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O teletrabalho como mecanismo de inclusão social da pessoa com deficiência

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

CLARA ALMEIDA DE MOURA

O TELETRABALHO COMO MECANISMO DE INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

FORTALEZA 2019

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CLARA ALMEIDA DE MOURA

O TELETRABALHO COMO MECANISMO DE INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Trabalho; Direito Constitucional; Direito Civil. Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

FORTALEZA 2019

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M885t Moura, Clara Almeida de.

O teletrabalho como mecanismo de inclusão social da pessoa com deficiência / Clara Almeida de Moura. – 2019.

52 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2019.

Orientação: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

1. Teletrabalho. 2. Inclusão social. 3. Pessoa com deficiência. I. Título.

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CLARA ALMEIDA DE MOURA

O TELETRABALHO COMO MECANISMO DE INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Trabalho. Direito Constitucional. Direito Civil.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestranda Marla Monise Campos de Castro Veras

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A Deus, pois sem Ele eu nada seria.

À minha mãe, Celma, pelo amor incondicional e por toda a dedicação no ato de educar a mim e aos meus irmãos.

Às minhas lindas gêmeas, Analua e Jade, vocês me inspiram a ser uma pessoa melhor a cada dia.

Aos meus irmãos, Iuri, Dimitri (in memoriam), Levi e Iago, por todo o companheirismo e cumplicidade.

Ao meu amor, Bruno, por ser meu maior incentivador, por todo o suporte que me oferece para que eu possa realizar meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por inicialmente ter me concedido a graça de ingressar na Faculdade de Direito da UFC, por me manter firme às adversidades diárias e, nesse momento, estar me permitindo concluir mais uma importante etapa da minha vida.

Aos meus pais, Celma e Marcelo, por me ensinarem valores como honestidade, caridade e amor ao próximo.

À minha mãe, em especial, pelo seu amor incondicional e por todos os esforços dispensados em me proporcionar a melhor educação que me fizeram chegar à Fadir.

Às minhas filhas, Analua e Jade, por serem luz na minha vida. Nunca imaginei sentir um amor tão grande como esse que sinto quando nossos olhos se encontram.

Às minhas avós, Francisca e Mauria, pelos ensinamentos sobre resiliência e perseverança mesmo diante de situações adversas.

Às minhas tias, Cineide, Cida e Mabe por sempre acreditarem em mim e ajudarem na minha educação, vocês são fontes de inspiração.

Ao Bruno, meu companheiro e pai das minhas filhas. Obrigada por todo o suporte emocional, por ser meu o maior incentivador e por todo o auxílio que me deu nesses cinco anos de faculdade. Definitivamente, Deus não poderia ter colocado uma pessoa melhor para partilhar essa vida comigo.

Aos meus amados irmãos, Levi, Iago Iuri e Dimitri (in memoriam) muito obrigada por todo o companheirismo, amor e cuidado que vocês tem por mim.

Às meninas do “bondin”, Alexandra, Bárbara, Larissa, Luanda e Scarlet, vocês são as irmãs que não tive, minhas irmãs de alma, a companhia de vocês alegra e preenche a minha alma.

Aos meus sogros, Patrícia e Danilo, por me receberem tão bem em sua família e por todo o suporte que me deram durante a graduação.

À minha amiga Brenda, pela valiosa ajuda nos últimos dias para que eu pudesse concluir esse trabalho e por todo o amor que tem pelas minhas filhas.

Ao professor William pela excelente orientação, por todo o apoio durante a graduação como professor e também como coordenador, mas, acima de tudo, pela pessoa maravilhosa que é, sempre disposto a ajudar aqueles que lhe pedem ajuda.

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À professora Fernanda Cláudia e à mestranda Marla Monise por terem aceitado participar da minha banca e por disponibilizarem um pouco do seu tempo para ler e analisar esse trabalho.

Por fim, deixo aqui registrado o meu agradecimento ao pessoal da xerox, Caio, Xuxu e Marcelo e aos demais funcionários da Fadir.

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“Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que triste os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!”(Mário Quintana).

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RESUMO

Analisa-se se o teletrabalho, da forma como é disciplinado no ordenamento jurídico brasileiro pode ser considerado um meio de inserção social das pessoas com deficiência. Para alcançar esse fim, recorre-se ao estudo dos direitos fundamentais conferidos à pessoa com deficiência, nos quais se insere o direito ao trabalho, bem como às questões pertinentes ao teletrabalho, destacando os aspectos positivos e negativos apontados pela doutrina. Quanto à metodologia utilizada, procedeu-se à pesquisa bibliográfica e legislativa a partir de uma análise qualitativa. Inicia-se a exposição com a construção histórica referente aos direitos da pessoa com deficiência, ressaltando a legislação internacional e, em seguida, as leis brasileiras. Posteriormente, procede-se ao do teletrabalho, a definição adotada pelo legislador, as características dessa relação de emprego, bem como as vantagens e desvantagens para empregador e empregados. Por fim, remete-se à importância da utilização das novas tecnologias em favor da pessoa com deficiência, e investiga-se se o teletrabalho é um regime de trabalho capaz de promover a inclusão social da pessoa com deficiência. Resta evidente, a partir da análise feita, que o teletrabalho é uma alternativa válida e facilitadora à inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, apesar dos aspectos controversos decorrentes da recente regulamentação dessa forma de prestação laboral, a qual possui algumas lacunas. A garantia do direito fundamental ao trabalho para essas pessoas representa a concretização do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana previstos na Constituição Federal.

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ABSTRACT

It is analyzed if the telework, as it is disciplined in the Brazilian legal system can be considered a means of social insertion of people with disabilities. In order to achieve this goal, the study of the fundamental rights conferred on people with disabilities, which includes the right to work, as well as teleworking issues, is highlighted, highlighting the positive and negative aspects pointed out by the doctrine. As for the methodology used, a bibliographic and legislative research was carried out based on a qualitative analysis. The exhibition begins with the historical construction referring to the rights of the disabled person, emphasizing the international legislation and then the Brazilian laws. Subsequently, the teleworking, the definition adopted by the legislator, the characteristics of this employment relationship, as well as the advantages and disadvantages for employer and employees. Lastly, reference is made to the importance of using the new technology in favor of people with disabilities, and it is investigated whether teleworking is a work regime capable of promoting the social inclusion of the disabled person. It remains evident from the analysis made that teleworking is a valid and facilitating alternative to the insertion of people with disabilities in the labor market, despite the controversial aspects arising from the recent regulation of this form of work performance, which has some shortcomings. The guarantee of the fundamental right to work for these people represents the realization of the social value of work and the dignity of the human person provided for in the Federal Constitution.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT CCB

