• Nenhum resultado encontrado

Neste trabalho procuramos discutir a importância da transformação da sala de aula em um espaço relacional a partir da investigação dos modos como uma professora buscava conhecer as especificidades de seus alunos no contexto pedagógico e, ainda, como a docente articulava esse conhecimento à organização do trabalho pedagógico. Para isso, tivemos que imergir no espaço social da sala de aula e da escola para construir o maior envolvimento possível com a turma e a professora participante da pesquisa. Conhecemos as formas de relação entre professora e alunos, os modos como a professora realizava suas escolhas pedagógicas, suas crenças e valores sobre ensinar e aprender e o modo de funcionamento que foi se desenvolvendo na turma.

Na Epistemologia Qualitativa a tensão entre momento empírico e teórico é constante e sustenta os indicadores levantados que definirão os próximos rumos da investigação, bem como o modelo teórico construído. Compreender os princípios que estavam na base das formas de relação entre a professora e os alunos demandou um grande esforço científico e foi um desafio instigante, pois traziam múltiplos aspectos para análise. Dessa forma, a sistematização escrita do processo construtivo interpretativo foi um processo difícil pela impossibilidade de separar esses aspectos que, na maioria das vezes, estavam bastante articulados. Assim, decidimos apresentar os princípios da relação professora-alunos da turma investigada a partir dos seguintes tópicos: clima da sala de aula; concepção da professora sobre o processo de aprendizagem; encantamento com a infância; alunos como sujeitos protagonistas de seus processos de aprendizagem e desenvolvimento; individualização da relação/olhar para o sujeito; importância da imaginação e emoção no desenvolvimento infantil; envolvimento emocional como base das relações; comunicação com os pais. Ao fazer esta escolha, tínhamos a consciência de que alguns desses tópicos estavam mais relacionados ao sistema de crenças e valores da professora, outros mais relacionados ao desenvolvimento da relação na sala de aula e outros mais relacionados às definições do trabalho pedagógico. Ainda assim, optamos por não fazer tal separação, pois estes aspectos estavam articulados de maneira complexa, constituindo um modo singular de funcionamento da turma.

Consideramos que este fato, que representou uma dificuldade no processo de sistematização, é, simultaneamente, uma contribuição da pesquisa, pois evidencia a multiplicidade de aspectos que constituem a relação professor-aluno e a complexidade desse processo. Dessa forma, não se pode reduzir a análise desse tema a expressões comportamentais de professores e alunos, como já discutido na revisão de literatura. Há que se discutir o tema a

partir de uma representação sistêmica dos processos psicológicos, compreendendo seu caráter processual e dinâmico que se organiza nos indivíduos e nos espaços sociais.

Reconhecendo a complexidade da relação professor-aluno na sala de aula, em seu caráter “desordenado, contraditório, plural, recursivo, singular, indivisível e histórico” (MITJÁNS MARTINEZ, 2005) consideramos que esta pesquisa pôde trazer as seguintes contribuições:

 O desenvolvimento da pesquisa a partir do referencial teórico da teoria da subjetividade numa perspectiva cultural-histórica possibilitou-nos o reconhecimento da dimensão subjetiva que constitui a relação entre professor e alunos e o modo de funcionamento de uma turma. Esta dimensão muitas vezes é negada nas práticas pedagógicas ou reduzida à afetividade considerada de maneira piegas. Reconhecer esta dimensão subjetiva não significa considerar que é mais um elemento que compõe a relação professor-aluno, mas ponderar que a ação pedagógica se concretiza em um conjunto de vivências relacionais e que estas vivências são configuradas de maneira singular em cada sujeito;

 O entendimento de que o professor tem papel central no desenvolvimento da relação com os alunos, por sua intencionalidade e função como organizador do espaço social da sala de aula traz à tona a importância de se discutir a constituição da subjetividade individual dos professores, pois suas escolhas pedagógicas nunca estarão desvinculadas de tal constituição subjetiva;

 A consideração de que, apesar de estar fortemente marcada pela constituição subjetiva do docente, a relação entre professor e alunos é um espaço aberto, de múltiplas possibilidades, impossível de controle e previsibilidade, que pode gerar processos emocionais e simbólicos que retroalimentam as práticas pedagógicas e o próprio desenvolvimento dos processos relacionais;

