moraes (coord.). Sociologia : ensino médio. Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

6

LIMA, Antonio Carlos de Souza; CASTILHO, Sergio Ricardo Rodrigues. Capítulo 11: Grupos étnicos e etnicidades. In: AMAURY, César Moraes (coord.). Sociologia : ensino médio. Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

(35)

A noção de etnicidade é a chave explicativa que nos sinaliza para os complexos processos de identificação, tanto aqueles pelos quais uma coletividade se diferencia de outras coletividades em seu entorno ou do Estado Nacional, a que está subsumida, quanto aqueles que, partindo de fora desses coletivos, também o considera diferenciado, via de regra, para isso recorrendo a atributos desqualificadores de sua condição, a estigmas, portanto. Tais coletividades compõem o que denominamos um grupo étnico, e os indivíduos que a eles pertencem como portadores de uma identidade etnicamente diferenciada. (MEC, 2010, p. 233 - 234)

As orientações curriculares nacionais, a qual considera que o livro didático de Sociologia é “um artefato cultural que expressa escolhas sobre a seleção, a organização e o sentido do conhecimento sociológico na escola” (BRASIL, 2011, p. 11) e que consiste em desenvolver as competências e habilidades na Sociologia, Antropologia e Política, a fim de:

Compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias e segmentos sociais, agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto princípio estético, político e ético que supera conflitos e tensões do mundo atual. (idem, p. 43)

A afirmação abaixo, de Aracy Lopes da Silva e Luis Grupioni, embora feita há mais de vinte anos, é profundamente atual ao discorrer sobre a diversidade cultural como alternativa ao enfrentamento da intolerância, na perspectiva da construção de um convívio em meio à diferença, pautada pelo conhecimento mútuo como parte de um convívio respeitoso, e, por isso, construtivo:

Nestes tempos de violência generalizada no país, a reflexão sobre os povos indígenas e sobre as lições que sua história e suas concepções de mundo e de vida social podem nos trazer, aliada ao exame dos modos de relacionamento que a sociedade e o Estado nacionais oferecem as sociedades indígenas constituem um campo fértil para pensarmos o país e o futuro que queremos. (SILVA; GRUPIONI, 1995, p , 15 - 16)

Tendo em vista que a educação “é uma modalidade de ajustamento psicossocial” com objetivo de controle social e de modelar as personalidades, historicamente a política educacional tem procurado ocultar a diversidade cultural que compõe o estado brasileiro e as sociedades humanas, na perspectiva da edificação de uma cultura nacional. O conhecimento de outras culturas, a compreensão de diferentes formas de viver daquelas predominantes em nossa sociedade permite vislumbrar em uma educação antirracista e menos intolerante. (GUSMÃO, 1997, p. 5 - 7)

No “Tempos modernos, tempo de sociologia”, um dos livros didáticos pesquisados, traz a seguinte contribuição para a desnaturalização da cultura:

(36)

A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a leva-nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única. ” (LAPLANTINE, 2000, p. 21. apud, BOMENY, 2013, p. 42)

Tal como sugere a antropóloga Neusa Gusmão (2011) a cultura é um campo político que oferece múltiplas possibilidades, sendo, portanto, um conceito que, quando acionado é capaz de valorizar a pluralidade existente na sociedade. Segundo a autora, o conceito de diversidade recebe um tratamento relacional, ou seja, a diferença só existe na medida em que seja um produto social distinto da formação social hegemônica. Nesse sentido, propõe a construção de espaços de realidade intercultural como processo de diálogo entre as experiências dos sujeitos envolvidos na aprendizagem:

Esse desafio do século XXI que permita colocar ensino e aprendizagem a dialogar parar construir sociedades de aprendizagem, cuja realidade seria intercultural, vale dizer sociedade de troca, compartilhamento e comunicação entre sujeitos diferentes, que mantendo suas diferenças, possam ser iguais perante a lei, perante a vida. Um ser concreto, objetivo e subjetivo ao mesmo tempo. Um ser que não é apenas aluno, mas é um ser de história e de singularidade. Um ser sociocultural. (p. 41)