Associação Brasileira de Normas Técnicas Código Civil Brasileiro

CRFB TST

Constituição da República Federativa do Brasil Tribunal Superior do Trabalho

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 14

2.1 A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu protocolo facultativo ... 15

2.2 A Lei nº 13.146 de 2015 e as mudanças na legislação cível ... 19

2.3 Os direitos fundamentais enfatizados pela Lei nº 13.146 de 2015 ... 21

2.3.1 Direito à vida ... 23

2.3.2 Direito à saúde... 24

2.3.3 Direito à educação ... 25

2.3.4 Direito ao trabalho ... 26

3 TELETRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO ... 29

3.1 A origem do teletrabalho... 30

3.2 O contrato de teletrabalho e os elementos que caracterizam a relação de emprego ... 32

3.3 Aspectos controversos dos dispositivos legais sobre teletrabalho inseridos pela “Lei da Reforma Trabalhista”... 35

3.4 As vantagens e desvantagens do teletrabalho... 37

4 O TELETRABALHO COMO MECANISMO DE INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 39

4.1 A importância do valor social do trabalho na perspectiva do trabalhador com deficiência ... 39

4.2 A utilização das novas tecnologias como facilitadoras do processo de inserção da pessoa com deficiência em sociedade ... 41

4.2.1 A inclusão social promovida pela expansão da acessibilidade ... 42

4.3 Notas sobre a inclusão social da pessoa com deficiência por meio do teletrabalho ... 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 49

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1 INTRODUÇÃO

O tratamento social dispensado às pessoas com deficiência vem se modificando positivamente nas últimas décadas. A criação de leis que ampliam direitos e alteram conceitos relacionados a essas pessoas são partes importantes nesse processo.

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinada em 2007 na cidade de Nova Iorque representa um marco na mudança de paradigma a respeito dessas pessoas. Uma das mais importantes contribuições dessa convenção foi a adoção da nomenclatura “pessoa com deficiência”, com o intuito de eliminar os estigmas existentes em outras expressões como “pessoa portadora de deficiência” ou “pessoa portadora de necessidades especiais”. A ideia de portar uma deficiência se refere à deficiência como se fosse um vírus, algo que se adquire com o simples contato humano.

No Brasil, a aludida convenção adquiriu o status de emenda constitucional e possibilitou a criação de uma importante lei infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, também denominada “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, a qual provocou alterações na legislação cível sobre questões relacionadas à capacidade jurídica, bem como disciplinou acerca dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 e na Convenção de Nova Iorque.

Um dos direitos fundamentais elencados na aludida lei é o direito fundamental ao trabalho, o qual deve ser de livre escolha da pessoa com deficiência, realizado em ambiente acessível e inclusivo e em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. No entanto, na prática, inúmeras são as barreiras físicas e procedimentais encontradas para a realização desse direito.

É fato que os avanços tecnológicos modificaram as relações de trabalho clássicas, as quais ocorriam no estabelecimento do empregador, sob sua supervisão e coordenação. Na contemporaneidade, se observa que, devido à evolução dos meios telemáticos a prestação laboral pode tranquilamente ocorrer longe do controle direto do empregador. A essa nova modalidade de relação empregatícia dá-se o nome de teletrabalho.

Busca-se com o presente trabalho analisar se o teletrabalho, realizado em local diverso do estabelecimento do empregador e a partir da utilização dos modernos meios de comunicação possibilita a superação das barreiras encontradas pela pessoa com deficiência que almeja se inserir em sociedade por meio do trabalho.

Investiga-se também se a forma como o teletrabalho está disciplinado pela legislação trabalhista atende aos pressupostos básicos da relação de emprego, oferece as

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garantias constitucionais mínimas conferidas a qualquer trabalhador e, dessa forma, promove a valorização e dignidade da pessoa com deficiência.

Procedeu-se então com uma pesquisa legislativa e bibliográfica, analisada sob um viés qualitativo do tema.

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2 DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

A exclusão social das pessoas com deficiência é um problema histórico que existe desde os tempos mais remotos. Na Idade Antiga, em civilizações como a grega e a romana, as crianças que nasciam com algum tipo de deficiência eram assassinadas pela própria família ou então abandonadas, pois a existência delas não interessava tampouco servia aos objetivos daquelas sociedades marcadas pelo militarismo necessário à expansão territorial (GUGEL, 2019, online).

Quanto àqueles cuja deficiência era decorrente da participação em guerras, o tratamento dado era assistencial. Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (2006, p.72 apud LARAIA, 2009, p. 24) “... por influência ateniense, também os romanos agiam da mesma forma. Discutiam esses dois povos se a cultura adequada seria a assistencial, ou a readaptação desses deficientes para o trabalho que lhes fosse apropriado”.

Na Idade Média, a forte influência exercida pela Igreja Católica nas comunidades feudais resultou em uma pequena melhoria no tratamento das pessoas que possuíam deficiência física e mental, baseados pelo ensinamento cristão de amor ao próximo e de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, não importando como se encontrasse.

Alguns séculos mais tarde, no início da Idade Contemporânea, período marcado pelo avanço tecnológico, inúmeros foram os inventos que vieram a facilitar a vida dos deficientes, proporcionando maior acessibilidade e inclusão para os mesmos. Maria Ivone Fortunado Laraia (2009, p. 28):

Na Idade Contemporânea, diversos inventos vieram a facilitaram o acesso ao trabalho e a locomoção das pessoas com deficiência, dentre os quais a cadeira de rodas, bengalas, bastões, muletas, próteses, macas, coletes, veículos adaptados, camas, móveis e o sistema Braille.

Em meados do século XX, após as duas grandes guerras mundiais e as inúmeras mortes ou mutilações decorrentes destas, a questão da deficiência passou a ser tratada sob um viés humanitário. Documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, e outros que surgiram em decorrência dele dispuseram que todas as pessoas, e nestas se incluem as pessoas com deficiência, fossem tratadas como iguais, em dignidade e direitos, sendo vedada qualquer forma de discriminação.

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No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 absorveu muito do que determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, representando assim o marco na busca pela efetivação de maiores direitos às pessoas com deficiência. Ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como norteadora de toda a Lei Maior e difundir em seu rol de direitos fundamentais o direito à igualdade de todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, o constituinte originário demonstrou estar de acordo com os demais Estados Democráticos no intuito de assegurar a participação das pessoas com deficiência na sociedade, possibilitando a adesão do país a tratados internacionais nesse sentido, bem como a criação de leis infraconstitucionais capazes de facilitar o processo de inserção.

2.1 A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo

No ano de 2008 o Congresso Nacional Brasileiro, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008 aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado no ano anterior na cidade de Nova Iorque pelos Estados-Partes, o qual obedeceu ao quórum do §3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, adquirindo, portanto, a hierarquia de emenda constitucional.

Composto por cinquenta artigos, muitos são os direitos assegurados à pessoa com deficiência, dentre os quais podemos destacar: os princípios gerais (art. 3º), os direitos reservados às mulheres e crianças com deficiência por serem os grupos mais vulneráveis (arts. 6º e 7º respectivamente), o direito à acessibilidade (art. 9º), direito ao reconhecimento igual perante à lei (art. 12), acesso à justiça (art. 13), direito à educação e saúde (arts. 24 e 25), direito ao trabalho e emprego (art. 27), entre outros de suma importância para a mudança de paradigma a respeito do papel desempenhado pela pessoa com deficiência na sociedade.

