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A emergência do objeto discurso político na França: “Le temps de grandes

CAPÍTULO 1 DISCURSO POLÍTICO: UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICO-

1.3 A emergência do objeto discurso político na França: “Le temps de grandes

Fig. 2: Maio de 68/França: uma revolta estudantil com obsessão discursiva

Fonte: ricardoorlandini.net

Conforme dissemos, tomando por base a leitura de Denise Maldidier (1990), a “Escola Francesa da Análise do Discurso”23 foi constituída entre o meado dos anos 1960 e o início da década de 1970 sob uma atmosfera de protestos e manifestações estudantis ocorridas na França, mais conhecida como Maio de 68. Esse movimento social começou na Universidade de Nanterre, em torno das reformas no setor educacional, inicialmente com debates, seguidos de ocupações, atos púbicos, protestos de rua. No livro História do Estruturalismo: o canto do cisne de 1967 aos nossos dias, François Dosse (1994) esclarece o ‘pensamento de 68’ a partir de dois personagens que lecionavam em Nanterre: o sociólogo Alain Touraine e o filósofo Henri Lefebvre. Touraine fazia um paralelo entre os movimentos estudantis e os movimentos operários e compreendia a universidade como espaço da ação e mudança da sociedade. Lefebvre, por sua vez, combatia o estruturalismo na teoria e na política, por ser uma negação do movimento dialético da história.

Enquanto o estruturalismo estava sendo combatido nas universidades pelos estudantes, a expressão dessa recusa estava exposta nas ruas de Paris: “as estruturas não vão às ruas”, isto é, para os jovens estudantes, o estruturalismo não era capaz de explicar a realidade, as teorias não davam conta dos problemas sociais. A onda de maio de 68 foi, portanto, protagonizada pelos estudantes universitários, seguida imediatamente pelos sindicados de trabalhadores, por artistas e intelectuais.

Podemos compreender o maio de 1968 como um momento em que os propósitos políticos e intelectuais pareciam formar uma unidade. A revolução começou nas universidades e se estendeu às províncias e aos operários; as ruas, com cartazes e pichações expressavam o desejo de alinhamento entre a luta de estudantes e operários. Notadamente o ano de 1968 é marcado pela efervescência política e pelo fortalecimento dos movimentos de resistência às políticas capitalistas e imperialistas.

Por conseguinte, os teóricos do discurso tomaram como seu objeto discurso político escritos, “pronunciados”, em geral, pela esquerda francesa. Os analistas faziam da teoria e da análise um campo de luta política e participação efetiva na vida do país como modo de se posicionar frente à agitação política que tomava conta do país nas décadas 1960 e 1970, marcadas pela oposição direita/esquerda. Conforme explica Courtine:

Maio de 68 produziu uma exasperação da circulação dos discursos, sobre as ondas, sobre os muros e na rua. Mas, também, no silêncio das escrivaninhas universitárias. Era o tempo da multiplicação das releituras, das grandes manobras discursivas; os conceitos se entrechocavam: a luta de classe reinava na teoria. E questões surgiam: o que é um discurso teórico? E, sobretudo, o que é ler? Como reconhecer, em sua leitura, um discurso científico? A leitura dos textos aparecia, no interior do debate marxista, como um jogo teórico e político, decisivo. (COURTINE, 2006, p.10).

Assim, a partir da segunda metade dos anos 1960 na França, sob a influência da crise do estruturalismo e das agitações políticas e culturais que estouraram no Maio de 68, foram sendo gestadas outras formas de conceber as ideologias e sua relação com os discursos. O surgimento dessa “problemática linguística do discurso é contemporâneo ao acontecimento de maio de 1968, uma revolta estudantil com obsessão discursiva, uma exasperação da produção de discursos, uma multiplicação de sua circulação, uma inundação verbal que enchia as ruas e as mídias” (COURTINE, 2006, p. 52).

Piovezani acrescenta, ainda, que existem relações estreitas unem a AD a uma conjuntura de grandes “acontecimentos discursivos”:

as manifestações, gritos, panfletos e pichações nas ruas, em maio de 68, repercutiram nas letras e foros dos jornais e, ainda mais, no som e na imagem de tevê; além disso, as discussões em torno do projeto do Programa Comum da esquerda ocupavam corações e mentes francesas. Sua emergência dá-se em meio a uma grande circulação de discursos políticos e seus primeiros desenvolvimento coincidem exatamente com o momento de consolidação muito provisória da Union de Gauche. Nenhuma surpresa, portanto, quanto ao objeto de análise que seria privilegiado pela AD, em suas origens: o discurso político. (PIOVEZANI, 2009, p. 163).

Como vimos, a Análise do Discurso tem um complexo surgimento, num momento específico do quadro político francês. Naquela direção, a AD propunha analisar o discurso político escrito, que atendia aos propósitos de militância dos membros que compunham o grupo liderado por M. Pêcheux. Então, a partir dos acontecimentos políticos (e discursivos) de Maio de 68, a Análise do Discurso erigiu-se como política de leitura de textos políticos, mais especificamente dos textos políticos de Esquerda Francesa.

