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CAPÍTULO II – O percurso metodológico de construção de um modelo de

2.1. Considerações gerais sobre a metodologia de construção de perfis conceituais

Para a construção de modelos de perfis conceituais, diferentes zonas devem ser identificadas e caracterizadas, de modo que possam representar distintos modos de pensar um determinado conceito científico (MORTIMER; EL-HANI, 2014).

Tomando como fundamental o princípio metodológico que orienta pesquisas realizadas para identificar possíveis zonas para a construção de um modelo de perfil conceitual específico, a máxima vigotskiana de que só é possível ter uma visão completa da gênese de um conceito se examiná-lo em diferentes domínios genéticos, Wertsch (1985) discute que Vygotsky argumentava que o funcionamento das funções mentais humanas só pode ser propriamente compreendido a partir do exame de seu desenvolvimento nestes distintos domínios: sociocultural, ontogenético, microgenético e filogenético. Vale destacar, ainda, que em seu método, Vygotsky enfatizou o processo mais do que o produto do desenvolvimento no qual as formas superiores são estabelecidas.

Na construção de perfis, os primeiros três domínios devem ser levados em conta. O domínio filogenético não é contemplado nesse processo de construção, pois diz respeito à filogênese, ou seja, à história evolutiva da espécie, às mudanças na estrutura orgânica, em especial do cérebro, que provém limites e possibilidades para o desenvolvimento humano e para Vygotsky este processo segue os princípios darwinianos da evolução (WERTSCH, 1985)

Destaco que, embora exista uma variedade de situações de pesquisa em que o perfil pode ser aplicado, bem como desenhos metodológicos de construção a partir dos quais investigações produzem seus resultados, existem princípios metodológicos que foram consolidados e que permitem identificar as pesquisas que são enquadradas no programa de perfis conceituais (MORTIMER et al, 2014b). O princípio acima referido, que considera o exame de dados nos três domínios genéticos, que analisa uma diversidade tanto de significados atribuídos a um conceito, quanto de contextos de produção destes significados tem sido o mais frequentemente ressaltado na literatura (AMARAL;

MORTIMER, 2006; MORTIMER; SCOTT; El-HANI, 2009; SEPULVEDA, 2010; 2013).

Em relação ao domínio sociocultural, são levantadas principalmente informações sobre a gênese de um conceito no domínio da história, isto é, como a sua compreensão evoluiu ao longo da história da humanidade. Mortimer e colaboradores (2014b) destacam que a finalidade do estudo histórico é contribuir para a compreensão da gênese de um conceito, neste domínio genético, de modo a permitir relacioná-lo com os outros domínios e fornecer uma visão mais ampla dos processos genéticos que estão em jogo. Propõem, ainda, que de certa forma, os estudos históricos iluminam as possíveis trajetórias seguidas na construção da compreensão de um conceito, sendo importante para descrever as mudanças que ocorreram ao longo da história de sua construção e as dificuldades enfrentadas em sua gênese histórica. A proposta não é elaborar uma pesquisa histórica, não é estudar a evolução dos conceitos nos principais documentos históricos, nas fontes primárias, mas em fontes secundárias sobre a história da ciência e em textos epistemológicos. Ainda como parte deste domínio, os estudos epistemológicos, por sua vez, ajudam a entender os vários componentes envolvidos no significado de um conceito, em particular, quando eles fornecem análises filosóficas.

O domínio ontogenético diz respeito à história do desenvolvimento cognitivo do indivíduo e assim, devemos buscar estudos que nos informem sobre como este conceito é aprendido e como evolui ao longo da história de cada sujeito. Para isso lança-se mão da literatura de concepções informais ou alternativas de estudantes, abordados na literatura de educação científica, que podem ser representativos dos processos ontogenéticos de construção do conhecimento na vida cotidiana. Essa literatura também dá acesso às ideias frequentemente utilizadas pelos alunos em vários contextos, fornecendo elementos importantes para a proposição de estratégias de ensino sobre o conceito pesquisado. Mortimer e colaboradores (2014b) enfatizam que, ainda de acordo com Wertsch (1985), a investigação de concepções informais dos alunos por meio de questionários e entrevistas revela também dados relacionados à gênese de um conceito, que é característica do domínio microgenético (WERTSCH; STONE, 1985). Na nossa pesquisa, foi possível o

contato com uma vasta literatura dessa natureza, pois o ensino de genética sempre foi um dos tópicos bem investigados pelos pesquisadores da área de ensino de biologia, dado a sua importância e alto grau de dificuldade de aprendizagem relatada.