É possível afirmar que a mencionada Convenção está em plena consonância com os direitos fundamentais elencados na Constituição Brasileira e a noção de igualdade, tão presente em todo o ordenamento jurídico pátrio. O artigo 1º destaca seu propósito:

Art. 1º - O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Cumpre observar que, ao longo de todo o texto da Convenção, resta clara a preocupação dos Estados-Partes em modificar o tratamento da sociedade para com as pessoas

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com deficiência, retirando as mesmas da condição de enfermas e incapazes ao pleno convívio social e colocando-as em posição de igualdade. Conforme destaca Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (2013, p.25):

O princípio medular do dispositivo ora em comento é a seguir enunciado: “o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade”. Constitui-se aqui, efetivamente, a pedra de toque axiológica do tratado, eis que as limitações ou impedimentos dos cidadãos cegos, surdos, paraplégicos, tetraplégicos, com Síndrome de Down, com transtornos psicossociais ou quaisquer outros outrora estigmatizantes têm nessas características atributos, qualidades, agora equiparadas às demais que sempre caracterizaram a diversidade humana, como gênero, etnia, orientação afetivo-sexual, origem, crença, convicção política ou qualquer outro fator de discrímen. Os impedimentos não mais são considerados “defeitos”, incapacitantes por si, insista-se, são atributos que diferenciam esses cidadãos, apenas. Obviamente, esta nova visão não exclui as políticas de saúde ou assistência quando necessárias, mas avança para muito além delas, de modo a reconhecer que tais atributos não são pechas que justifiquem qualquer forma de asilamento ou de segregação “caritativa”.

Diante dessa nova visão sobre o tratamento jurídico e social conferido às pessoas com deficiência, não cabia mais a utilização das ultrapassadas denominações dadas às mesmas, como por exemplo: deficientes, inválidos e pessoas com necessidades especiais, as quais carregam o caráter assistencialista e de segregação que sempre lhes foi dado. Observa Ricardo Marques da Fonseca (2013, p. 19),

A terminologia adotada pela ONU “pessoa com deficiência (PcD)” visa escoimar os estigmas que se contêm em expressões como “pessoa portadora de necessidade especial (PPNE)”, “pessoa deficiente (PD)” ou “pessoa portadora de deficiência (PPD)”, as quais vinham sendo adotadas até a ratificação da Convenção. Ser pessoa com deficiência é uma característica que não contém em si mesma qualquer pejo; não se carregam as deficiências; não se portam, como se vírus fossem; também são dispensáveis eufemismos genéricos. Logo, onde se lia, na Constituição do Brasil “pessoa portadora de deficiência”, leia-se pessoa com deficiência (PcD). Trata-se de evolução político-social, eis que as Constituições anteriores utilizavam as expressões “inválidos”, “incapazes” ou “deficientes”. Em 1988, avançou-se para a expressão PPD, que não mais vige em razão dos efeitos da ratificação constitucional do tratado.

O conceito de pessoa com deficiência trazido pela Convenção também reforça a adoção do modelo social quanto ao tratamento jurídico conferido a elas. Ainda no artigo 1º diz-se que “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Portanto, a não participação da pessoa com deficiência em sociedade deixou de ser colocada como consequência de sua condição e passou a ser resultado da carência de meios de acesso e excesso de barreiras impostos pela própria sociedade.

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Leite e Garcia (2017, p. 250) destacam a questão da acessibilidade e da eliminação das barreiras para a emancipação das pessoas com deficiência e sua consequente inclusão social:

Considerando a acessibilidade como condição de livre acesso, de aproximação, de utilização, do manuseio de qualquer objeto, local, ou condição é seu objetivo proporcionar a todas as pessoas, e, principalmente às pessoas com deficiência, um ganho de autonomia e de mobilidade, para que possam usufruir dos espaços com mais segurança, confiança e comodidade. E para que isso ocorra, a Convenção determina que todos os ambientes eliminem as barreiras existentes, especialmente as que forem criadas pelo próprio ser humano, e que novos espaços sejam desenhados livres de barreiras, para não obstaculizar o pleno gozo e exercício dos direitos das pessoas com deficiência.

Outro aspecto relevante a ser observado quanto à Convenção diz respeito às obrigações assumidas pelos Estados-Partes, elencadas em seu artigo 4º, no sentido de assegurarem práticas não discriminatórias, seja por meio de seu legislativo, modificando ou revogando leis contrárias às disposições da Convenção, seja através do fomento à pesquisa de tecnologias assistivas, serviços, produtos, equipamentos ou instalações de desenho universal para acessibilidade, bem como mediante a capacitação de profissionais aptos a prestar assistência a essas pessoas.

Os artigos 12 e 13 representam também relevantes avanços no tratamento dispensado às pessoas com deficiência. O primeiro dispõe sobre o reconhecimento igual perante a lei, aduzindo que essas pessoas gozam de capacidade legal em igualdade de condições com os demais, garantindo a elas o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, além de assegurar que as mesmas não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens.

Quanto ao artigo 13, esse dispõe sobre o efetivo acesso das pessoas com deficiência à justiça, seja como participantes diretos, indiretos ou até mesmo como testemunhas, devendo os Estados-Partes promover a capacitação daqueles que trabalham na área de administração da justiça, incluindo a polícia e o sistema penitenciário.

No artigo 24, que trata das questões relacionadas à educação, os Estados-Partes também assumem a obrigação de efetivar esse direito em igualdade de oportunidades. Dessa forma, o ensino destinado às pessoas com deficiência deve ser inclusivo em todos os níveis e proporcionar o pleno desenvolvimento do potencial humano, das capacidades e da personalidade da pessoa com deficiência. Deve ainda não permitir a exclusão das mesmas sob a alegação de deficiência, seja no ensino primário, seja no ensino secundário.

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O artigo supracitado dispõe ainda sobre as medidas que devem ser tomadas pelos Estados a fim de assegurar a educação inclusiva como, por exemplo, oferecer a essas pessoas ensino primário de qualidade e gratuito, ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas da comunidade, escolas adaptadas, facilitação do aprendizado do Braille e da língua de sinais, bem como a contratação de professores capacitados ou professores com deficiência que saibam ensinar tais métodos.

Diante do exposto se observa que o intuito do legislador, na referida Convenção foi o de criar dispositivos que possibilitassem o acesso das pessoas com deficiência ao sistema de ensino já existente, realizando apenas as adaptações necessárias para tanto. Não faria sentido criar um sistema de ensino exclusivo e independente, tendo em vista que a finalidade precípua da Convenção é promover a inclusão social da pessoa com deficiência.

Há também na Convenção um artigo específico sobre o direito ao trabalho, objeto do presente estudo, e que se assemelha bastante com o que dispõe o artigo referente à educação, a julgar pela previsão de reconhecer tal direito em igualdade de oportunidades e de estabelecer medidas a serem tomadas para a consecução desse fim.

