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O Brasil e a Índia se assemelham, em muitos aspectos, ao nível de desenvolvimento, porém, ao se tratar da Indústria Farmacêutica, percorreram ao longo dos anos trajetórias diferentes, resultando em uma grande disparidade entre esses países neste setor. Um dos principais fatos que levaram a esse cenário foi o Acordo Trips e os prazos estabelecidos para adequação da legislação de propriedade intelectual dos países. O objetivo desta monografia foi verificar as diferenças do desenvolvimento da Indústria Farmacêutica brasileira e indiana e relacionar com as principais razões de terem seguido caminhos distintos.

O Brasil caracteriza-se por ser um dos maiores mercados farmacêuticos do mundo. Em 2001, encontrava-se no quinto lugar no ranking mundial, porém com a presença de líderes multinacionais dominando grande parte deste mercado e tendo as empresas nacionais representando somente cerca de 20%. (BURMESTER, 2008) As empresas estrangeiras e nacionais atuam nos últimos estágios do processo produtivo

(formulação e comercialização), demonstrando a dependência do país no processo de competição, já que a articulação com os outros estágios é fundamental para o desempenho do setor.

É importante ressaltar a presença quase que insignificante das atividades de P&D no Brasil, principalmente quando se compara com o nível internacional. Uma das razões desse fato é a fraca interação da Indústria Farmacêutica com o sistema científico e tecnológico brasileiro, destacando-se a omissão governamental ao não estimular os laboratórios e universidades públicas no desenvolvimento de projetos na área.

Na década de 1960, o Brasil recebeu uma invasão de novos laboratórios e, consequentemente, um ingresso desmedido de “novos” medicamentos. Contudo, a principal fraqueza do país foi não ter investido no desenvolvimento de competências próprias, com o intuito de, a longo prazo, ao menos diminuir a dependência externa no setor, ocorrem certa acomodação das indústrias nacionais que se limitaram a copiar medicamentos, mesmo no período de 1945 a 1996, quando não se reconhecia patentes.

Em 1994, ocorreu a assinatura do Acordo Trips, que estabelecia uma flexibilidade nos artigos 65 e 66 aos países para se adequarem à nova legislação, de forma a conceder prazos de acordo com o seu nível de desenvolvimento. Países desenvolvidos tiveram um ano para a reformulação (1996), enquanto que os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos tiveram, respectivamente, cinco anos (até 2000) e 11 anos (até 2006) para fazê-lo. Além de permitir através do artigo 65 que os países em desenvolvimento poderiam prorrogar até 2005 para conferir proteção aos campos não protegidos anteriormente. A Declaração de Doha foi mais adiante com os países menos desenvolvidos, permitindo a transição até 2016.

O Brasil antecipou o reconhecimento das patentes do setor farmacêutico para o ano de 1997, embora ainda tivesse mais tempo. Tem-se como justificativa para essa decisão, as pressões e sanções feitas pelos EUA. Dessa forma, o país perdeu a oportunidade, ao longo dos anos concedidos, de desenvolver e fortalecer parques industriais para a diminuição da dependência tecnológica.

No entanto, a indústria indiana seguiu uma trajetória diferenciada desde a sua origem. Pelo seu percurso, testemunhou uma “revolução do processo” com a engenharia reversa, aquisição de capacidade tecnológica incentivada por políticas

favoráveis, ocasionando para a indústria uma época de expansão. Atualmente, vive uma fase turbulenta de adaptação e ajustes as recentes reformas.

O ano em destaque para a Indústria Farmacêutica indiana foi o de 1970, a partir da Lei de Patentes. Esta era mais branda que a anterior e permitia apenas patentes do processo para as substâncias químicas, além de reduzir o período das patentes. Porém, essa expansão foi baseada no acúmulo de capacidade tecnológica originária da chamada “revolução de processos” em que as empresas adquiriram conhecimento através da engenharia reversa, que combina as especificações e o projeto do processo original (violando o direito de propriedade intelectual), mas há também os não violadores, o que requerem ainda mais complexidade, pois partem do original para a descoberta de outro caminho.

A indústria indiana é fortemente caracterizada pela fragmentação, devido principalmente à expansão das últimas décadas. Cerca de 250 companhias farmacêuticas controlam 70% do mercado, evidenciando uma forte competição de preços e controle por parte do governo. A lei de patentes na década de 1970 fez com que declinasse a participação das multinacionais de 75% para 35% no mercado. O grande diferencial entre os países (Índia e Brasil) é que neste período a Índia adquiriu competências no desenvolvimento de processos e de produção de fármacos, tendo como resultado as empresas se tornarem fortes no mercado interno, sendo capazes de produzir medicamentos de qualidade a preços baixos (BURMESTER, 2008). Embora exista dúvidas quanto a qualidades destes medicamentos.

