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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

3 O RUÍDO DA POLÍTICA

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

“A imagem de um desenho de ondas contínuas sendo quebradas e desconfiguradas”; “água corrente eterna”; “interferência”; “conflito”; “um problema para a comunicação”; “não se ouvir”; “pessoas que não se entendem”; “dor no ouvido”; “falta de ordem no entendimento da recepção”. Estas são algumas das respostas enviadas à pergunta: o que se manifesta quando você lê a palavra “ruído”? Nesta pergunta encontrava-se a intenção de fazer o ruído aparecer como se estivesse incorporado, como a memória de um conflito, digamos, dentro da linguagem. As respostas parecem falar por si. Assim, provavelmente, alguns discordariam se começássemos o texto anunciando que vivemos num mundo ruidoso. Mas, o que ainda ouviríamos se pudermos imaginar cada máquina que nos cerca desaparecer instantaneamente? Desta maneira, talvez uma imagem do silêncio se formasse para nós. Porém, ao retornar dessa atividade seríamos pressionados por um plano saturado de ritmos: vozes e motores mecânicos, os alertas dos dispositivos eletrônicos, a chuva sobre o asfalto, os sapos e os grilos, o zumbido do mosquito, etc. Se, a natureza é uma indústria, o ruído é a imagem original da cidade.

O ruído, por sua incomensurabilidade, escapa à tentativa de uma definição que dê conta de todos os aspectos através do qual pode se manifestar. No entanto, lembrando os trabalhos de Pereira, Castanheira e Sarpa (2011), Whitehead (2013), Trotta (2019), Novak (2013) e

Zwintscher (2019) reconhecemos a recorrência da aparição do ruído sob algumas acepções: 1) definido pela ciência acústica como um fenômeno físico produzido por vibrações aleatórias e irregulares cujo não se pode distinguir a frequência: ruído branco; 2) Como oposição à música enquanto sistema; no sentido de haver um controle sobre os sons que desdobra-se na distinção entre sons musicais e não-musicais; 3) Na compreensão de um som como tóxico, indesejado, incômodo e desagradável: como um poluente; 4) como uma configuração artística, geralmente, agrupada em torno do “Noise”, que tensiona as fronteiras entre gêneros musicais. Podemos ainda apontar uma quinta definição de ruído, que parece ressoar da primeira definição por está agenciada ao interesse científico pelo som enquanto objeto de estudo na modernidade, mas que está intimamente ligada ao desenvolvimento da termodinâmica, da estatística e da física probabilista e, consequentemente, adotada pela teoria da informação de Claude Shannon e pela cibernética de Norbert Wiener. Neste sentido, o ruído torna-se

tanto uma transformação metodológica quanto um novo status científico das noções de incerteza, probabilidade e erro em relação às médias estatísticas. Assim enriquecida, a definição subsequente de ruído na cibernética e na teoria da informação passou a abranger também, retrospectivamente, o conceito de entropia física e, mais geralmente, a incerteza, a variação estatística e o erro. Não mais considerado apenas como um fator de perturbação, prejudicial à informação como "ruído estático" no canal de comunicação, o conceito em evolução de ruído também se torna constitutivo de novas formas de conhecimento e de novas formas de compreender a organização. Essa nova conotação de ruído entrou na linguagem comum como um efeito colateral do "paradigma da informação" que herdamos da teoria da informação e da cibernética. (MALASPINA, 2018, 1-2)

Esta imagem do ruído arrasta o nosso interesse de analisá-lo enquanto um elemento catalisador para as formações e transformações de máquinas e sistemas, funcionando como um aliado para a nossa reflexão sobre os conflitos políticos que gravitam a sua aparição. Acreditamos que tanto a teoria da informação quanto a cibernética são imagens científicas que se agenciam à proposta de uma ontologia das máquinas. Neste caso, tanto a noção positiva do ruído, vinda de Shannon, quanto a sua noção negativa, vinda de Wiener, nos servirá como um dínamo para atravessar o ruído enquanto miríade vibratória. Para Malaspina (2018), embora a cibernética não tenha tornado-se um paradigma científico transdisciplinar, o conceito de ruído, progressivamente, estendeu-se até as ciências naturais e humanas. Neste caso, pode-se considerar a influência significativa, por exemplo, da cibernética para a nossa discussão sobre

as máquinas. Se um dado é a forma fundamental da informação, consideramos que as vibrações maquínicas são informações, então, se ampliarmos gradualmente a nossa reflexão chegaremos ao cotidiano saturado de informações. Por isto, a consideração sobre a presença do ruído se intensifica, assim como a discussão sobre as máquinas, a partir da Revolução Industrial. O desenvolvimento da maquinaria e a proliferação das máquinas mecânicas e elétricas aumentam consideravelmente a intensidade da informação no mundo. Portanto, a reversibilidade entre informação e o ruído torna-se evidente:

demasiada informação, e também a repetição da mesma informação ad nauseam, torna-se ruído, enquanto informação radicalmente nova cai em ouvidos surdos quando falta contexto e critérios de pertinência para distinguir adequadamente informações do ruído. (MALASPINA, 2018, 2)

De acordo com Malaspina, apesar da complexidade da relação entre informação e ruído, este é frequentemente considerado, a partir da analogia com o som abrupto que interfere na comunicação, como a negação da informação. Como veremos, esta noção do ruído possui raízes profundas através do qual desdobram-se uma série de oposições conceituais; claro e escuro, ordem e desordem, puro e impuro, bom e mau, útil e inútil, desejado e indesejado, etc. Porém, da ideia probabilista de que “o mundo conforme existe realmente é substituído, de uma outra maneira, pelo mundo conforme seja observado”, (WIENER, 1948, 20) supomos que tais oposições são produzidas dentro de sistemas complexos que se justificam enquanto partilhas do sensível (RANCIÈRE, 2005). Neste sentido, humanos arranjam-se a diversas outras máquinas e produzem as suas máquinas sociais enquanto processo de comunicação e regulação de um sistema, por exemplo, o “apolíneo”. Pressupomos, portanto, uma dimensão política na formulação de tais oposições. Ainda que o ruído se apresente enquanto pura materialidade, as disputas em torno do seu sentido acabam por informar retrospectivamente a sua condição. É neste sentido que o conceito de ordem supõe negar o ruído através do controle da informação.