Desta forma, o artigo 27 se refere ao trabalho em igualdade de oportunidades, proibindo qualquer forma de discriminação baseada na deficiência, desde o momento da contratação aos fatores relacionados à permanência no emprego, quais sejam: meio ambiente de trabalho, igual remuneração e ascensão profissional.

Prevê também o incentivo ao emprego das pessoas deficiência no setor privado, por meio de ações afirmativas, incentivos fiscais e programas de retorno ao trabalho, como a reabilitação profissional.

Ricardo Marques da Fonseca (2019, online) destaca que “O art. 27 sintetiza a Convenção 159/83 da OIT, que se refere ao direito ao trabalho em igualdade de oportunidade com as demais pessoas”. A aludida Convenção foi promulgada no Brasil a partir do Decreto Legislativo nº 129 de 1991 versando sobre a reabilitação profissional e emprego de pessoas com deficiência e representou importante avanço no que tange à promoção de oportunidades e meios adequados para a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho.

Diante do exposto, resta clara a contribuição da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência ao ordenamento jurídico brasileiro, pois seu status de emenda constitucional orienta o legislador na criação de leis ordinárias capazes de tornar mais ampla e eficaz a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, como é o caso da Lei 13.146 de 2015, denominada “Estatuto da Pessoa com Deficiência”.

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2.2 A Lei nº 13.146 de 2015 e as mudanças na legislação cível

O ano de 2015 foi marcado por relevantes alterações na legislação brasileira, dentre as quais destacam-se: o início da vigência do Novo Código de Processo Civil, bem como a publicação da Lei nº 13.146 de 2015, conhecida como “Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência” ou “Estatuto da Pessoa com Deficiência”.

Cumpre ressaltar que, quando da leitura do referido Estatuto é possível observar inúmeros pontos de interseção com a já mencionada Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, pelo que se conclui que o mesmo busca dar efetividade aos preceitos de caráter constitucional da Convenção através da legislação infraconstitucional.

A Lei nº 13.146 de 2015 representa um importante avanço no tratamento das pessoas com deficiência e seu papel na sociedade, tendo em vista que rompe com antigas barreiras antes existentes no ordenamento jurídico brasileiro e traz dispositivos capazes de proporcionar maior autonomia a essas pessoas nos atos da vida civil. Farias, Cunha e Pinto (2016, p. 9):

Nítido, nessa linha de raciocínio, o empenho do legislador em incluir o deficiente, não mais visto como um ser condenado ao isolamento, segregado mesmo, mas, antes, como alguém que merece viver em sua plenitude, francamente integrado na sociedade que o cerca. Para tanto, o Estatuto conferiu especial atenção, dentre outros temas, à acessibilidade, enfocada sob seus mais diversos aspectos. Afinal, se no meio do caminho tinha uma pedra, segundo o poema de CARLOS DRUMOND DE ANDRADE, há que remover esta barreira, a fim de propiciar ao portador de deficiência a tão sonhada igualdade com os demais.

O próprio artigo 1º, caput do Estatuto demonstra nitidamente o intuito do legislador ao instituir a mencionada lei, qual seja, assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdade individuais por pessoa com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania. Quanto ao parágrafo único, este ratifica que a Lei nº 13.146/2015 tem como base a Convenção sobre as Pessoas com Deficiência, reforçando os preceitos de autonomia e independência da pessoa com deficiência trazidos por esta.

Importante salientar que a “Lei Brasileira de Inclusão” ao consagrar os preceitos supracitados acabou por modificar a redação do artigo 3º do Código Civil Brasileiro de 2002, tendo em vista que tal artigo elencava no rol dos absolutamente incapazes aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento para a prática desses atos; e os que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir sua vontade.

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Assim, foi incluído no artigo 4º do Código Civil de 2002, que trata das incapacidades relativas, o inciso III, o qual define como relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, do que se extrai que, em regra, as pessoas com deficiência são consideradas plenamente capazes à prática dos atos da vida civil, sendo submetidas ao instituto da curatela, previsto no artigo 1767 do Código Civil somente através de sentença proferida em ação específica, a ação de curatela.

Conforme destacam Farias, Cunha e Pinto (2016, p. 241):

É certo – e isso não se põe em dúvida – que a capacidade jurídica é a regra, sendo a incapacidade, conseqüentemente, excepcional. O simples fato de uma pessoa humana ter algum tipo de deficiência (física, mental ou intelectual), por si só, não é bastante para caracterizar uma incapacidade jurídica. Um dos grandes méritos do Estatuto da Pessoa com Deficiência é o absoluto desatrelamento entre os conceitos de incapacidade civil e de deficiência. São ideias autônomas e independentes. Uma pessoa com deficiência, em regra, é plenamente capaz e, por outro lado, um ser humano pode ser reputado incapaz independentemente de qualquer deficiência (...)

O artigo 85 da legislação estatutária reforça a questão da excepcionalidade da curatela ao aduzir que tal instituto somente afetará os atos de natureza patrimonial e negocial, ressalvando que os atos de caráter existencial, como, por exemplo, o direito ao próprio corpo, à sexualidade, à privacidade, ao matrimônio, ao trabalho, à educação, à saúde e ao voto não são alcançados por aquele.

Uma amostra dessa mudança pode ser encontrada no próprio artigo 6º do Estatuto que em seu caput afirma que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa e elenca em seus incisos alguns atos, por exemplo: casar ou constituir união estável; exercer direitos sexuais ou reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o número de filhos; conservar sua fertilidade, vedando a esterilização compulsória; exercer o direito à família, bem como, exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.

O artigo supracitado se encontra em total consonância com o que dispõe o artigo 23 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e reforça o entendimento de que a pessoa com deficiência tem total capacidade de entendimento e diante disso pode plenamente manifestar a sua vontade, o que não a impede de contrair matrimônio ou exercer a união estável.

Não pode o Estado nem a sociedade interferir também nos direitos referentes à sexualidade e à reprodução da pessoa com deficiência, deixando-as livres para a escolha dos seus parceiros, livres quanto à orientação sexual e livres quanto à opção de ter ou não filhos, e a quantidade destes. Assim, busca-se combater o estereótipo de que tais pessoas não possuem

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necessidades sexuais, bem como a crença de que a reprodução das mesmas geraria outras pessoas com algum tipo de alteração ou anormalidade genética, o que caracteriza claramente uma forma de discriminação.