Nesse sentido, em decorrência desse movimento político e teórico, a AD aparece inicialmente em seus primeiros anos de desenvolvimento do campo teórico como “uma prática de leitura de textos políticos”, conforme nos revela Courtine:

A AD teve, assim, como efeito produzir um modo de leitura dos discursos por meio de um conjunto de dispositivos que se aparenta ao que eu nomearia, por metáfora, uma domesticação do olhar sobre os textos: uma mensagem obrigatória do olho, uma canalização da observação dos textos que operam, na materialidade gráfica de um campo de arquivos doutrinários, uma separação entre elementos captados e elementos residuais (COURTINE, 2006, p. 20).

Nesse período, as primeiras pesquisas desenvolvidas da AD eram ação e efeito da conjuntura política, cultural e intelectual francesa, em que se buscava a criação do “Programa Comum” das diferentes vertentes da esquerda francesa, haja vista que a “fusão” partidária, produziria uma “confusão” discursiva. Desse modo, para Piovezani (2009, p. 167), “a ambiguidade da política e a opacidade dos discursos contribuíram para a predominância de análises que contrastavam os discursos do Partido Socialista e do Partido Comunista Francês”, conforme nos mostra Courtine:

As análises contrastivas dos discursos socialistas e comunista forneciam, assim, sob resguardo de uma posição “científica”, um contraponto à “linguagem unitária” da Esquerda; elas separavam, por meio de dispositivos técnicos, o que uma confusão possível unia em nível de leitura; elas redobravam ali os efeitos próprios da conjuntura política – marcada pela oscilação incessante entre o apelo do senso comum às palavras e a interpretação divergente que cada um podia fazer delas –, vai e vem entre as tentações unitárias e sectárias que unem e dividem desde sua origem o movimento operário francês. (COURTINE, 2006, p. 22).

Ademais, para Courtine (2006, p. 52), esse “momento discursivo” intenso fez sentir seus efeitos além dos clamores nas ruas. No trabalho teórico, a ideia que se impôs foi a de que a crítica dos discursos era a primeira tarefa de qualquer crítica. M. Foucault aspirou, em Arqueologia do saber (1969) e na Ordem do discurso (1971), desfazer os liames que, silenciosamente, teciam a relação entre o discurso e o poder, na materialidade de seus enunciados.

A princípio é válido assinalar que “alguns acontecimentos teóricos da conjuntura francesa nas ciências humanas e sociais, nos anos 1960-70, tiveram efeitos na emergência e desenvolvimento da AD”. Segundo Narzetti (2012, p. 21-27), “a ‘atmosfera teórica’ das décadas sessenta e setenta está preenchida por uma série de conceitos e pressupostos convergentes, muitos dos quais estão presentes na AD francesa, dispersos em suas diversas linhas”.

O Estruturalismo, nascido na Linguística com o pensamento de F. Saussure, pode ser considerado um modelo para o desenvolvimento das outras ciências do mesmo campo, visto que a Linguística estrutural possuiu uma influência renovadora sobre outros campos do saber, sendo assim considerada “ciência piloto” das ciências sociais. Outro acontecimento que marca a conjuntura francesa na qual expande a AD, é a ascensão do marxismo e da Psicanálise como referências gerais do campo das ciências humanas e sociais. E por último, a epistemologia histórica francesa também teve grande importância para o pensamento da época, com a passagem da filosofia da experiência para uma filosofia do saber, da racionalidade e do conceito, até então, concentrada nas ciências exatas e biológicas, volta-se para as ciências humanas a partir dos anos sessenta.

Nos fins da década de 1960, no contexto da conjuntura teórico-política francesa, surge um movimento, que a posteriori iria se chamar Análise do Discurso, que atendia aos propósitos de militância do grupo liderado pelo filósofo Michel Pêcheux e Jean Dubois, o lexicógrafo. Dubois participa de empreendimentos em torno da conquista da Linguística, enquanto Pêcheux se inscreve de imediato nas questões sobre as ciências humanas. Os fundadores e seus respectivos grupos embora tivessem preocupações distintas para suas pesquisas e análises, conforme já mencionamos, ambos estavam ocupados pelo espaço do marxismo e da política, conforme nos explica Mussalim (2006):

É pois, sob o horizonte comum do marxismo e de um momento de crescimento da Linguística – que se encontra em franco desenvolvimento e ocupa o lugar de ciência piloto – que nasce o projeto da Análise do Discurso (doravante AD). O projeto da AD se inscreve num objetivo político, e a Linguística oferece meios para abordar a política. (MUSSALIM, 2006, p. 102).

O grupo em torno de Dubois, na Université de Paris X – Nanterre, em suas primeiras tentativas de análises do discurso político pretendeu descrever o “vocabulário político”24 de algumas instâncias e instituições. Certamente os liames entre a Linguística e a política já era notado, mas não era possível distinguir claramente os limites entre a lexicologia e a Análise do Discurso. “Dubois falava de submeter o texto somente ao aparelho da “gramática” (MALDIDIER, 2010, p. 17).

