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TEÓRICOS E CONCEITUAIS 41 2.1 Sobre o desenvolvimento e problemas relacionados

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de desenvolvimento rural no Brasil incorporou, nas décadas recentes, novas dimensões que não dão conta somente de questões produtivas. O olhar público sobre o espaço rural foi se modificando no sentido de aceitar que naquele espaço não se faz apenas agricultura. As ações do Estado no sentido de promover o desenvolvimento e os processos de organização espacial, exigem a incorporação de variáveis como a questão ambiental e o reconhecimento de segmentos sociais que tem no espaço rural, muito mais que um local de produção agrícola, mas um espaço de moradia, e de relações sociais que não estão somente na esfera produtiva.

Avaliar as ações sobre este espaço implica conhecer a história do desenvolvimento brasileiro para o rural. Focando o olhar em um território específico, o Meio Oeste Contestado em Santa Catarina, conforme delimitado pela política de desenvolvimento territorial coordenada pelo Governo brasileiro, buscou-se no presente trabalho verificar de que forma a política vem sendo executada, quais os principais desafios enfrentados, os principais gargalos e também que avanços já podem ser percebidos.

O presente trabalho se apoia em uma perspectiva teórica que reconhece a possibilidade de soluções abertas para problemas relacionados ao desenvolvimento. Dois conceitos assumiram papel central no debate aqui proposto: desenvolvimento, que foi entendido como um processo de eliminação de privações e ampliação das oportunidades dos indivíduos e; o território, cuja conceituação não se limitou apenas a aspectos da delimitação física. O território é multidimensional e assim também é o desenvolvimento territorial.

A política pública que nos propomos a analisar, o “Programa Territórios da Cidadania” está apoiado em uma abordagem territorial e a forma como o trabalho foi organizado permitiu reunir aspectos teóricos e da observação empírica, para suportar a avaliação da política que adota o enfoque territorial, objeto do estudo. O trânsito por diferentes disciplinas das ciências sociais e humanas se faz necessário, considerando que os objetivos do estudo versaram sobre temas de maior complexidade, como o caso do debate sobre o desenvolvimento em si, mas também o estudo da pobreza e da forma de ocupação do espaço.

Dentre os principais aspectos que puderam ser observados no território em questão, destacamos elementos que, por um lado, chamaram mais a atenção frente às questões de pesquisa e hipóteses

levantadas, mas que também indicam a necessidade de aprofundamento dos conhecimentos e mesmo novas agendas para a pesquisa.

1 – Há que considerar que houve um processo de evolução significativo nas políticas públicas para o desenvolvimento do espaço rural, com a incorporação de dimensões que vão além dos estímulos ao aumento da produção e produtividade agrícolas. Ao longo das últimas duas décadas e meia, setores da sociedade, historicamente excluídos dessas políticas passaram a ser, gradativamente beneficiados, como é o caso de assentados em programas oficiais de reforma agrária, agricultores familiares e comunidades tradicionais (Quilombolas, indígenas e outras). Mais recentemente novas concepções quanto à forma de gestão das políticas, definição de prioridades, com a participação de atores locais neste processo e escala de intervenção diferente da municipal ou estadual – com tendência a privilegiar territórios formados por grupos de municípios – fazem parte da formatação dessas políticas.

A incorporação, também recente, dos objetivos de superação da pobreza na agenda pública é outra marca importante das políticas em curso. Inovações importantes já trazem resultados não negligenciáveis. Muitas das políticas ainda são tímidas, ou carecem de maior ousadia na sua implementação, a exemplo dos programas de compra governamental que ainda tem muito a avançar, sobre a oferta de produtos dos agricultores familiares. Os principais entraves das políticas, porém, estão em questões de ordem estrutural, caso da ainda pouca prática dos municípios em ações conjuntas, em escala territorial, o capital humano ainda assente em dificuldades de gestão das políticas e mesmo dificuldades relacionadas à própria compreensão de como deveria se dar um processo de desenvolvimento territorial.

2 – No caso específico do território Meio Oeste Contestado, onde focamos nossos estudos de campo e buscamos observar a evolução das políticas de desenvolvimento, foi possível identificar diferenças importantes entre os municípios que compõe o território. No processo de formação duas características foram definidas, com nítida separação entre dois grupos de municípios. Parte dos municípios é caracterizada por estrutura agrária mais concentrada, menor densidade populacional, atividade econômica mais ligada às atividades primárias e uma conjuntura de mais intenso conflito, este entre grandes proprietários e trabalhadores sem-terra – que explica a expressiva presença de assentamentos rurais em alguns destes municípios - e de grileiros em terras indígenas, com grandes áreas em processo de demarcação como

reserva indígena. Já outro grupo de municípios do território apresenta maior presença de atividades industriais e de serviços, além de uma agricultura de base familiar mais expressiva. Duas cidades se destacam como centros de serviços e de certa forma polarizam as duas microrregiões que formam o território: Joaçaba e Xanxerê.

3 – O menor dinamismo econômico e mais baixo desenvolvimento social e econômico é também característica de parte dos municípios que compõe o território, como foi possível observar nos dados. Esta característica pode ser especialmente observada quando analisados os dados do IDHM, que indicam elevada desigualdade entre os municípios que formam o território.

4 – especificamente com relação ao funcionamento da política no território, três aspectos foram priorizados neste trabalho:

O primeiro foi a gestão da política e a análise da escala definida pela mesma. Ademais as diferenças entre os municípios, estruturas com atuação territorializada já existentes na região não foram consideradas, quando da delimitação do território. Chegou-se a uma formação que agrupou duas associações de municípios, já com uma história de atuação em suas áreas de abrangência, mas também que engloba duas Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), estruturas do governo do estado cuja presença nos espaços de gestão da política federal é quase nula.

