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3 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: OS CAMINHOS SEGUIDOS

3.2 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA

Uma forte característica da Indústria Farmacêutica brasileira é o domínio das empresas multinacionais. Desde a década de 1970, corresponde a cerca de 80% do mercado nacional, e assim segue o mesmo caminho de concentração do mercado internacional. O Brasil possui um parque industrial de medicamentos bastante desenvolvido na parte da capacidade produtiva dos produtos finais, mas a capacidade é restrita na produção dos insumos farmacêuticos da química fina (fármacos). A produção

é voltada para o mercado interno, portanto o país possui níveis baixos de exportações. (GADELHA; QUENTAL; CASTRO FIALHO, 2003)

A restrição na produção dos insumos farmacêuticos da química fina significa dizer que o país possui baixos investimentos em atividades de P&D tecnológicos. Na grande maioria, as empresas existentes no país limitam-se a formular e embalar medicamentos.

O principal fator, para a atual e histórica posição, de baixo nível de desenvolvimento da Indústria Farmacêutica brasileira é a dependência internacional da mais importante matéria-prima: o fármaco. A maior parte é de origem importada, o que torna a indústria brasileira distante das principais referências de indústria. Esta situação foi ainda mais grave com a abertura do mercado nos anos 90 do século passado, quando se observou um aumento considerável nas importações de fármacos. (HASENCLEVER, 2002)

Toda a década de 90 foi marcada pela redução generalizada das alíquotas de importação das diferentes fases produtivas. Juntamente com isto, em 1994 houve a liberação do controle de preços e finalmente em 1997, a nova legislação sobre as patentes. Essas medidas resultaram em aumento das importações, diminuição da demanda pela produção interna e das margens de lucros das empresas nacionais, e elevação dos preços das matérias-primas químicas básicas. Segundo o levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2000, no período de 1989 a 1999 foram paralisadas 407 linhas de fabricação de produtos farmoquímicos, produtores de princípios ativos, e 110 projetos de investimento nesta área não foram implementados, causando uma desestruturação do setor. (ABIFINA, 2003 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006)

Outro dado importante resultado dos anos 90 do século XX foi a falta de planejamento estratégico nacional, podendo-se citar que das sete unidades produtivas de antibióticos (medicamento fundamental no setor para uma nação) existentes no Brasil por dez anos, apenas uma estava em operação em 2006. (ABIFINA, 2003 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006)

De acordo com o Gráfico 1, abaixo, pode-se inferir que provavelmente as empresas locais tenham investido menos em P&D, devido à facilidade encontrada na

importação do medicamento “pronto”, diante do crescimento contínuo das importações ao longo dos anos. (FARDELONE; BRANCHI, 2006)

0 500000000 1000000000 1500000000 2000000000 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Exportação Im portação

Gráfico 1 – Evolução das exportações e importações do setor farmacêutico – Brasil 1994- 2004

Fonte: MDIC/Febrafarma (2005 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006)

De acordo com Fardelone e Branchi (2006), os medicamentos comercializados no país em sua grande maioria tratam de produtos com patentes expiradas. Ou seja, os fármacos referentes a esses remédios poderiam ser fabricados no país, evitando a importação. Porém a complexidade do processo, a demanda por equipamentos específicos e o padrão técnico rígido de fabricação dificultam o desenvolvimento da indústria farmacêutica no país. Se analisarmos outros países, como a Índia e a China, que há muitos anos já exportam fármacos e não são dependentes do exterior, percebe-se a promoção de fortes incentivos e políticas industriais no setor (ANEXO A).

A questão do Brasil é a “[...] carência de uma política industrial que amenize problemas como a dificuldade de acesso a incentivos direcionados ao investimento em inovação e tecnologia de empresas brasileiras”, o que acaba gerando desestímulo por parte da produção local e dos possíveis novos investidores. (ABIFINA, 2003 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006, p. 147)

O Brasil, assim como outros países do mundo, vem discutindo sobre a questão do papel do Estado como executor e produtor no segmento saúde. Supõe-se que geraria uma maior eficiência no uso dos recursos públicos, o Estado ficar restrito às atividades de supervisão e à fiscalização de políticas públicas, todavia há um peso maior ao se falar de saúde, que é essencial para a população e por isso a sociedade necessita do aval e garantia do Estado, como forma de conforto emocional. (MORTELLA, 2006)

