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3 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: OS CAMINHOS SEGUIDOS

3.3 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA INDIANA

A Índia é um país em desenvolvimento assim como o Brasil, porém detentor de números surpreendentes no cenário econômico da Indústria Farmacêutica, ocupando uma posição importante tanto nacional quanto internacionalmente. Na classificação dos países do mundo produtores de medicamentos em termos de valor, a Índia está em 130 e em termos de volume em 40, além da participação de 8% na produção farmacêutica global. (RAY, 2008)

Internamente na Índia, a Indústria Farmacêutica é considerada como uma das mais inovativas dentre as indústrias manufatureiras. Existem três pilares no sistema de inovação da indústria indiana: políticas públicas ativas, institutos de pesquisa governamentais de excelência e um setor privado forte em capital nacional que investe em inovação. O mercado indiano, ao contrário do brasileiro, tem sua maioria em empresas nacionais, com cerca de 10 mil empresas, correspondendo a 75% do mercado. A Índia é responsável por cerca de 20% da produção mundial de medicamentos genéricos e responde a 97% do mercado nacional destes medicamentos. (MANI, 2006 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008)

O crescimento da Indústria Farmacêutica indiana é espantoso, saiu de aproximadamente 2,1 milhões de dólares (valor da produção) em 1947 para um pouco mais de 1 bilhão de dólares em 1990, até alcançar 10 bilhões dólares, atualmente. Mas a sua origem, entre 1950 e 1960, foi marcada por um amplo domínio de firmas estrangeiras, com os medicamentos custando entre os mais altos do mundo. (RELATÓRIO DO COMITÊ KAFEVEUR DE 1962 apud RAY, 2008)

Porém a década de 1970 veio para mudar este cenário e ficar marcada na história indiana como o início de uma nova era. Diversos fatos e medidas governamentais ocorreram, no intuito do crescimento do setor e disponibilizar medicamentos com preços mais acessíveis à população. Entre 1970 e 1979, implantou- se a Ordem de Controle de Preço de Medicamentos (DPCO), em 1973 a Lei de Regulação e de Câmbio Estrangeiro (FERA), em 1978 a Nova Política de Medicamentos e a mais importante, em 1970 a Lei de Patentes. (RAY, 2008)

Em comparação com a lei inicial de patentes, que conferia proteção de patente de produto e processo por um período de dez anos (prorrogáveis por outros seis), o que acarretou em um impedimento à criação de capacidade tecnológica nativa, especialmente pela engenharia reversa. A lei de patentes de 1970 assegurava somente a patente de processo para as substâncias químicas, reduzindo sua duração para sete anos, a partir da data do protocolo ou apenas cinco a partir da data da selagem. Excluía todas as substâncias importadas do domínio da proteção de patentes, ou seja, somente as substâncias fabricadas na Índia tinham direito de proteção. (RAY, 2008)

A DPCO era responsável por verificar o contínuo aumento dos preços de medicamentos na Índia: foram criadas normas rígidas e severas definidoras de preços. A FERA tinha como objetivo regular e restringir a atuação das empresas estrangeiras no país para proteger e desenvolver capacidades industriais nativas. (RAY, 2008)

Para complementar esta fase vivida pela Índia, em 1978 foi lançado a Política de Medicamentos, que tinha objetivos em três esferas: autoconfiança na tecnologia farmacêutica, autossuficiência na produção de medicamentos e disponibilidade fácil e barata de medicamentos. (RAY, 2008) Conclui-se que a política adotada na época tinha como ênfase a substituição das importações e incentivo ao desenvolvimento da indústria nacional.

Fardelone e Branchi (2006) citam o exemplo da Ranbaxy, fundada em 1961 na Índia, que participou das fortes políticas de incentivos praticadas na época. A empresa investiu em qualidade e boas práticas de fabricação em suas plantas atendendo às requisições das normas e regulamentos internacionais do que resultou um crescimento anual da ordem de 40%, alcançando em 2002 um faturamento de US$ 789 milhões.

Como a nova ordem na Índia era a busca pelo desenvolvimento de tecnologia no âmbito nacional, o país acabou embarcando em uma nova “onda” de aprendizagem, a da engenharia reversa, “[...] que essencialmente implica a decodificação de um processo original para a produção de um medicamento em grande quantidade.” (RAY, 2008, p. 75) O que permitiu desenvolver capacidade tecnológica para a indústria indiana, e esse fenômeno ficou conhecido como revolução do processo

na indústria indiana. Em consequência disso, a indústria de medicamentos de grande

volume cresceu a uma taxa de 21% e 11% nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente. (RAY, 2008)

Esse período impulsionou o crescimento contínuo da indústria indiana. Foi através da cópia de medicamentos e, portanto do setor de genéricos, que a Índia é atualmente o principal produtor no mercado internacional, seguido pelos Estados Unidos e Israel. (BORSATO, 2009)

De acordo com Ray (2008), no entanto, todo esse ambiente ocasionou uma nova estrutura de mercado. Por um lado, tinha-se um número limitado de grandes unidades, por outro, um número muito grande de pequenos produtores, cada um produzindo uma fração microscópica do total de vendas produzidas na indústria, o que acarretava numa grande variação de qualidade e preço de um medicamento no mercado. Havia uma falta de regulamentos de qualidade e mecanismos de controle, resultando em medicamentos ineficazes e inferiores ao ideal.