 O reconhecimento da necessidade de os professores buscarem conhecer a singularidade dos alunos – entendida como realidade subjetiva do outro - criando situações que permitam o acesso a seus posicionamentos, reflexões, dificuldades, emocionalidades, de modo a gerar contextos potencializadores de aprendizagem e desenvolvimento, em que os sujeitos que aprendem se reconheçam no espaço social no qual participam;  A compreensão de que o clima comunicativo-emocional da sala de aula constitui

fortemente a coletividade da turma, onde os alunos irão produzir sentidos subjetivos que implicam no seu envolvimento ativo e emocional com as atividades pedagógicas. A produção de sentidos subjetivos não tem relação direta com o posicionamento da

professora, pois integra aspectos da história de vida dos sujeitos e aspectos dos outros contextos sociais que eles participam, entretanto, a qualidade das relações pedagógicas pode abrir espaço para novos processos de subjetivação que implique no desenvolvimento das crianças;

 A consideração da importância da relação dialógica, entendida para além do diálogo, como a produção de um novo campo de infinitas possibilidades que se alimentam no curso da ação e tem um caráter gerador que implica processos de subjetivação que irão integrar a configuração subjetiva tanto dos alunos, como do professor, além da subjetividade social da sala de aula.

Estas contribuições trazem o desafio de se repensar a escola da maneira como ela está estruturada e organizada, bem como a subjetividade social sobre ensinar e aprender. No contexto da pesquisa, identificamos que a professora conseguia transformar sua sala de aula em um espaço relacional, a partir de um olhar voltado para os sujeitos e da criação constante de recursos relacionais e estratégias próximas às necessidades e especificidades de seus alunos. Entretanto, esta mesma professora reconhece que em turmas mais avançadas seria complicado criar esse contexto relacional, pelas exigências curriculares e pelas exigências dos próprios pais e profissionais da educação. Há que se ampliar a discussão para outros contextos e se avançar propondo mudanças especialmente nos modos de conceber a aprendizagem e a educação, que precisa sim possibilitar a transmissão dos conteúdos culturais, mas mais do que isso, o desenvolvimento das pessoas.

Destacamos, ainda, que a pesquisa pode contribuir para a formação inicial e continuada de professores a partir da conscientização da importância das relações entre professor e alunos para a transformação da sala de aula num espaço de aprendizagem e desenvolvimento. Além de professores, é fundamental que psicólogos escolares também participem desse debate. Ademais, o modo de funcionamento da turma participante da pesquisa nos permite discutir que é possível sim criar um ambiente relacional e participativo, mesmo com as dificuldades estruturais das instituições educativas.

Ainda, consideramos como contribuição o conhecimento da pesquisa por gestores e equipes pedagógicas no sentido de pensar em como práticas criativas e diferenciadas, como a apresentada pela professora Alice, podem tomar mais visibilidade na escola como um todo atingindo uma coletividade, de modo que a própria escola se transforme em contexto de formação continuada.

Para além das contribuições, destacamos que a pesquisa possui também limitações que se relacionam ao próprio objetivo elencado e ao tempo de investigação. Nesta pesquisa investigamos os princípios que estavam na base da relação entre professora e alunos, as estratégias da professora para conhecer seus alunos e aspectos da constituição subjetiva da professora. Devido a esta definição e pelo tempo da pesquisa, não investigamos as maneiras como este contexto relacional eram configuradas subjetivamente pelos alunos da turma. Tivemos algumas situações que possibilitaram o levantamento de indicadores, no entanto não foi possível adentrar neste tema de forma mais densa. Destacamos que tal limitação se relaciona à organização do percurso acadêmico e reconhecemos esse tema como desdobramento e possibilidade de investigações futuras. Nesta perspectiva, indicamos ainda a possibilidade de investigações futuras sobre a relação professor-alunos em contextos de outros níveis de ensino e salientamos a necessidade das próximas investigações superarem o caráter descritivo e buscar bases epistemológicas mais explicativas e contemplem a complexidade do tema.

Por fim, vale destacar a importância do percurso acadêmico que culminou nesta pesquisa para minha constituição como investigadora, além do meu crescimento pessoal, aspectos estes que integram minha constituição subjetiva como docente. A proximidade com uma nova perspectiva epistemológica e o recente contato com a teoria da subjetividade gerou processos desafiadores e de enfrentamento pessoal, especialmente no desenvolvimento de um papel ativo como pesquisadora e estudante. Neste sentido, destacamos a produtividade desse processo de pesquisa por possibilitar o enfrentamento pessoal e a constituição como pesquisadora e profissional.