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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Renata Junqueira Ayres Villas Boas (páginas 87-92)

Em contraposição ao histórico de burocratização, de redução de investimentos públicos, e ao negligenciamento da qualidade das políticas públicas sociais no Brasil, o Projovem se apresenta de forma diferente. Pelo menos no que se refere à formulação de suas concepções, ao desenho de seu projeto político- pedagógico integrado, à estrutura de funcionamento e aos recursos financeiros e técnicos com que contou no âmbito do governo federal, o programa apresenta todas as condições de largada para alcançar os objetivos a que se propõe: sintonia com demandas sociais concretas; articulação com as principais questões que permeiam a reflexão e o debate contemporâneo sobre juventude; estruturação planejada que não se restringe à oferta de benefícios, mas inclui serviços de apoio e sustentação, capacitação continuada dos profissionais; material pedagógico próprio, acompanhamento, supervisão e avaliação externas.

Neste sentido, não pode ser caracterizado como um programa voluntarista e de intenções apenas propagandísticas, como já foi assinalado no primeiro capítulo deste estudo, pois ao contrário, apresenta parâmetros qualificadores da ação pública que servem de referência e contribuem para a construção de novos programas sociais.

Como programa que inaugura o processo de construção de uma política nacional de juventude, essas condições sinalizam a prioridade que o governo federal atribui ao atendimento a este segmento social. Seu caráter interministerial demarca a importância da intersetorialidade como componente estratégico das políticas e dos programas para jovens. O foco no segmento juvenil que apresenta os maiores indicadores de vulnerabilidade sinaliza a decisão política de buscar reverter, pelo menos em parte, o quadro de exclusão social em que se encontra. No entanto, ao re-interar o caráter focalizado e emergencial das ações públicas que historicamente

têm sido dirigidas aos jovens, deixa dúvidas sobre a efetiva incorporação das juventudes nas políticas públicas governamentais.

O projeto político-pedagógico integrado do Projovem ousa ao concretizar, na formulação de seus pressupostos, na metodologia, no currículo e nos materiais didáticos, a interdisplinaridade e a interdimensionalidade, oferecendo referências e matéria-prima para professores e educadores colocarem em prática a integração e articulação entre as disciplinas do Ensino Fundamental, a qualificação profissional e a Ação Comunitária. Dessa forma, a concepção de formação proposta busca assegurar o desenvolvimento integral dos jovens, na perspectiva de garantir sua escolaridade básica, sua inserção cidadã, produtiva e transformadora na sociedade.

Mas são inúmeros os desafios de um programa como este, tendo em vista que ele só se efetiva nas parcerias com os governos municipais e com instituições da sociedade civil e, nesse processo, inevitavelmente se “transcodifica”, passa pela clivagem das culturas políticas e institucionais que as permeiam, incorpora particularidades da realidade local e assume configuração própria.

No que se refere especificamente à dimensão da Ação Comunitária, o impacto que pode alcançar na formação dos jovens, reconhecidos como sujeitos de direitos e mobilizados para atuação proativa no seu meio social, depende de diversos fatores que ultrapassam o âmbito da proposta pedagógica apresentada. Ainda que os municípios ofertem profissionais competentes, comprometidos, e criem oportunidades de os jovens se deslocarem às comunidades e a espaços em que possam interagir entre eles e com seu entorno social, essas condições favorecem, mas não são suficientes para “politizar” a ação social que possa ser realizada pelos jovens. Politizar no sentido de incorporar uma dimensão ampliada de cidadania, da participação política por direitos, do embate ideológico entre projetos que disputam interesses conflitantes na arena pública e que incidem diretamente no lugar excludente e discriminado em que se encontra a maioria dos jovens.

Retomo citação já incluída anteriormente de Benevides (2004):

(...) “política” que é feita só em torno de interesses pessoais ou grupais pode ser compadrio, negócio, ou até mesmo cosa nostra, mas certamente não será aquilo que, pelo menos desde Artistóteles, é identificado com a busca do bem comum (...).(BENEVIDES, 2004: 84)

Nesse sentido, percebe-se que há certa idealização na proposta da Ação da Comunitária. Procedimentos e instrumentos não forjam consciências e nem mobilizam “corações e mentes”. Mas, sem dúvida, são capazes de sensibilizar e semear terrenos promissores, se bem cultivados e irrigados.