Sinteticamente, a Indústria Farmacêutica indiana apresenta custos baixos de P&D; de produção; capacidade científica inovativa; força dos laboratórios nacionais e um comércio internacional crescente, isto tudo devido à alta qualificação da mão de obra, uma estrutura de democracia legal e contínua, além de possuir uma excelente rede de instituições educacionais de alto nível. Tem como principal estratégia da maioria das empresas a exportação de fármacos, devido à favorável política tributária para isenção de alíquotas de exportação. (BURMESTER, 2008)

A Índia não só se posicionou diferente ao Brasil quanto à origem da indústria farmacêutica, mas também quanto à decisão perante o Acordo Trips. Esta optou por assegurar e usufruir os anos concedidos pela flexibilidade dos artigos 65 e 66 do Acordo. Dessa forma utilizando de todo o período para o reconhecimento de

patentes, ocasionou uma maior preparação, em termos de estruturação e fortalecimento do seu parque industrial. Isto vem permitindo ao país exportar medicamentos a preços mais baixos, viabilizando programas de saúde de diversos países. (CHAVES et al., 2007)

Percebe-se que os caminhos seguidos pela Índia não só foram determinantes a partir do Trips, mas desde a sua origem, quando promoveu o fortalecimento da indústria nacional. A busca pelo desenvolvimento de competências internas e tecnologias foram essências para a expansão do setor farmacêutico no país. O Brasil ainda precisa articular para reduzir a dependência externa e conduzir para alcançar o domínio do seu mercado.

REFERÊNCIAS

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ANEXO A

EMPRESAS VENDAS (em US$ milhões)

1. AstraZeneca 1.406,9 2. Roche 1.001,0 3. Laboratório Cristália 589,9 4. Novartis 584,4 5. Medley 424,0 6. B. Braun 314,2 7. Tortuga 312,2 8. EMS S. A. 295,5 9. Neo- Químico 284,8 10. Farmasa 257,5 11. Merck 207,2

12. Bristol- Myers Squibb 197,7

13. União Farmacêutica 165,3

14. Laboratório Teuto Brasileiro 158,9

Quadro 1 – Ranking das 12 maiores empresas farmacêuticas no Brasil, em 2007. FONTE: Portal Revista Exame, 2008.

Principais mercados na indústria farmacêutica (US$ milhões) País 1997 1998 1999 Estados Unidos 101.429 74.095 130.000 Japão 46.887 38.764 53.400 Alemanha 22.122 15.470 18.500 França 18.212 14.165 17.700 Itália 10.580 9.123 11.300 Reino Unido 8.427 8.385 11.000 Espanha 6.019 5.284 6.600 Brasil 8.946 10.310 6.200 China 3.437 ND 6.200 Argentina 3.888 3.557 4.900 México 3.600 3.263 4.000 Índia 3.300 ND 3.400 Total (mundo) 498.869 305.395 324.100

Tabela 1- Principais mercados na indústria farmacêutica (US$ milhões)

FONTE: Internacional Medical Statistics Pharmaceutical World Market Review (1998, 1999, 2000) apud Gadelha, Quental, Castro Fialho, 2003.

Número de princípios ativos pesquisados para introduzir um no mercado 25 10 3 2 Gasto Total ( US$ milhões)

US$ 7,20 US$ 8,90 US$ 23,20 US$ 53,10

Tempo (anos) 1,6 1,5 1,5 2,5

Gastos por Princípio Ativo

US$ 288.000 US$ 890.000 US$ 7,7 milhões US$ 26,6 milhões

Atividades • Pré- Formulação • Formulação • Estudos de Toxicologia • Estudos Analíticos • Estabilidade • Formulação • Desenvolvimento de Processo • Testes Clínicos • Estudos Analíticos • Estabilidade • Formulação • Desenvolvimento de processo • Testes Clínicos • Estudos Analíticos • Estabilidade • Transferência de Tecnologia • Scale-up • Validação de Processo • Testes Clínicos • Estudos Analíticos • Estabilidade Quadro 2- Gastos Envolvidos nas Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento de Novos

Princípios Ativos de Empresas Norte-Americana, 1999 FONTE: Soltero et al (2000) apud Hasenclever, 2002.

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