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4 A representação do índio brasileiro nos livros didáticos de sociologia

4.2. Sociologia Hoje

O livro didático “Sociologia Hoje” aborda em diversas ocasiões a questão indígena. Esse livro estabelece a divisão segundo os três “campos” que compõe a Sociologia (ou as Ciências Sociais?), entre antropologia, sociologia e ciências políticas, intitulados respectivamente: cultura, sociedade e poder e cidadania.

No que diz respeito a abordagem da situação do índio no Brasil, ao lado de imagens entre indígenas e não indígenas interagindo, o livro procurar problematizar a “descaracterização” ideológica provocada quando nos deparamos com o uso de tecnologias por parte de grupos indígenas, além de convidar

a compreender as sociedades indígenas como agrupamentos sociais complexos, apresentando o pensamento ameríndio descrito por Lévi-Strauss. Além de apresentar ao leitor as antropólogas Manuela Carneiro da Cunha e Nádia Farage, o livro traça um breve histórico sobre o processo de etnocídio e genocídio provocados desde a colonização. Também traz informações atualizadas do censo populacional indígena, baseado no censo realizado pelo IBGE em 2010, e um mapa dos territórios indígenas no Brasil elaborado pelo Instituto Socioambiental (MACHADO, 2013, p. 41). Além disso, dedica o item 5, no contexto do capítulo sobre Evolucionismo e Diferença, as Populações Indígenas no Brasil (Op. cit., p. 39 – 40). O enfoque oferecido pode ser conferido nesse trecho:

A história das populações indígenas no Brasil desmente a imagem fantasiosa de povos cujo modo de vida permaneceu o mesmo desde a chegada dos europeus ao continente americano. Estudos antropológicos, arqueológicos e linguísticos indicam intensos processos de transformação, adaptação e mudança entre as populações indígenas, processos dos quais temos apenas alguns vislumbres, já que as fontes para o estudo são raras ou inexistentes. (MACHADO, 2013, p. 39)

Em outro momento, na seção dedicada a pensar sobre “padrões, normas e cultura”, o livro problematiza o estereótipo construído sobre o índio, e um dos exemplos mencionado é a celebração do Dia do Índio (19 de abril) como representando a imagem genérica criada pela sociedade não-indígena, como pode ser observado na imagem a seguir (p.55).

Em relação ao desenvolvimento da antropologia brasileira, há uma seção dedicada a esse tema. O livro atribuiu como característica marcante a preocupação de Figura 4: detalhe de imagem de um trabalho escolar em homenagem ao Dia do Índio (MACHADO, 2013, p. 55)

explicar o próprio país. Para esse apartado, recorre à divisão histórica sistematizada por Júlio Cezar Melatti, acerca da antropologia brasileira. Apresenta os primórdios da Etnologia, quando a visão dominante consistia em provar cientificamente a existência de inferioridade racial dos indígenas com os precursores dos estudos das populações indígenas, os alemães Karl von den Steinen e Adolf Bastian (Op. cit., p. 77). Em um quadro específico, de convite à reflexão, o capítulo traz uma importante problematização a respeito das decisões políticas e as teorias de branqueamento da sociedade brasileira, responsáveis, entre outros, pelo extermínio de indígenas, afirmando que elas “foram tomadas com base nas ideias vigentes em cada época, como as teorias de evolução social e de hierarquia racial. ” (idem, p. 77)

O texto estabelece uma conexão com a atualidade, explicitando: “Nos dias atuais, a marginalização de populações negras, indígenas e mestiças tem relação com essas decisões históricas. ” (op. cit., p. 78).

Ainda em relação a formação da Antropologia como campo de conhecimento acadêmico, o texto situa a vinda de Lévi-Strauss e da “missão francesa” na difusão do conhecimento antropológico pelo Brasil, bem como destaca a influência norte- americana, a partir de Gilberto Freyre e o desenvolvimento de uma nova perspectiva não racista.

Após apresentar o crescente interesse da Antropologia brasileira pelos estudos de comunidade, nessa mesma seção, o livro menciona a abordagem funcionalista de Florestan Fernandes e Egon Schaden na interpretação das populações indígenas.

Ao apresentar a profusão da antropologia brasileira, os autores marcam um ponto de inflexão referente ao conceito de etnicidade:

Uma diferença marcante em relação ao período anterior, ligada ao uso mais sistemático da categoria ‘etnicidade’, é que os antropólogos não mais imaginavam que populações como as indígenas (ou quilombolas, entre outras) seriam inevitavelmente ‘aculturadas’ ou ‘incorporadas’ à sociedade nacional (MACHADO, 2013, p. 80)

Porém, sem deixar de se referir as limitações dessa mudança de paradigma: Entretanto, esse movimento ainda se direcionava ao entendimento da sociedade nacional, para a qual, segundo afirmava Roberto Cardoso de Oliveira, o indígena, por exemplo, aparecia como “um incômodo”. (idem)

Para ilustrar essa discussão é estampada a fotografia de uma placa de demarcação da Funai derrubada pela Transamazônica no território Parakanã, dando margens ao debate acerca da frente de expansão econômica e a preservação dos direitos indígenas.

Figura 5: Capa do livro "Sociologia"

Como referência teórica, além dos autores já citados, há reservado um espaço na seção dedicado à biografia de Roberto Cardoso de Oliveira, citando seu trabalho junto aos Terena e sua contribuição na Antropologia Social do Museu Nacional, na Unb e na Unicamp, bem como para a formulação do conceito de fricção interétnica.

Ao relacionar a antropologia brasileira nos dias de hoje, menciona a clivagem entre etnólogos, como os cientistas que estudam indígenas, e antropólogos, como aqueles que realizam pesquisa urbana, como uma das características do crescimento da Antropologia no Brasil. Outra dimensão desse movimento, para eles, é:

Essa ‘massificação’ da Antropologia gerou novas perspectivas teóricas na etnologia brasileira, francamente críticas à ideia do contato interétnico. Segundo essas críticas, a ideia de contato remete à sociedade nacional, pois faz do contato (e do branco) o agente principal da análise da vida dos indígenas. Para esses etnólogos, a compreensão das sociedades indígenas deve fundamentar-se nos termos dos próprios grupos indígenas, analisando suas cosmologias e modos de ver o mundo não pelo viés e pelos termos e modelos da ‘sociedade dos brancos’. Embora em termos numéricos a Etnologia tenha diminuído em relação à antropologia urbana, em termos de impacto internacional a ordem é inversa: a etnologia brasileira teve e ainda tem impacto internacional maior. (ibidem, p. 83)

Para Erinaldo Carmo e Silas Nascimento (2015) o livro Sociologia hoje é o que mais contempla a questão indígena. Conforme pode ser conferido no quadro sinóptico ao final deste capítulo, é o livro mais completo no que diz respeito ao tratamento da questão indígena pela antropologia.

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