Quanto à adoção, a redação do artigo 6º, inciso VI é bastante clara no sentido de resguardar o direito da pessoa com deficiência de adotar ou de ser adotada em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ou seja, sem que a sua condição seja considerada uma desvantagem frente a outros possíveis adotantes ou adotados

Outros aspectos pertinentes acerca das novas disposições referentes à capacidade civil, mais precisamente ao instituto da curatela, dizem respeito à diminuição no tempo de prestação de contas da administração do curador perante o juiz, agora correspondente a 1 (um) ano, conforme aduz o artigo 84, §4º, bem como a criação de um novo instituto de proteção, denominado “Tomada de Decisão Apoiada”, previsto no §2º do mesmo artigo, instituto que difere da curatela por se tratar de um procedimento especial, cuja jurisdição é voluntária e destinada a nomeação de dois apoiadores aptos a auxiliar a pessoa com deficiência nas atividades cotidianas, não se tratando de incapacidade, mas de meros atos de apoio. William Paiva Marques Júnior (2018, no prelo) explica em que consiste o referido mecanismo:

Eventualmente necessitando de auxílio (apoio, na linguagem da lei), o sistema prevê a nomeação de dois apoiadores, que não serão representantes ou assistentes – porque não há incapacidade. Assim, esse modelo beneficiará, enormemente, pessoas com impossibilidade física ou sensorial (como, por exemplo, tetraplégicos, obesos mórbidos, cegos, sequelados de AVC e pessoas com outras enfermidades que as privem da deambulação para a prática de certos negócios e atos jurídicos na vida civil). Elas não serão interditadas ou incapacitadas, pois a tomada de decisão apoiada apenas promove a autonomia, sem cerceá-las.

Diante do exposto, se observa que de fato o Estatuto da Pessoa com Deficiência modificou substancialmente o tratamento da pessoa com deficiência na execução dos atos da vida civil, ampliando direitos e vedando possíveis condutas discriminatórias por parte da sociedade, no entanto, é de suma importância destacar a preocupação do legislador em garantir alguns direitos fundamentais, os quais serão analisados a seguir.

2.3 Os direitos fundamentais enfatizados pela Lei nº 13.146 de 2015

A Lei nº 13.146/2015 reserva um título inteiro, o título II, somente para reforçar os direitos fundamentais da pessoa com deficiência. Reforçar sim, tendo em vista que tais direitos já se encontram positivados na Constituição Federal, classificados em cinco grupos,

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quais sejam: direitos individuais e direitos coletivos (art. 5º), direitos sociais (arts. 6º, 7º e 193), direitos à nacionalidade (art. 12) e direitos políticos (arts. 14 a 17).

Inicialmente, cumpre esclarecer o que a doutrina especializada entende por direitos fundamentais e qual o seu grau de relevância dentro do ordenamento jurídico de um país. Dimoulis e Martins (2010, p. 46) afirmam:

Direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.

Na contemporaneidade, é possível afirmar também que houve pela doutrina uma constatação de que os direitos fundamentais revelam dupla perspectiva, na medida em que podem, em princípio, ser considerados tanto como direitos subjetivos individuais, quanto elementos objetivos fundamentais da comunidade (SARLET, 2009, p.141).

A partir da perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais são aqueles que geram direitos subjetivos aos seus titulares, ou seja, permitem que estes possam exigir uma ação de caráter positivo ou de caráter negativo do destinatário daqueles direitos. Sarlet (2009, p. 152) explica:

De modo geral, quando nos referimos aos direitos fundamentais como direitos subjetivos, temos em mente a noção de que ao titular de um direito fundamental é aberta a possibilidade de impor juridicamente seus interesses juridicamente tutelados perante o destinatário (obrigado). Desde logo, transparece a ideia de que o direito subjetivo consagrado por uma norma de direito fundamental se manifesta por meio de uma relação trilateral, formada entre titular, o objeto e o destinatário do direito.

Quanto à existência da perspectiva objetiva, esta teve como marco histórico uma decisão proferida em 1958 pela Corte Federal Constitucional da Alemanha no caso Luth até hoje evocada pela doutrina e jurisprudência pátrias.

A decisão supracitada consagrou o entendimento de que os direitos fundamentais não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos (SARLET, 2009, p. 143).

Dimoulis e Martins (2009, p. 111) afirmam que há quatro aspectos que pertencem à dimensão objetiva dos direitos fundamentais, necessários para uma melhor compreensão da abrangência e dos efeitos desta.

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O primeiro aspecto diz respeito ao fato de que os direitos fundamentais apresentam o caráter de normas de competência negativa, ou seja, aquilo que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para ação e em termos de livre arbítrio, em sua esfera, está sendo objetivamente sendo retirado do Estado, independentemente do particular exigir seu direito em juízo.

A segunda característica é o funcionamento dos direitos fundamentais como critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional, de tal forma que no momento da criação ou da aplicação das leis infraconstitucionais seja anteriormente observado se está de acordo com o que aduzem as normas constitucionais.

O terceiro aspecto permite limitar os direitos fundamentais quando for do interesse de seus titulares, mas tal limitação ocorreria mediante intervenção do Estado com a justificativa de que o titular do direito ficaria mais protegido caso não o exercesse em algumas circunstâncias.

Quanto ao quarto e último aspecto, este é conhecido como o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais e consiste no dever do Estado de proteger de forma ativa o direito fundamental contra ameaças de violação pelos particulares. No Brasil, o Ministério Público atua no sentido de combater a violação dos direitos fundamentais. A própria Lei nº 13.146/2015 possui diversos dispositivos1 que orientam as autoridades a comunicar qualquer lesão aos direitos das pessoas com deficiência ao Ministério Público, para que este tome as medidas cabíveis.

2.3.1 Direito à vida

O capítulo referente ao direito fundamental à vida baseia-se precipuamente no princípio da dignidade da pessoa humana, este invocado no sentido de evitar a supressão da vontade da pessoa com deficiência nas situações que afetem diretamente suas vidas, quais sejam: intervenções cirúrgicas, tratamentos médicos, internações e pesquisas científicas.

Exceto em casos excepcionais, como risco de morte ou emergência médica, determinou o legislador que o consentimento prévio da pessoa com deficiência é essencial para a realização de qualquer procedimento, mesmo que esta esteja em situação de tutela ou curatela.

1O Art. 4º , parágrafo único da Lei nº 13.146/2015 dispõe que: “ Se, no exercício de suas funções os juízes e os

tribunais tiverem conhecimento de fatos que caracterizem as violações previstas nesta Lei, devem render peças ao Ministérios Público para as providências cabíveis.

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Isto posto, os artigos referentes ao direito à vida corroboram as disposições contidas na Constituição Federal do Brasil que destacam o princípio da dignidade humana e o definem como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como as disposições de declarações e convenções internacionais, como é o caso da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1948 e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a qual também reafirma o direito à vida de todas as pessoas, defendendo que os Estados-Partes deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar o exercício efetivo desse direito pelas pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais.

2.3.2 Direito à saúde

O direito à saúde está diretamente relacionado ao direito à vida e encontra-se disposto nos artigos 18 a 26 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Os aludidos artigos coadunam com o que está posto nos artigos 196 e 227 da Constituição Federal, os quais estabelecem em suma e respectivamente que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, bem como a saúde de crianças e adolescentes é dever da família e também do Estado.

Cumpre salientar que, foi a partir da Constituição Federal de 1988 que o direito à saúde adquiriu a posição de direito fundamental, assim estendendo-se a todos os cidadãos, dos mais pobres aos mais ricos, contribuintes da previdência social ou não, caracterizando um processo que ficou conhecido como universalização da saúde e que é gerida pelo Sistema Único de Saúde – SUS.