Entre as décadas de 1980 e 1990, a Índia passou por um período de reformas econômicas, sendo incluída no processo internacional que a OMC estava promovendo. A nova ordem global tinha o intuito de efetuar o livre comércio e a retirada das “distorções da política” em todas as dimensões da atividade econômica de um país. Este processo de reformas se iniciou com as reformas comerciais, que procuravam reduzir e

eliminar todas as formas de restrições comerciais, como tarifas, licenças de importação e exportação, restrições quantitativas e outras barreiras não-tarifárias. (RAY, 2008)

O Acordo Trips somente em 2005 foi instaurado na Índia, quando expirava o prazo que os países em desenvolvimento dispunham para o ajustamento à nova regulamentação. Isto porque a Índia, diferente do Brasil, utilizou todo o seu período de transição para o reconhecimento de patentes, diferença que fez o país ficar em vantagem, pois fortaleceu o parque industrial, capacitando-o para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. A Índia, ao longo desses anos, ganhou mercado e contribuiu com programas de saúde de diversos países, porque exportava medicamentos a preços mais baixos do que os praticados pelos grandes laboratórios. (CHAVES et al., 2007)

A partir desse período de reformas e, principalmente, da expiração do prazo de reconhecimento de patentes do Acordo, a Indústria Farmacêutica indiana vive uma fase de ajustes e mudanças para estruturar o setor neste novo cenário de dificuldades e novos caminhos a seguir.

O Quadro 2, aponta as vantagens e desvantagens da indústria indiana com o sistema legal e a burocracia do país, em aspectos negativos. O registro de um medicamento pode levar até 18 meses. Os testes clínicos são feitos em hospitais públicos, o que provoca um processo de aprovação ainda mais lento. Apesar da adesão ao Trips, a Índia ainda é vista com ponderação pelos investidores externos, devido à nova lei não se aplicar a medicamentos patenteados antes de 1995. Mesmo as cópias de medicamentos patenteadas posteriormente, provavelmente não serão retiradas de circulação. As debilidades do país no que tange ao sistema local e à falta de estrutura de fiscalização, fazem crer a incapacidade da plena aplicação da nova lei pelo país. A Índia tem falta de rodovias pavimentadas, sofre de frequentes cortes no abastecimento de energia elétrica e de água, além de problemas nos portos e ferrovias. (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008)

VANTAGENS DESVANTAGENS

- Potencial de crescimento econômico e inclusão social

- Sistema legal extremamente complexo e elevado nível de burocracia

- Sistema educacional avançado, combinado com a segunda maior população de língua inglesa no

mundo

- Potencial para expansão dos medicamentos de marca, diante do atual domínio dos genéricos

- Infraestrutura precária

- Sistema de ponta na área de TI - Colocação desfavorável no índice de percepção de corrupção da Transparency International

Quadro 2 – Principais vantagens e desvantagens da indústria indiana

Fonte: Adaptado PricewaterhouseCoopers (2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008)

O principal desafio diante do regime de patentes do Acordo Trips é o fato da estratégia de crescimento da indústria ser baseada na engenharia reversa de medicamentos patenteados, a qual não mais poderá ser utilizada. Porém, a realização com os medicamentos sem patente poderá continuar, permitindo a engenharia reversa atuar no mercado de medicamentos genéricos. Com o know-how adquirido durante anos de prática e parques industriais devidamente instalados e capacitados, não é surpresa encontrar a Índia, hoje, na dianteira do setor de genéricos. Uma informação importante é o fato da Índia participar de todas as etapas da cadeia de produção dos medicamentos genéricos, desde a produção da matéria-prima até a transformação em comprimidos.

O Quadro 3 apresenta forças e fraquezas da indústria indiana para esta fase que vem sendo vivenciada desde 2005.

Forças Fraquezas

Crescimento dos investimentos internos na indústria farmacêutica

- US$ 380 milhões em 2004, tanto público como privado, com taxas de crescimento anual de 53% desde 2001

Mercado farmacêutico interno - US$ 5 bilhões, com taxas de crescimento anual de cerca de 13% (alta participação de genéricos, preços baixos em medicamentos de marca)

Capacitações em P&D - Forte capacitação em química básica, gerenciamento de dados e testes clínicos

- Crescente fortalecimento em química e testes pré- clínicos

Fatores de risco em P&D - Infraestrutura ímpar

- Barreiras regulatórias no que se refere a animais geneticamente modificados e à importação de tecidos humanos e outros materiais biológicos - Baixa a média vulnerabilidade em direitos de propriedade intelectual

- Início de restrições quanto à capacidade de testes clínicos

Quadro 3 – Índia: principais forças e fraquezas da indústria farmacêutica.

Outra questão a ser ponderada pelos indianos é a qualidade dos medicamentos. Diante do crescimento da competitividade do setor, a tendência é a exigência de normas e regulamentos mais rígidos. Este será um parâmetro de força na busca de medicamentos eficazes e seguros dessa nova geração. (RAY, 2008)

Mas, sem dúvida, o grande desafio da indústria indiana para manter uma trajetória de crescimento é entrar na corrida da inovação em busca dos medicamentos inovadores, através dos avanços e investimentos em P&D.

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