Com relação à gestão da política, os problemas passam pelo próprio ciclo da política, interrompido em 2011 e sendo retomado desde 2013. Este ciclo da política está muito dependente da elaboração, por parte do governo federal, da matriz de ação do programa. Esta matriz, por sua vez, reúne uma infinidade de programas e políticas, uma cesta de ofertas de 22 ministérios com políticas já existentes no âmbito dos ministérios. Nada garante que estes programas deixariam de chegar aos municípios, caso não fossem membros do PTC. Neste sentido, a contribuição desta política para o processo de desenvolvimento do Meio Oeste não está clara.

Outro aspecto destacado refere-se ao modo de operação e composição do colegiado territorial. A hegemonia dos setores organizados ligados à agricultura familiar e assentamentos rurais é uma das características do CODETER. Esta característica puxa o debate para a esfera de interesses destes setores, excluindo ou imprimindo menor importância à atuação de outros segmentos das sociedades locais.

A característica setorial que a política com enfoque territorial ainda carrega foi outro aspecto a que nos atentamos. O discurso dos

membros do colegiado e do próprio MDA se vincula diretamente com a agricultura familiar. E não poderia ser diferente. Ocorre que, especialmente depois de ter sido inserido no PTC, o que se esperava é que houvesse, como orienta a própria política, um alargamento quanto à participação de atores oriundos de diferentes setores da sociedade local, que os espaços de concertação da política pudessem reunir a diversidade dos atores do território com o objetivo de encontrar soluções também diversas para os problemas do território. A institucionalidade que sustenta o PTC é frágil e carece de um instrumento de planejamento que alcance a totalidade do território. Estes aspectos indicam limites importantes na política, com a criação de um ambiente onde as relações entre os atores é restrita e mesmo a criação de oportunidades gira em torno das possibilidades oferecidas pelo governo a um setor específico da sociedade.

Além disso, o movimento de articulação dos atores do território ficou limitado, na medida em que órgãos do governo estadual, especialmente as SDRs, pouco se envolveram com a política, muitas prefeituras ou não participam ou o fazem de forma pouco qualificada e as entidades da sociedade civil que se dispõe a fazer a gestão da política, até o momento, são as ligadas aos agricultores familiares, não incorporando, portanto, um conjunto de outras representações, como as indígenas, associações comunitárias, empresariais e outras entidades menos ligadas ao rural.

Por fim buscamos, de forma sintética, verificar em que medida as ações do PTC realmente se destinaram a famílias mais pobres. O que se verificou foi que, primeiro, os projetos discutidos no âmbito do CODETER, especialmente os relacionados a recursos do PRONAT, tem sido destinados a atender demandas que não necessariamente alcançam os mais pobres. São na maioria dos casos ações pontuais que chegam efetivamente a pequenos grupos, já com condições mínimas para implementar os projetos e caracterizados pela atuação organizada em sindicatos e movimento sociais do território. O que resta a diferentes segmentos empobrecidos da sociedade local é certa invisibilidade frente à execução da política.

Criou-se, porém, um importante espaço de diálogo sobre importantes temas de interesse da sociedade local, especialmente no que se refere a grupos mais organizados, destaque para entidades que representam agricultores familiares. Embora sejam latentes os limites que ainda apresenta a política, a existência de um espaço de concertação que, embora careça de reestruturação e fortalecimento na sua capacidade

de articular forças do território, já acumula a experiência de diálogo em torno de temas importantes para o fortalecimento dos atores locais. Projetos com o objetivo de fortalecer os sistemas produtivos locais foram implementados, com recursos e amplitude limitados, é verdade, mas já são resultados da política.

Os maiores desafios, talvez estejam no aspecto do aperfeiçoamento institucional que se exige para fazer deslanchar as políticas com enfoque territorial. Este aperfeiçoamento institucional necessita de um processo de planejamento e do diálogo, a interação densa e continuada entre os mais diferentes atores do território. Na medida em que ainda não foi possível avançar nesta direção, a hipótese geral deste trabalho pode ser confirmada. Ou seja, as políticas que adotam a abordagem territorial no Brasil ainda se deparam com problemas relacionados com a dificuldade de ir além das políticas de corte setorial, muitas vezes restritas, e com eficiência e eficácia duvidosas.

Da mesma forma, por mais que se verifique uma crescente na possibilidade de participação dos atores locais nas decisões sobre a implementação das políticas, estes ainda enfrentam dificuldades na gestão das políticas e mesmo na gestão dos recursos do território. Ainda não encontraram a convergência necessária para solucionar os principais problemas comuns. Para além destes aspectos, um conjunto de limites ainda deve ser superado nas relações interinstitucionais e entre as diferentes esferas do poder público.

Não foi nossa pretensão encontrar os caminhos para o aperfeiçoamento da política de desenvolvimento rural que adota a abordagem territorial. Descrevemos processos e buscamos identificar limites que merecem atenção nos espaços de avaliação da política. Se essas reflexões significarem uma contribuição para o aprimoramento da política, então poderão servir de base ao aprofundamento dos estudos sobre o tema, já que essas políticas são de criação recente e seus reais resultados ainda não podem ser dimensionados. Os problemas que enfrenta, porém, devem ser destacados para eventuais correções e mudanças de rumo.