Em meados da referida década, foram criadas agências reguladoras como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Os órgãos objetivavam ampliar a eficiência do setor, porém não obtiveram total êxito, devido à ligação política com o governo. (MORTELLA, 2006)

Podem-se citar questões que precisam ser enfrentadas no intuito de eliminar os entraves que retardam o desenvolvimento da Indústria Farmacêutica no Brasil, a saber: a necessidade de padronizar e garantir a segurança dos dados confidenciais das empresas depositados na ANVISA; carência de profissionais especializados para a análise adequada dos estudos de bioequivalência e biodisponibilidade; a morosidade nas análises a cargo do órgão regulador, que acarreta o rápido acesso da população a novas substâncias, dentre outras. (MORTELLA, 2006)

Outro fator que prejudica o desenvolvimento da indústria no Brasil é a alta carga tributária que incide nos medicamentos. Os que estão imediatamente ligados à Indústria Farmacêutica referem-se aos tributos indiretos, como o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS) e as contribuições do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Confins). De acordo com a teoria os tributos indiretos podem ou não serem repassados ao consumidor, pois estes dependem das propriedades da demanda e da oferta de medicamentos e da estrutura do mercado. Portanto seguem dados que comprovam o alto repasse para os consumidores. (MORTELLA, 2006)

0 10 20 30 40 50 60 70

Indústria da Borracha Indústria de Laticinios Indústria Farmacêutica Automóveis

Gráfico 2 – Carga Tributária total sobre valor agregado (em %) Brasil- 2003

Segundo Mortella (2006) a Constituição Federal estabelece que os produtos devem ser tributados de acordo com a essencialidade do bem. Mas, na prática, a coerência não é mantida, de forma que se encontra em São Paulo, por exemplo, a alíquota de ICMS sobre medicamentos de 18%, enquanto a que incide sobre diamantes é de 1,5% e automóveis de 12%. (MORTELLA, 2006) O Gráfico 3 demonstra a carga tributária total sobre medicamentos que é equivalente a 35,07%.

37,07% outros

Gráfico 3 – Indústria Farmacêutica, carga tributária sobre o preço final dos medicamentos. Brasil – média 2000-2004.

Fonte: Amaral (2006 apud MORTELLA, 2006)

Além da elevada carga tributária do país, as taxas de juros para o financiamento de investimentos e para o capital de giro também são bastantes superiores comparadas ao mercado externo, gerando a inviabilidade dos negócios em virtude do pequeno porte da maioria das empresas nacionais. (FARDELONE; BRANCHI, 2006)

Conforme foi visto no Capítulo 2, em 1995 o Acordo Trips entrou em vigor, e o Congresso Nacional aprovou os termos do tratado de forma a se enquadrar nas exigências da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o Brasil, por ser um país em desenvolvimento, tinha direito a um período de transição e adaptação à nova regulamentação, até o ano 2000 e com um prazo adicional até 2005. Os países centrais pressionaram a adesão imediata ao Acordo Trips. O Brasil já vinha sofrendo medidas comerciais repressivas dos Estados Unidos quanto ao não patenteamento de produtos e processos farmacêuticos. Em virtude desse cenário, o país se viu obrigado a antecipar a adesão ao Acordo, fazendo-o em 1996, aprovando para maio de 1997 a Lei da

Propriedade Industrial, que permitiu a concessão de patentes no setor farmacêutico. (MEINERS, 2008)

A consequência direta dessa rápida adesão ao Acordo foi a perda do período de transição disposto, que podia significar um aprimoramento e desenvolvimento industrial nacional, possibilitando o fortalecimento de parques industriais locais, o que permitiria a diminuição da dependência tecnológica e econômica dos países centrais. (CHAVES et al., 2007) O Congresso Nacional, ao aprovar a lei, acreditava ser uma fonte de grandes investimentos para o desenvolvimento tecnológico e industrial do país, porém esta só aumentou a distância tecnológica nacional em relação ao estrangeiro.