Porém, enquanto os livros didáticos tratarem as tradições indígenas como aspectos distantes, separados, exóticos, ou ainda, contemporâneas, mas sem problematizar as condições de sua existência, expressam uma dimensão da política multicultural, pensada como um processo desencadeado pelas agências governamentais, mas não intercultural, centrada na comunicação, no diálogo entre diferentes. Portanto, a perspectiva intercultural articulada por Gusmão (2011) requer um exercício de compreensão de sociedades de aprendizagem, de intercâmbio cultural entre a escola e a comunidade envolvente, processo que vai na contramão da escola homogeneizadora. Esse ponto de vista remete a ideia de entender a função da educação na formação da sociedade moderna.

Com a abordagem intercultural seria possível desconstruir os mitos difundidos pelo determinismo biológico, ainda tão em voga no seio de nossa sociedade, dado os caminhos formativos trilhados tanto pela História, quanto pela Pedagogia e Sociologia, dando condições de, no próprio processo de aprendizagem, perceber as lógicas

(37)

particulares por trás de cada cultura. De modo mais amplo, discutir sobre isso em sala de aula permite vislumbrar a diversidade existente atualmente, não apenas fazer alusão histórica à composição social do Brasil. Isso ajuda a pensar estratégias de inclusão, na medida em que o manejo das relações de igualdade e diferenças dizem respeito ao processo de poder e dominação que geram exclusão e marginalização (GUSMÃO, 2011, p. 36).

A pesquisa realizada por Silva (2010), apontou uma abordagem preconceituosa formulada por alguns escritores pernambucanos do início do século XX, sobre as expressões socioculturais indígenas no Nordeste:

Escritores e vários estudiosos, como Gilberto Freyre, Estevão Pinto, Câmara Cascudo, dentre outros, reafirmam o desaparecimento dos indígenas no processo de miscigenação racial, integração cultural e dispersão no conjunto da população regional (SILVA, 2010, p.30).

O pesquisador observou nos seus estudos que os referidos escritores geralmente agregaram nas suas obras a ideia da extinção dos povos indígenas como resultado do processo de “mestiçagem”, e ainda reforçaram essa possibilidade em seus textos por meio dos verbos sempre empregados no pretérito. Quando os autores citados por Silva (2010) se referiram aos poucos indivíduos indígenas, enfatizaram que esses não possuíam mais “características típicas” dos seus povos, assim recebendo o nome de “remanescentes, caboclos ou mestiços”. É comum encontrar nessas obras termo como: “assimilação cultural”, “aculturação”, “cruzamento”, esse último se refere ao relacionamento sexual entre índios e não-índios e essa expressão os remetem a animais.” (SILVA, 2010, p. 42)

Igualmente, critica a tese do etnocídio que levou ao desaparecimento da cultura indígena ao ter se misturado com os povos colonizadores e escravizados, conformando a população brasileira. Essa visão há muito foi superada na antropologia brasileira contemporânea, embora persista nos livros didáticos escolares, principalmente na área correspondente à interpretação do Brasil, na visão da Sociologia.

Na realização dessa discussão em sala de aula, além do uso do livro didático para conhecer culturas diferentes, de se familiarizar com o diferente, uma ponte interessante pode ser estabelecida com uma aproximação das diferenças étnicas presentes no ambiente escolar e em seu entorno, uma vez que o livro didático é padronizado nacionalmente, sendo, portanto, delimitado. Um exemplo problemático

Referências

Documentos relacionados

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Com relação à germinação das sementes armazenadas em câmara fria, aos três meses de armazenamento (Tabela 10), observou-se em sementes tratadas ou não com fungicidas e

Este desafio nos exige uma nova postura frente às questões ambientais, significa tomar o meio ambiente como problema pedagógico, como práxis unificadora que favoreça

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o