Maria Ivone Fortunato Laraia (2008, p. 115) aduz:

O direito à saúde abrange a sua manutenção e a utilização de medidas preventivas. Na manutenção da saúde, será garantido o acesso das pessoas com deficiência nos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento, garantido o atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado, e desenvolvidos programas de saúde voltados para as pessoas com deficiência, com a participação da sociedade.

No mesmo sentido são os dispositivos encontrados na Lei nº 13.146/2015 que asseguram a atenção integral à saúde da pessoa com deficiência, de forma gratuita e igualitária, promovendo a participação de tais pessoas na elaboração de políticas de saúde a elas relacionadas, devendo o Estado capacitar os profissionais que prestam essa assistência e

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realizar ações que visem ampliar o atendimento dessas pessoas, seja nas unidades de saúde, seja a partir do atendimento domiciliar, tudo com vistas a concretizar o direito fundamental à saúde.

2.3.3 Direito à educação

O direito fundamental à educação encontra-se previsto nos artigos 27 a 30 do Estatuto e neles é possível observar inúmeras semelhanças com o que dispõe a Convenção sobre Pessoas com Deficiência a respeito do mesmo tema.

O artigo 28, inciso I tem como fundamento o artigo 24.1 da Convenção, aduzindo acerca da criação, desenvolvimento e acompanhamento, pelo poder público, de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como a promoção do aprendizado ao longo de toda a vida.

Sobre a educação inclusiva, dispõem Farias, Cunha e Pinto (2016, p. 100),

Como sugere o próprio nome, portanto, a educação inclusiva visa incluir o aluno com deficiência no sistema de educação, de tal forma que, ao invés de segregá-lo juntamente com outros que apresentem o mesmo déficit, criando, por exemplo, classes específicas para alunos deficientes, busca-se integrá-los aos demais, freqüentando todos a mesma classe, submetendo-o ao mesmo currículo escolar, enfim, vivenciando a escola em sua plenitude, com todos os demais.

Como se observa, ao utilizar o termo “educação inclusiva”, o legislador permite inferir que a inclusão por ele proposta diz respeito à oportunidade que deve ser oferecida pelo Estado, por meio da criação de políticas públicas, às pessoas com deficiência para que estas possam se sentir integradas à sociedade, neste caso em específico, a partir da educação.

Os demais incisos do artigo 28 elencam outras ações a serem desempenhadas pelo poder público no sentido de efetivar a inclusão das pessoas com deficiência ao sistema educacional regular. Os incisos II, III, V e XV, por exemplo, enfatizam os aspectos relacionados à acessibilidade do sistema de ensino, tanto no que concerne à adaptação física das escolas, como no que concerne ao projeto pedagógico, de forma a promover a permanência, a participação e a aprendizagem do estudante com deficiência.

Determinou também o legislador que fosse ofertada a educação bilíngue nas escolas – inciso IV – em Libras, bem como o ensino do Sistema Braille – inciso XII – por meio da formação de professores voltados para o atendimento educacional especializado e de tradutores e intérpretes das Libras, devendo tal determinação ser cumprida tanto pela rede de ensino público, quanto pela rede de ensino privado.

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O inciso XIII aborda a questão da obrigatoriedade da garantia de acesso da pessoa com deficiência ao ensino superior e/ou à educação técnica ou tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas. No sentido de promover a concretização deste inciso foi criada a Lei nº 13.409/2016 que alterou os artigos2 3º, 5º e 7º da Lei nº 12.711/2012 e ampliou a reserva de vagas nas instituições federais de ensino superior e médio para abranger as pessoas com deficiência.

Na visão de Carlos André Nunes (online, 2017) a existência da Lei nº 13.409/2016 é fundamental para o processo de inclusão social no Brasil. Não se trata de uma vantagem. Ao contrário, a Lei nº 13.409 materializa a norma constante da Constituição, que prevê a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

A inserção da pessoa com deficiência no ensino superior ou educação tecnológica culmina na maior capacitação desta para conquistar uma vaga no disputado mercado de trabalho brasileiro. Cumpre salientar que essa e outras medidas previstas pelo legislador ordinário são de grande importância para a concretização do direito fundamental ao trabalho, conforme se observará a seguir.

2.3.4 Direito ao trabalho

Objeto do presente estudo, a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho está prevista no artigo 34 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual dispõe: “A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

O referido dispositivo encontra-se assentado na Constituição Federal Brasileira, a qual destaca em diversos artigos a pessoa humana e o trabalho, atribuindo já em seu artigo 1º o valor social do trabalho como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e

2Lei 13.409/2016:

Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE.

Art. 7º No prazo de dez anos a contar da data de publicação desta Lei, será promovida a revisão do programa especial para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.”

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ainda no rol dos direitos e garantias fundamentais, em especial no artigo 5º, inciso XIII e artigo 7º, inciso XXXI, os quais aduzem que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, bem como proíbe a discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Com relação a essa proibição constitucional aduz Maurício Godinho Delgado (2012, p. 814):

O preceito magno propiciou importantes avanços no que toca à proteção do portador de deficiência. A legislação previdenciária, por exemplo, agregou restrição indireta à dispensa de empregados portadores de necessidades especiais: estipulou que o obreiro submetido a processo de reabilitação profissional somente poderia ser dispensado mediante a correlata contratação de outro trabalhador em situação semelhante (art. 93, §1º, Lei n. 8.213/91) [...]

Desta forma, resta claro que, se a Constituição Federal assegura o direito ao trabalho a toda e qualquer pessoa, não cabe à legislação infraconstitucional restringir referido direito quando se trata da pessoa com deficiência, a qual merece um tratamento diferenciado apto a garantir-lhe um ingresso no mercado de trabalho em igualdade com os demais (FARIAS; CUNHA; PINTO, 2016, p. 129)

Importante salientar que, ao tratar diretamente sobre o direito fundamental ao trabalho, o legislador aborda indiretamente outros direitos fundamentais necessários para a efetividade do mesmo, como, por exemplo, o direito a um ambiente de trabalho acessível (artigo 34, § 1º) e o direito à educação, ao garantir que sejam oferecidos à pessoa com deficiência cursos, treinamentos e educação continuada (artigo 34, § 4º).O Relatório Mundial sobre a Deficiência (OMS, 2011, online), inclusive, aponta a falta de acesso, seja à informação ou ao meio físico como algumas das barreiras à entrada da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Assim, quando se trata da efetivação do direito fundamental ao trabalho, inúmeros são os obstáculos ainda existentes. Mesmo com a proteção constitucional e diversas leis que estabelecem diretrizes para a inclusão da pessoa com deficiência, como é o caso da Lei nº 13.146/2015, e outras que prevêem o preenchimento obrigatório de cotas nos setores públicos e privados, como se observa pela leitura do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991 e do inciso VIII do artigo 37 da Constituição Federal, não há grande disponibilidade de dados sobre a empregabilidade de pessoas com deficiência e quando existentes tais dados demonstram que as taxas de empregabilidade estão abaixo das taxas da população global (OMS, 2011,online).