Segundo Mortalle (2006), um agravante no processo de patente no Brasil é o elevado grau de complexidade funcional-burocrática do exame de pedidos do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), que regula os procedimentos relativos ao registro de patentes. O atual procedimento é lento e não oferece agilidade, no sentido de dar certeza ao inovador sobre andamentos e prazos, o que prejudica o processo de inovação no país.

No Brasil pode-se encontrar, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), que objetiva financiar os investimentos de empresas sediadas no país, inseridas no Complexo Industrial da Saúde, através dos seguintes subprogramas:

a) BNDES Profarma – Produção, b) BNDES Profarma – Exportação; c) BNDES Profarma – Inovação; d) BNDES Profarma – Reestruturação;

e) BNDES Profarma – Produtores Públicos. (MORTALLE, 2006) Mais uma vez o processo burocrático acaba impedindo as empresas de menor porte a ter acesso ao programa.

A indústria de genéricos surgiu na década de 1960 nos Estados Unidos, mas somente em 1999, com a promulgação da Lei nº 9.787, foi instituída a política de

Medicamentos Genéricos no Brasil. Até aquela data havia apenas dois tipos de medicamentos a serem adquiridos no Brasil: o medicamento decorrente de pesquisa e desenvolvimento (P&D), lançado no mercado como originalmente novo, e os medicamentos, ditos “similares”, aqueles que são cópias dos medicamentos inovadores, pois os princípios ativos, forma e concentração dos mesmos são iguais.

Porém, com o intuito de reduzir os custos para a população e ao mesmo tempo averiguar se estes irão prover-se de medicamentos de qualidade foi estabelecida a Lei nº 9.787. Esta lei veio acompanhada de uma forte preocupação da equivalência farmacêutica com os medicamentos de referências. Por isso, são realizados testes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária que evidenciam e asseguram o mesmo. (GADELHA, 2003)

A principal característica dos medicamentos genéricos são os preços mais baixos do que os dos seus inovadores. Isto se deve ao fato dos medicamentos genéricos serem provenientes dos seus originais, que, portanto, passaram por etapas no processo de produção e comercialização, como P&D e marketing, as quais são consideradas as mais custosas em toda a cadeia produtiva de um medicamento. Com isso, faz-se uma grande economia ao lançar no mercado o medicamento genérico já devidamente pesquisado e divulgado. (QUENTAL et al., 2008)

O texto de Borsato (2009) para a revista Veja, mostra que até 2011, 23 patentes no país irão expirar, sendo dez delas de remédios líderes de vendas, o que causará uma grande reviravolta na indústria de medicamentos genéricos do país. Os números ajudam a dar dimensão à nova fase do mercado, por exemplo, o Viagra e o Lípitor, que estão entre os cinco mais vendidos no Brasil, representaram um faturamento de 1,5 bilhão de reais em 2008. A estimativa é que os genéricos passem de 18% dos remédios consumidos do país para 30%, a partir do vencimento dessas patentes. Isso se deve ao fato da história da indústria farmacêutica, em que a cada patente vencida, as cópias que chegam às farmácias tendem a vender o dobro ou triplo do remédio original. Há também, uma corrida para ser o primeiro genérico a chegar às prateleiras, e por isso muitos genéricos já estão prontos sem ao menos a patente ter expirado; a razão para isso é que o primeiro genérico a chegar às prateleiras se torna a marca líder do mercado, devido à alta taxa de fidelidade entre os consumidores neste setor.

No Brasil, as empresas nacionais dominam o mercado local com ampla vantagem, representando cerca de 85% das vendas. Os outros 15% ficam divididos entra a suíça Novartis e uma dezena de companhias indianas (BORSATO, 2009), uma vez que copiar é infinitamente mais fácil e menos dispendioso do que descobrir um medicamento inovador, o mercado de medicamentos genéricos sempre foi indicado para os países em desenvolvimento como busca para o progresso, em razão do forte crescimento e custos reduzidos do segmento.

Por fim, uma característica interessante da Indústria Farmacêutica brasileira é a existência de laboratórios oficiais. Atualmente, estão registrados 20 laboratórios na Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (ALFOB). A produção é voltada para o atendimento aos programas do Ministério da Saúde (MS) e das Secretárias de Saúde. A principal meta desses laboratórios é atender aos programas do governo através da promoção de medicamentos de baixo custo para a população de baixa renda.

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