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Considerações iniciais sobre a constituição do ethos no discurso político

CAPÍTULO III: A CONSTITUIÇÃO DA IMAGEM DE SI NA POLÍTICA DA

3.1 Considerações iniciais sobre a constituição do ethos no discurso político

Como bem sabemos, o sujeito que fala não escapa à questão do ethos, a fortiori o sujeito político, conforme aponta Charaudeau (2008). Isso porque todo ato de tomar a palavra implica

na construção de uma imagem de si. Quando se trata do sujeito político, a construção da imagem de si, sobretudo do bom gestor, é fundamental, visto que precisa ser digno de credibilidade. Isso se deve ao fato de que os candidatos políticos procuram afastar-se do estigma de que políticos são mentirosos e dissimulados:

Diante desse descrédito sofrido pelo discurso político, quando confrontado à eficiência de uma ação efetiva, que poderia ser sintetizado numa sequência bastante corriqueira como "Esses políticos só falam, mas não fazem nada!", uma das estratégias mais frequentes de seu enunciador é a de antecipar-se ao preconceito que lhe ronda, tentando construir para si um ethos de competência e realização. (PIOVEZANI, 2007, p. 113).

Evidentemente, as condições de produção do discurso e, por consequência, do discurso político contemporâneo, já não são as mesmas,pois as campanhas eleitorais são mediadas pela tecnologia virtual e o sujeito político atual não faz a construção da imagem de si apenas pelas palavras – em sua realização oral ou escrita – como esteve tradicionalmente pautado o estudo do ethos, mas sobretudo a partir do corpo, dos gestos, das roupas, dos acessórios, da imagem, que poderá ser registrada através de fotografias, de selfies, de lives, de vídeos (que ainda contam com aplicativos de filtros) que podem corroborar para legitimação de seu discurso. Assim, nem sempre o sujeito falará de si diretamente (verbalmente), por vezes, poderá apenas mostrar, por exemplo, através de uma imagem, de um vídeo. Dessa forma, todas as dimensões linguísticas, discursivas e midiáticas contribuirão para a compreensão da constituição do ethos.

A imagem que projetamos diz muito sobre quem somos, mas também sobre quem desejamos ser. No campo político, a maioria dos candidatos busca construir a sua imagem atrelada à ideia de um homem honesto, trabalhador, justo, carismático, popular, isto é, em geral percebe-se um esforço em projetar uma imagem positiva de si, o que nem sempre será completamente eficiente, pois ele duela com a imagem prévia que o outro constrói dele, e também da imagem que seu opositor atribui a ele. Além disso, vale destacar que, quando se trata de discurso e de ethos, a falha, o equívoco, é um elemento constitutivo, por isso não podemos garantir que a produção de um ethos visado será aceito e/ou compartilhado pelos co- enunciadores.

Essa ideia de projeção da imagem de si é muito antiga, tem sua origem na filosofia grega a partir dos pressupostos da Retórica de Aristóteles, quando considerou o ethos como uma das provas mais importantes da persuasão. Essa noção foi fonte de estudo de muitas áreas, como a Filosofia clássica, a Retórica, a Teoria da Argumentação, a Pragmática e a Análise do Discurso. Isso significa que o conceito foi ganhando reformulações e se ampliando para que pudesse

acompanhar as metamorfoses da fala pública, ou seja, com as transformações ocorridas no discurso político, que saiu das praças, das tribunas e dos palanques, cujo foco principal era o discurso falado; depois pela tevê, em que se operavam o corpo, os gestos e a voz; e atualmente, com o advento da internet, vê-se o mundo virtual, por meio das telas de computador, de laptops, de tablet e de celulares, nos quais se configuram diversos aplicativos e dispositivos, como as redes sociais, blogs e sites, capazes de operar diversas semioses para a constituição da imagem de si.

Conforme já dissemos, considerando que a fala pública não é mais governada pelos mesmos dispositivos de outrora, D. Maingueneau, em entrevista publicada na ReVEL - Revista Virtual de Estudos da Linguagem, em 2006, quando questionado sobre qual seria o caminho possível para os estudos da linguagem, na perspectiva da Análise do Discurso, ele aponta para a compreensão sobre os textos como realidades plurissemióticas, dando lugar às formas de expressão e às imagens:

Na medida em que ela (a AD) trabalha sobre textos que são realidades sempre plurissemióticas. Seja no texto oral, em que é preciso, em particular, prender por completo a dimensão gestual, ou no escrito, cuja materialidade tem sempre algo a ver com uma imagem. De toda maneira, o analista do discurso não pode jamais tratar da língua “pura”. O analista do discurso que estuda a publicidade, por exemplo, é obrigado a apelar aos conhecimentos da semiótica da imagem, mas no interior de um quadro que foi definido pela AD. Existe, na verdade, uma grande diferença entre a semiótica como uma disciplina que visa a abranger as condições de manifestação do sentido em toda sua diversidade e as semióticas regionais: semiótica do corpo, da imagem, do cinema, da narrativa, do gesto etc. Os analistas do discurso recorrem de bom grado às semióticas regionais, mas se mostram desconfiados no que concerne “à” semiótica como uma disciplina globalizante cujo estudo do discurso somente seria um ramo [...] (MAINGUENEAU, 2006, p. 4)

Com isso, o linguista francês vai estabelecer uma diferença necessária ao trabalho do analista para proceder com os estudos de seu objeto fundamental – o discurso – buscando entender a natureza desse objeto evitando uma análise puramente linguística. É nesse sentido que ele entende que os estudos semióticos são convocados para o diálogo, porém tendo no horizonte uma semiótica como domínio de disciplina e campo teórico, e as semióticas específicas determinadas pela natureza do objeto, conforme o autor lista acima. É essa linha de abordagem que oferece contribuições aos analistas quando se procede com análise de materialidades discursivas constituídas signos que não se reduzem ao linguístico.

Nosso interesse em dar continuidade a esse campo de estudo é sobretudo refletir que diante das mutações historicamente sofridas pelo discurso político, também é possível pensar que a noção de ethos precisa se adequar às transformações da fala pública, diante das

formulações discursivas contemporâneas marcada pelo sincretismo semiótico. Assim, podemos afirmar que, com os avanços das tecnologias da comunicação, não se faz mais política sem imagens e muito menos sem os dispositivos da mídia digital, e nós, analistas do discurso, precisamos estar atentos às mudanças imprescindíveis que decorrem desses dispositivos. Por isso, reafirmamos a importância de se ampliar esse conceito frente às novas emergências discursivas formuladas nas redes sociais virtuais.

As redes sociais apresentam-se como dispositivo capaz de operacionalizar diversas manifestações discursivas. O Facebook, no entanto, tem se destacado por ser considerado como um dos espaços de maior interação e visibilidade e, também, pelo número expressivo de usuários conectados a essa rede nesta última década. A partir dessa informação, podemos então compreender a adesão e o engajamento dos políticos nesta plataforma, com vistas à divulgação de sua campanha, bem como a construção das imagens de si.

A noção de ethos apresenta muitas evoluções e dificuldades devido ao crescente interesse de trabalhos desenvolvidos em torno desta temática, fato que revela a necessidade de contínuas reflexões teórico-metodológicas. Em um de seus recentes trabalhos84, Maingueneau (2016) afirma que a concepção usual de ethos discursivo é insuficiente e que, por isso, ele revela que essa noção carece de algumas modificações. Para isso, ele utiliza em suas análises diferentes tipos de corpora para demonstrar a complexidade do conceito de ethos discursivo.