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Em meados do século XX, após as duas grandes guerras mundiais e as inúmeras mortes ou mutilações decorrentes destas, a questão da deficiência passou a ser tratada sob um viés humanitário. Documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, e outros que surgiram em decorrência dele dispuseram que todas as pessoas, e nestas se incluem as pessoas com deficiência, fossem tratadas como iguais, em dignidade e direitos, sendo vedada qualquer forma de discriminação. A Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada respeitando e incluindo muitos dos preceitos constantes da aludida declaração.

No ano de 2008 o Congresso Nacional Brasileiro, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008 aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado no ano anterior na cidade de Nova Iorque pelos Estados-Partes, o qual obedeceu ao quórum do §3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, adquirindo, portanto, a hierarquia de emenda constitucional.

O conceito de pessoa com deficiência, trazido pela Convenção reforça a adoção do modelo social quanto ao tratamento jurídico conferido a elas. Ainda no artigo 1º diz-se que “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Portanto, a não participação da pessoa com deficiência em sociedade deixou de ser colocada como consequência de sua condição e passou a ser resultado da carência de meios de acesso e excesso de barreiras impostos pela própria sociedade.

A mencionada convenção orientou o legislador na criação de leis ordinárias capazes de tornar mais ampla e eficaz a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, como é o caso da Lei nº 13.146 de 2015, denominada “Estatuto da Pessoa com Deficiência”.

A Lei Brasileira de Inclusão modificou a redação do artigo 3º do Código Civil Brasileiro de 2002, retirando as pessoas com deficiência do rol dos absolutamente incapazes e incluiu no artigo 4º do CCB/2002, que trata das incapacidades relativas, o inciso III, o qual define como relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, do que se extrai que, em regra, as pessoas com deficiência são consideradas plenamente capazes à prática dos atos da vida civil, sendo submetidas ao instituto da curatela, previsto no artigo 1767 do Código Civil somente através de sentença proferida em ação específica, a ação de curatela.

No que tange ao direito fundamental ao trabalho, o legislador aborda indiretamente outros direitos fundamentais necessários para a efetividade do mesmo, como, por exemplo, o direito a um ambiente de trabalho acessível (artigo 34, § 1º) e o direito à educação, ao garantir que sejam oferecidos à pessoa com deficiência cursos, treinamentos e educação continuada (artigo 34, § 4º). O Relatório Mundial sobre a Deficiência (OMS, online, 2011), inclusive, aponta a falta de acesso, seja à informação ou ao meio físico como algumas das barreiras à entrada da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Muito se discute atualmente outras possibilidades para a inclusão massiva das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. No atual panorama de globalização, com a sociedade cada vez mais informatizada, uma modalidade de prestação laboral vem se mostrando como uma opção ao trabalhador com deficiência, o teletrabalho, o qual se caracteriza pela prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Ocorre que, o teletrabalho, da forma como está previsto no ordenamento jurídico brasileiro possui alguns aspectos passíveis de críticas pela doutrina justrabalhista, como por exemplo: a inclusão desses trabalhadores no rol de empregados não submetidos ao controle de jornada, mesmo que seja possível a realização desse controle; isolamento social da família, quando estão submetidos a jornadas exaustivas, bem como dos demais colegas de trabalho; eliminação da carreira ou da possibilidade de promoção e distanciamento da proteção sindical e administrativa, entre outros.

Resta então a reflexão se a aludida modalidade de prestação laboral é de fato benéfica à pessoa com deficiência. No que se refere às questões relacionadas à acessibilidade e à redução de barreiras ela se mostra uma alternativa bastante válida, de modo que proporciona ao trabalhador prestar o serviço onde lhe parece mais cômodo. Todavia, os aspectos referentes à jornada laboral, interação social com os colegas de trabalho e questões atinentes à higiene e segurança do trabalho podem ser apontados como pontos negativos do teletrabalho.

Por fim, analisando o teletrabalho sob o prisma da promoção de inclusão social, a partir da perspectiva do valor social do trabalho, pelo qual o indivíduo busca a melhoria de sua condição social por meio do labor, a ocupação de vagas de teletrabalho por pessoas com deficiência dá sinais positivos no sentido de conferir a essas pessoas o reconhecimento social pelo trabalho, retirando o estigma caritativo e assistencialista que historicamente lhes foi dado, materializando o viés inclusivo consagrado pelo Texto Constitucional.

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