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A prevenção aparece como forma ideal numa sociedade do controle que se utiliza da tensão entre risco e comportamento livre e diverso. Positivado enquanto comportamento ideal constitui em princípio organizativo, atuando no âmbito da saúde, segurança, meio- ambiente etc. É anunciada e enunciada discursivamente aos quatro cantos por instituições de controle e entremeada de categorias cosmológicas como o medo, antecipação, evitação. O projeto textual deste trabalho dividiu-se em três capítulos. O primeiro, em que aponto categorias que viriam a formar a teia metonímica de expansão da violência. No segundo, faço a análise de três situações em que há um esforço coletivo de promoção da prevenção e diminuição da violência. E por fim, o terceiro em que descrevo a situação em que Januário é acusado de roubar o próprio carro num hipermercado.

A partir do arcabouço da linguagem, do discurso e do pó-colonialismo, defendo que a prevenção ao contrário do que é enunciado nos discursos – falas, enunciados, instituições e práticas sociais – não se caracteriza somente por reagir a possíveis situações de violência, mas é produtora de exclusão social e auto/alter caracterizações. As auto-percepções em sua dinamicidade e estratégias individuais acabam por ter, nesse jogo de relações onde o foco ou o objetivo é o afastamento, características como a deterioração e o sentimento de inadequação por parte daqueles evitados. O discurso preventivo é ambivalente e essa ambivalência, como estratégia do poder, contribui no mascaramento da produção, reprodução e reatualização da estrutura de que faz parte.

A cor vigiada remete às seleções feitas no âmbito das relações a partir do significado atribuído a cor/raça negra enquanto signo, num jogo eterno de caracterizações nas quais construções estruturais colaboram para a configuração das mesmas. O resultado disso é em muitas situações e contextos os negros sendo vistos enquanto suspeitos, uma vez que historicamente, estruturalmente e nas práticas cotidianas a cor/raça é um dos elementos estruturantes da suspeita. Os negros, portanto, participam nas relações de poder colonializadas brasileiras como sujeitos ameaçadores, desordeiros e contaminantes, devendo ser controlados e vigiados enquanto tal. Os discursos expressos em enunciados e práticas sociais fazem parte dos mecanismos de controle do poder. Uma das formas atuais de controle é a partir da noção de risco e da prevenção como forma de aplacá-lo. O discurso preventivo, portanto, é aqui considerado como mecanismo de controle e como tal, reatualiza, sob nova forma e com base em categorias estruturais da colonialidade, as relações de poder hegemônicas. A racialidade é aqui entendida de forma ampla enquanto

104 categoria estrutural de instituição da diferença (SEGATO, 2007). E é partindo dessas considerações que localizo a sempre, e porque não, panóptica vigilância da figura dos negros – pretos e todos os seus derivados, sejam eles fenotípicos, culturais ou sociais.

A metonímia de expansão da violência e da desigualdade social se caracteriza pela contigüidade, na qual o medo exagerado do conflito generalizado contribui para que indivíduos, sentindo-se inseguros, procurem meios de sanar essa sensação de risco eminente e constante. Propagandeada por não gerar mais violência, já que seu propósito é o de evitá-la, a prevenção é revestida de discursos midiáticos, publicitários e como é patrocinada pela tecnologia capitalista é amplamente veiculada como algo que vai mudar o mundo. Baseada em estudos científicos, saberes, como bem aponta Foucault, a prevenção funciona como um mecanismo de controle dos corpos e de reatualização e permanência das relações de poder vigentes.

Apesar de apresentada quase que como uma inovação epistemológica e paradigmática ela apenas institui um novo formato discursivo de controle e vigilância dos corpos. Um de seus alvos, o corpo, é controlado ao mesmo tempo em que é usado como mecanismo de controle. Reunindo signos sociais que acionam, nas relações auto e alter caracterizações, esses corpos possuem habilidades e adquirem novas, a partir da aprendizagem e da tecnologia de auto-defesa. O corpo é, então, crucial no projeto preventivo, tanto para o desenvolvimento de habilidades quanto no fato de tentar promover uma aprendizagem de leitura signatária colocando em evidência determinados signos estruturais que são utilizados pelos sujeitos para promover o evitamento.

Os signos da marginalidade são históricos, estruturais e contextualizáveis a depender do processo histórico de construção da nação. São vários os signos, estereótipos, estigmas que contribuem para a caracterização de um indivíduo enquanto suspeito e de outro como vítima, bem como são várias as combinações possíveis entre eles a gerar reações diversas. Gênero, idade, classe social, vestimentas, cor/raça etc. Dentre estes signos alguns são estruturais, a saber, Gênero e raça/cor. Velada, mascarada e negada, a categoria estrutural ―raça‖ vai embasando as elaborações de práticas preventivas, constituindo nas relações o lado pejorativizado, sendo os sujeitos possuidores de suas características marcados e constantemente alvos de violência.

Por fim, reconhecendo a complexidade da realidade a qual me propus a analisar, há dois aspectos ao menos que gostaria de tratar e que ficaram de fora. Um deles seriam as formas de resistência, ações que caracterizem a negação e a luta desses grupos

105 pejorativamente caracterizados. Reações que vão das organizações coletivas até as ressignificações e estratégias individuais no intuito de se localizar e se posicionar positivamente no mundo. Daí, acredito que analisar possibilidades de enfrentamento na tentativa de quebrar, bagunçar ou confundir as significações estruturais naturalizadas seria útil a sua relação com essa negação já existente e seria o segundo aspecto que gostaria de me dedicar um pouco. Dito de outra forma, que ações estão indo e quais poderiam ir de encontro a essa reatualização da estrutura racializada brasileira em suas diversas dimensões, principalmente no âmbito da violência e segurança? São questões, penso, que gostaria de abordar em um outro empreendimento analítico/ investigativo.

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