Devemos associar esses estudos nos dois domínios bem mapeados, acima citados, com um terceiro domínio, o microgenético, que, na perspectiva vygotskiana, envolve o estudo detalhado de um determinado processo, configurando sua gênese social e as transformações do curso de eventos. Refere-se aos processos de microgênese de um modo de significar e pensar um conceito. Segundo Wertsch (1985), a análise microgenética consiste de poucas sessões interativas, planejadas com o acompanhamento detalhado da formação de um processo, que terá as ações dos sujeitos e as relações interpessoais minuciosamente analisadas. Nestas análises é possível a identificação de transições genéticas, ou seja, de transformações que se dão nas ações e da passagem do pensamento interpsicológico para o intrapsicológico. Estes processos ocorrem em situações de interação e de expressão de ideias, geralmente em um intervalo de tempo curto e circunstâncias específicas, como, por exemplo, em salas de aula, entrevistas e respostas dadas aos questionários. Mortimer e colaboradores (2014b) destacam que:

Os dados obtidos através da análise de livros didáticos e episódios de interação discursiva em sala de aula fornecem informações importantes sobre a ontogênese e microgênese de conceitos. Na análise de livros de texto, também é possível, em alguns casos, ter acesso à informação sobre a origem sociocultural de um conceito (p. 68).

Para a determinação das zonas de um perfil, a metodologia pressupõe um diálogo entre os diferentes domínios genéticos, promovendo, assim, uma combinação de informações teóricas e resultados empíricos, como, por exemplo, os fornecidos por meio de questionários, entrevistas, interações discursivas.

De acordo com Mortimer e colaboradores (2014b) pode haver uma influência mútua entre as fontes utilizadas, o que é coerente com a ideia de trabalhar com diferentes domínios, e, além disso, a necessidade de trabalhar com estes domínios é reforçada, quando se considera o modo pelo qual as zonas de um perfil conceitual são identificadas.

As zonas de um perfil são individualizadas por compromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos. Para identificar esses compromissos, é necessário colocar em diálogo a literatura secundária sobre a história da ciência, literatura epistemológica, a literatura sobre concepções alternativas, e os dados empíricos obtidos a partir de questionários, entrevistas, análise de livros didáticos, e análise de episódios de interação discursiva na sala de aula.

Estes autores advertem que não se pode postular uma hierarquia entre os domínios genéticos. Propõem que duas estratégias diferentes podem ser usadas para tratamento dos dados primários, com riscos diferentes:

...Na primeira, analisamos dados primários, inicialmente de uma forma indutiva, em parte, decorrente de suas categorias de análise com um contato relativamente menor com o histórico, literatura epistemológica e alternativa. Isso evita analisar esses dados, principalmente com base em categorias a partir desta literatura. No entanto, o risco evidente deste tipo de estratégia é chegar a uma classificação muito pobre de dados empíricos, o que tornará muito difícil para o diálogo depois com fontes históricas, filosóficas e concepções alternativas. Afinal, não se pode parar neste ponto da análise, porque as zonas de um perfil não correspondem a essas categorias [...] O segundo tipo de estratégia utilizada para construir modelos de perfil conceitual começa com as fontes históricas, filosóficas e concepções alternativas para desta forma inferir as zonas e, mais tarde, as categorias de respostas que as caracterizam e que serão procuradas no material empírico. Nesta estratégia, há o risco de se elaborar um quadro teórico bem articulado, mas que não leva em conta os dados empíricos, porque podem ser muito mais ricos do que a articulação alcançada para esse quadro. Outro problema é a possibilidade de um desvio excessivo na interpretação dos dados primários (MORTIMER et al, 2014b, p. 69-70)

É importante que nas duas estratégias metodológicas utilizadas, acima mencionadas, haja o esforço para reduzir os riscos descritos, procurando colocar os dados obtidos a partir de diferentes domínios genéticos em diálogo constante. Apesar dos diferentes procedimentos e dos riscos que caracterizam cada estratégia, é importante ter em conta que elas não são excludentes e podem ser usadas para construir o mesmo perfil conceitual. Os autores advertem que esta ordenação ocorre por razões puramente metodológicas e não reflete suposições sobre uma hierarquia dos domínios. É a união de todos os domínios que torna a metodologia rica, e não uma suposta hierarquia entre eles.

Sepulveda (2010) destaca que:

[...] as fontes referentes à história do desenvolvimento do conceito e as revisões epistemológicas a seu respeito, assim como os dados da literatura sobre concepções alternativas, fornecem um grande suporte para a formulação de hipóteses pelo pesquisador a respeito dos compromissos epistemológicos e ontológicos que estabilizam e estruturam as diferentes formas de pensar o conceito. No entanto, estas hipóteses precisam ser constantemente reformuladas, à medida que são considerados os dados empíricos referentes a entrevistas, questionários e registros de interações discursivas em sala de aula. O diálogo com estes dados permite testar o quanto as categorias formuladas a partir da literatura mencionada acima, seja ela referente à história e filosofia das ciências ou às concepções alternativas de estudantes, são de fato encontradas nos enunciados produzidos por pessoas de diferentes universos culturais, em situações reais de comunicação e interação social (p. 60).

O conjunto de dados mencionado deve ser examinado de modo a serem identificados os compromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos que estabilizam modos de pensar e formas de falar sobre os conceitos e desta forma, possibilitam individualizar zonas de um perfil (MORTIMER; SCOTT; EL- HANI, 2009; MORTIMER et al., 2014b). Esta perspectiva dialógica acerca da relação entre os dados referentes aos diferentes domínios genéticos da formação do conceito se encontra fundamentada na abordagem de Vygotsky à investigação do desenvolvimento das funções mentais humanas (SEPULVEDA, 2010).

2.2. As fontes de dados examinadas, a natureza dos dados empíricos