Diante do exposto, se discute atualmente outras possibilidades para a inclusão massiva das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. No atual panorama de

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globalização, com a sociedade cada vez mais informatizada, uma modalidade de prestação laboral vem se mostrando como uma opção ao trabalhador com deficiência, o teletrabalho.

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3 TELETRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO

A Lei nº 13.467/2017, popularmente conhecida como “Lei da Reforma Trabalhista”, inovou ao inserir um capítulo dispondo unicamente sobre uma forma de prestação de serviços pelo empregado que a doutrina chama de “teletrabalho”. De etimologia grega, o prefixo tele significa à distância, assim, o teletrabalho seria aquela relação de emprego que se dá longe do estabelecimento do empregador, não se confundindo, porém, com o trabalho a domicílio, tendo em vista que pode o teletrabalho ser prestado em qualquer lugar (BARROS, 2016, p. 213).

A doutrina especializada enumera outros fatores que caracterizam o teletrabalho além da distância. Alice Monteiro de Barros (2016, p. 213) aduz que a inovação tecnológica subverteu a relação de trabalho clássica, sendo responsável por novos tipos de atividade descentralizada, que reúnem informação e comunicação, dentre elas o teletrabalho, realizado no domicílio do trabalhador, em centros satélite fora do estabelecimento patronal, mas em contato com ele, ou em outro local, de uso público.

No mesmo sentido disciplinou o legislador ordinário, ao dispor no artigo 75-B: “considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Acrescenta ainda Geraldo Magela Melo (2017, online):

[...] estará no regime jurídico do teletrabalho quem exercer, na maior parte do tempo, suas atividades extramuros empresariais, mas, via de regra, em um local específico, sem a necessidade de se locomover para exercer suas atividades. Por exemplo, residência própria, biblioteca, cafeteria, mas desde que utilizando das tecnologias da informação e telecomunicação, especialmente por meio da internet, como email, Whatsapp, Facebook, para recebimento e envio das atribuições ao empregado.

É fato que, na sociedade contemporânea, aumentaram significativamente os casos em que o trabalho é prestado longe do estabelecimento e da supervisão direta do empregador. As novas tecnologias vêm permitindo que os obreiros realizem todas as atividades nos mais diversos locais, utilizando os meios telemáticos. Diante disso, observados os conceitos supracitados, pode-se inferir que o teletrabalho é caracterizado pela união de três elementos básicos: a prestação do serviço fora da sede do empregador, a forma de supervisão e comando do empregado e a utilização de meios tecnológicos.

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É sabido que as relações de trabalho vêm passando por constantes processos de mudança desde o advento da Primeira Revolução Industrial. O modelo de produção que até então era manufatureiro, realizado em pequena escala, deu espaço a grandes fábricas localizadas nos centros urbanos, às quais impunham um regime de trabalho com jornadas exaustivas.

A partir de então os avanços tecnológicos se intensificaram. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a corrida armamentista das grandes potências da época, bem como no pós-guerra, no período que ficou conhecido como Guerra Fria, a criação de novas tecnologias permitiu aos exploradores de atividades econômicas aumentar a produção e diminuir os custos.

O aperfeiçoamento dos meios de comunicação permitiu que mensagens e informações pudessem ser transmitidas de forma simultânea, relativizando os conceitos de espaço e tempo. Diante disso, conforme pontuam Pegoraro e Cegarra (2018, p. 136), muitas atividades laborais, em virtude das tecnologias disponíveis, podem ser desenvolvidas à distância ou reunir grupos que, mesmo estando fisicamente em locais diferentes, podem produzir como se em um único espaço físico estivessem.

Diz- se que a origem do teletrabalho se deu nos anos de 1970, a partir dos estudos de um físico da NASA chamado Jack Nilles. Foi ele quem primeiro definiu e utilizou os conceitos de teleworking e telecommuting. Para o estudioso, o trabalho deveria ser levado ao trabalhador e não o contrário (FINCATO, 2016, p. 367).

Denise Pires Fincato (2016, p. 368) acredita que a origem dessa espécie de trabalho à distância é bem anterior aos estudos de Nilles. Consoante o entendimento da autora:

É preciso conjugar o teletrabalho ao surgimento da tecnologia que foi capaz de fazer exatamente o que Nilles profetizou: levar o trabalho ao trabalhador. Assim, é possível, ao menos, apontar que o teletrabalho tem ligação estreita com o surgimento do telégrafo, não o elétrico, o ótico.

Cumpre ressaltar que referido invento foi criado em 1793 pelo francês Claude Chappe e funcionava da seguinte maneira: instalava-se uma série de torres em sequência, da forma mais linear possível. Cada torre possuía um telescópio, o qual emitia sinais que eram vistos com facilidade pelo operador da torre vizinha, que os retransmitia para a torre subsequente.

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Há quem determine que o teletrabalho originou-se anos mais tarde nos Estados Unidos. Em 1857, J. Edgard Thompson, proprietário de uma estrada de ferro descobriu que poderia usar o sistema privado de telégrafo de sua empresa para gerenciar divisões remotas, desde que delegasse a elas um controle substancial no uso de equipamento e mão-de-obra (2019, online).

Diante das aludidas mudanças, surgiu a necessidade de regulamentar essa nova relação de trabalho, caracterizada pela substituição da subordinação jurídica clássica, aquela em que o empregador dá ordens diretas ao empregado, para a telessubordinação que pode ocorrer no momento da execução do trabalho, se o trabalhador estiver conectado pelo computador ao centro de dados da empresa, ou em função do resultado (BARROS, 2016, p.216).

No Brasil, o teletrabalho somente foi regulamentado com a Reforma Trabalhista de 2017, sob forte influência das disposições do Código Trabalhista de Portugal sobre o tema.No entanto,alguns artigos anteriores à reforma já permitiam aos empregadores e empregados utilizarem essa forma de prestação laboral alternativa aos contratos de trabalho clássicos.

Por exemplo, a redação original do artigo 6º da CLT previa o trabalho a domicílio, aduzindo que seria aquele executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estivessem caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Com a modificação realizada pela Lei nº 12.551/2011 houve uma ampliação da espécie trabalho a domicílio para o gênero trabalho à distância, afirmando em seu caput que não há distinção entre o trabalho executado no estabelecimento do empregador, no domicílio do empregado ou à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Assim, pela leitura do aludido artigo, resta claro que ao teletrabalho foi dado o tratamento de qualquer outra modalidade de prestação laboral, assegurando ao trabalhador que a exerce os mesmos direitos garantidos aos demais trabalhadores.

A garantia oferecida pelo legislador ao equiparar teletrabalho com o trabalho presencial, ao mesmo tempo em que é benéfica ao trabalhador, pois lhe garante os direitos previstos na CLT e na Constituição Federal, mostrava-se insuficiente, tendo em vista que as duas modalidades de labor são diferentes e que o trabalho remoto possui peculiaridades, como, por exemplo, o controle de jornada, que necessitavam de regulamentação própria.