O saber prático que a Ação Comunitária proporciona oferece um modo de intervenção na realidade que requer, sobretudo: conhecê-la objetiva e subjetivamente por meio de um diagnóstico; construir parâmetros e mediações para poder posicionar-se; planejar a ação no tempo; apropriar-se de ferramentas de elaboração de projetos, de monitoramento, avaliação, sistematização e disseminação de seus resultados e produtos. Saberes que podem contribuir para que os jovens construam seus próprios caminhos e desenvolvam projetos pessoais e coletivos para seu futuro.

Por um lado, a valorização dos espaços coletivos, das questões que envolvem convivência entre os jovens é capaz de potencializar aprendizagens de valores e práticas democráticas. As vivências de sociabilidade e de solidariedade proporcionadas pela Ação Comunitária sem dúvida corroboram para a construção de uma consciência e de uma cultura cidadã. Mas, por outro lado, não se pode esquecer que o interesse comum não é criado apenas com a junção, a formação de um agrupamento, um coletivo de jovens e, muito menos a percepção do interesse público. Outras mediações são imprescindíveis, como o estudo demonstrou.

Os pressupostos que fundamentam a Ação Comunitária estão fortemente ancorados nos parâmetros e princípios da

democracia participativa,

explicitados por Boaventura Souza Santos, e que, por sua vez, encontram ressonância nos modos dos jovens viverem esse momento de seu ciclo de vida. O modo de participar que reinventa e renova o “fazer política” e pelo qual se conquista espaços de participação. O espaço público, percebido como arena de disputas de interesses e reconhecimento público de demandas de sujeitos sociais, incorpora novas linguagens que constroem, pela atuação dos jovens, as novas gramáticas sociais, a que se refere este autor.

Nesse aspecto as definições ensejadas no projeto político-pedagógico integrado do programa encontram referência na conceituação de espaço público nos termos colocados por Telles (1994), Dagnino (2006) e Wanderley (1996) já citados anteriormente: espaço de vocalização de necessidades e direitos, disputa de interesses, mediação de conflitos, pactuação de parâmetros éticos políticos, de eqüidade.

No entanto, para que a atuação dos jovens nos espaços de realização da Ação Comunitária signifique ao menos uma experimentação de práticas democráticas em um espaço público, este tem que ser reconhecido, apropriado e legitimado pelos jovens como espaço efetivo de liberdade de expressão. O desafio que se coloca aqui é o de materializar esta proposta na dinâmica da relação entre os educadores e jovens e entre os próprios jovens, conferindo confiabilidade ao Projovem como espaço de trocas efetivas e interatividade que ultrapassa as paredes das salas de aula e constrói o diálogo qualitativo com o seu entorno social.

A valorização da participação direta possibilita uma ação protagônica do jovem entendida como afirmação de identidade pessoal e social, de busca de sua singularidade. O direito de ser diferente do que está socialmente constituído, parametrado ou estigmatizado, a que se referem Paulo Carrano e Juarez Dyarell em

seus estudos sobre juventude. O direito a ser reconhecido como jovem, sujeito social dotado de autonomia e liberdade de escolha e ação, sujeito de direitos.

Mas quais são os direitos dos jovens que cabe ao Estado garantir? O direito ao lazer, à cultura, ao trabalho, à educação, etc. são direitos sociais e de cidadania de toda a população. É necessário entender as particularidades das condições juvenis como clivagens que agregam conteúdos a demandas sociais historicamente reivindicadas pelos movimentos sociais. As especificidades dos direitos dos jovens estariam, assim, no recorte que é dado pela condição juvenil a determinadas demandas sociais, o que amplia o sentido de equidade à cidadania e ressignifica o sentido de inclusão social para este segmento.

Os direitos dos jovens têm sido motes de mobilizações e movimentos de juventude em todo o continente, mas, como já foi assinalado, ainda estão longe de se tornarem prioridade nas agendas públicas e nas arenas de decisão política. Embora as pesquisas constatem que nos últimos anos foram conquistadas novas instâncias de participação juvenil, elas não têm traduzido participação enquanto definição deliberativa de políticas e programas. Os modos como são estabelecidas as relações com os próprios segmentos juvenis destinatários das políticas os coloca apenas como usuários.

No Projovem a participação é concebida como um meio e um fim. Em que pesem os aspectos positivos enumerados na letra do programa, e mesmo na sua concretização, na prática os obstáculos são enormes e, nesse aspecto, o Projovem deixa, contraditoriamente, uma grave lacuna.

No documento Renata Junqueira Ayres Villas Boas (páginas 87-92)

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