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3.2 O contrato de teletrabalho e os elementos que caracterizam a relação de emprego

Conforme assevera Delgado (2012, p. 525), o contrato de trabalho, que viabiliza a concretização da relação jurídica tipificada pelos arts. 2º e 3º da CLT, assume modalidades distintas, segundo o aspecto enfocado em face do universo de pactos laborais existentes.

Para a análise do contrato de teletrabalho, cumpre investigar inicialmente a existência dos pressupostos da relação de emprego, quais sejam: pessoalidade, onerosidade, alteridade, subordinação e habitualidade , presentes no artigo 3º da CLT que assim dispõe: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

No que se refere ao elemento “pessoalidade”, este caracteriza-se não somente pela prestação do trabalho por pessoa natural, mas, além disso, pela relação intuitu personae (obrigação personalíssima) que se estabelece com o prestador de serviços, ou seja, a substituição por outro trabalhador, quando da execução dos serviços contratados, desconfigura a relação de emprego. As únicas exceções à pessoalidade na relação de emprego são aquelas substituições autorizadas por lei, como férias ou licença-maternidade ou quando há uma eventual substituição do empregado com o consentimento do tomador de serviços.

No teletrabalho, o fato do serviço ser prestado longe da supervisão direta do empregador poderia desqualificar o mencionado elemento, contudo, é importante destacar que essa modalidade de prestação laboral se configura substancialmente pela utilização dos meios informatizados para o controle das atividades realizadas pelo funcionário da empresa, assim, os mesmos meios podem e devem ser requisitados para investigar se o trabalho vem sendo efetivamente prestado pelo empregado contratado.

O elemento onerosidade se afigura como sendo a contrapartida econômica devida pelo empregador ao obreiro decorrente da utilização da força de trabalho deste. No mesmo sentido, afirma Delgado (2012, p. 291) que “... a onerosidade manifesta-se pelo pagamento, pelo empregador, de parcelas dirigidas a remunerar o empregado em função do contrato empregatício pactuado”.

Na relação de teletrabalho, assim como em qualquer outra que não seja trabalho voluntário, há a possibilidade de mensuração econômica e, portanto, deve ser remunerada. Observa-se que, nesse tipo de prestação laboral, muitas vezes a medida do serviço prestado pelo empregado se dá com a análise dos resultados produzidos por este, diferente do que ocorre nas relações de trabalho tradicionais, onde a remuneração é devida pelo cumprimento, dentre outros aspectos, da jornada de trabalho pactuada entre empregador e empregado.

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Assim, se determinado trabalhador falta ao serviço, terá o valor equivalente àquele dia de trabalho descontado da remuneração, seja ela semanal, quinzenal ou mensal.

No que tange à habitualidade ou não eventualidade, esta diz respeito ao caráter de permanência da relação empregatícia, não se desconfigurando mesmo que o trabalho seja prestado por um determinado período de tempo ou em dias descontínuos. Há na doutrina especializada diversas teorias que buscam informar o que é o trabalho eventual (DELGADO, 2012, p. 287).

A prestação de serviço à distância, na qual se enquadra o teletrabalho, requer a existência da habitualidade para ser designada como relação de emprego, pois caso não se configure, poderá denotar trabalho autônomo.

A alteridade indica que o ônus e o bônus da relação de emprego serão suportados pelo explorador da atividade econômica, ou seja, pelo empregador. Assim, na relação de teletrabalho não poderá o empregado arcar com os custos decorrentes da utilização dos meios informatizados necessários para a execução do trabalho. Busca-se, com a adoção do aludido elemento proteger a parte hipossuficiente do contrato de trabalho, qual seja, o empregado.

O elemento mais relevante para a caracterização da relação de emprego é a subordinação. É ela quem diferencia a referida relação das diversas modalidades de trabalho autônomo. Conforme destaca Delgado (2012, p. 295):

A subordinação corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.

Da leitura do artigo 3º da CLT, o trecho que se refere à dependência do empregado ao empregador está aduzindo sobre a subordinação. Para Delgado (2012, p. 297) a subordinação possui três dimensões decorrentes das mudanças ocorridas no mundo do trabalho: dimensão clássica, dimensão objetiva e dimensão estrutural.

A dimensão clássica consiste na situação jurídica que decorre do contrato de trabalho, ou seja, por meio deste o trabalhador se compromete a acolher o poder de direção empresarial relativo ao modo de sua prestação laborativa. Em outras palavras, nesse tipo de subordinação o trabalhador recebe, acata e reproduz as ordens dadas pelo tomador de serviços.

No tocante à dimensão objetiva, esta se manifesta pela integração do trabalhador aos fins e objetivos da empresa, exercendo o tomador de serviços poder jurídico sobre a atividade exercida, mas permitindo uma participação colaborativa do empregado.

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Por fim, a dimensão estrutural se refere à inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber ou não suas ordens diretas. Aqui, não há a necessidade de o trabalhador receber ordens diretas do tomador, tampouco se adequar aos objetivos do empreendimento desde que esteja estruturalmente vinculado à atividade do tomador de serviços.

No que tange ao teletrabalho, Delgado (2012, p. 299) assevera que a redação dada ao parágrafo único do artigo 6º da CLT demonstra a adoção de uma perspectiva multidimensional acerca da subordinação que caracteriza essa modalidade de relação de emprego ao equiparar os meios diretos e pessoais de comando, controle e supervisão (subordinação clássica) aos meios telemáticos e informatizados (subordinações objetiva e estrutural).

Alice Monteiro de Barros (2016, p. 216) enfatiza alguns meios capazes de proporcionar ao empregador controlar e supervisionar trabalhadores em situação de teletrabalho:

Se o trabalhador se encontra, por exemplo, em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa, o empregador poderá fornecer instruções, controlar a execução do trabalho e comprovar a qualidade e a quantidade de tarefas de forma instantânea, como se o empregado estivesse no estabelecimento do empregador. A internet permite, inclusive, aferir o tempo de conexão do terminal do empregado, bem como quando foi acessado pela última vez o teclado. Esse controle revela, sem dúvida, a subordinação jurídica, que poderá estar presente ainda quando a execução do serviço seja desconectada (offline). Tudo irá depender do programa de informática utilizado.

Diante do exposto, é possível inferir que, para a doutrina justrabalhista o fato de ser a subordinação jurídica do teletrabalho diferente daquela comumente observada nas relações clássicas de emprego, onde o trabalhador recebe ordens diretas de seu empregador, não significa que ela não exista ou que seja impossível de realizá-la. Ao contrário do que se pensa, os meios eletrônicos e informatizados possibilitam muitas vezes uma supervisão mais ampla, na medida em que armazenam uma grande quantidade de informações e possuem sistemas operacionais mais complexos e eficazes do que qualquer controle humano.

Referências

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