De outro lado, Pêcheux desenvolvia uma análise do discurso estritamente ligada a uma teoria geral das ideologias, na linha aberta por Althusser, a qual abarcava uma reflexão

24 A revista Cahiers de Lexicologie publicou muitos trabalhos com essa perspectiva entre os anos 1967 e 1970. Além dessa, Jean Dubois contribuiu decisivamente na fundação e consolidação de Langages e Langue Française, veículos privilegiados na circulação dessas primeiras reflexões.

filosófica muito particular sobre as ciências sociais. Os primeiros trabalhos do autor sobre análise do discurso são dois artigos – Analyse de contenu et théorie du discours (1967), publicado em Psychologie Française, Vers une technique d’analyse du discours (1968), publicado em Bulletin du CERP, e o livro Análise Automática do Discurso, de 1969, resultado de sua tese defendida em 1968, uma obra que traria uma contribuição histórica e decisiva para a AD como disciplina científica.

Em seus primeiros trabalhos publicados, Pêcheux trabalha no CNRS, no Laboratório de Psicologia social, ao lado de Paul Henry e Michel Plon, que são seus primeiros companheiros. Aos poucos Pêcheux vai compondo um grupo de pesquisadores de áreas diversas – Linguística, Psicologia, Matemática, Informática. Na primeira metade da década de 1970, pesquisam juntamente com Pêcheux, além de Michel Plon e Paul Henry, Denise Maldidier, Régine Robin, Claudine Normand, Catherine Fuchs, Françoise Gadet, Claudine Haroche, Jacqueline Léon, alguns desses atuavam no grupo de Dubois.

As diferenças significativas que marcam essas duas linhas de AD nem sempre foram evidentes, uma vez que esse campo passou pela constituição de uma edição que apagou as especificidades e os debates entre suas linhas, como nos explica Maldidier (1994, p. 23): “Para além das divergências e dos confrontos teóricos, que marcam desde o início a história da análise do discurso [...], se põe em ação uma prática efetiva de análise do discurso, que representa uma espécie de sincretismo”. Ainda, conforme Maldidier (2003):

[...] o campo da análise do discurso, largamente investido pelos linguistas e historiadores marxistas, era o lugar de confrontos teóricos muito vivos. A clivagem principal se situava entre aqueles que, na perspectiva de uma teoria do discurso, procuravam ‘articular’ língua, ideologia e discurso, e aqueles que, próximos da “sociolinguística”, se prendiam à descrição da diferenciação linguística dos grupos sociais. (MALDIDIER, 2003, p. 36).

Desse modo, Marcellesi, Gardin, Guespin, Chauveau, Courdesses, Slakta etc., dão continuidade, em diferentes graus, à perspectiva de Dubois, cuja análise do discurso insere-se numa sociolinguística e busca, assim, evidenciar a individuação linguística dos grupos sociais, centrada nos traços formais que diferenciam os discursos e os tipos de discurso (MARANDIN, 1979). Dos analistas do discurso ligados ao grupo de Nanterre, Robin, Maldidier e Gadet, principalmente, assumem a perspectiva de Pêcheux, engajando-se no projeto de uma teoria do discurso, centrada numa “problemática da significação” (idem, 1979, p. 34) ou do sentido, em relação com uma teoria das ideologias, conforme pensada por Louis Althusser.

Desse forma, ainda que a AD tenha nascido preocupada com seu objeto “discurso político”, não surgiu como uma disciplina pensada como hoje, nem no interior da Linguística.

Ela surge como um horizonte para o projeto althusseriano, uma vez que a ideologia deve ser estudada em sua materialidade. A linguagem seria, portanto, um lugar privilegiado em que a ideologia se materializa, nesse sentido, “a linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da ideologia”. (MUSSALIM, 2006, p. 104).

Tratava-se, portanto, de uma perspectiva de pesquisa que tem sua emergência e configuração determinada em um campo teórico e metodológico heterogêneo, no seio das forças do estruturalismo, do marxismo, da psicanálise, conforme reflete Piovezani:

Tratava-se de uma perspectiva de pesquisa que surgia na França dos anos 1960, no seio do desenvolvimento estruturalista, sob a forma de uma “síntese” entre certa linguística e certa psicanálise, sob a égide de certo materialismo histórico – uma “mistura” tão ao gosto daquele contexto francês. Se considerarmos o advento da Análise do Discurso no interior da história da Linguística – embora saibamos que a AD, em seus primórdios, não tenha pretendido uma disciplina linguística e, de fato, nem mesmo uma “disciplina” –, observamos que o projeto de sua constituição manifestava-se tanto como um reconhecimento da produtividade científica do e uma relativa adesão ao corte saussuriano quanto como uma sua tentativa de recusa e superação. (PIOVEZANI, 2009, p. 162).

Baseada no desenvolvimento das ciências humanas e sua "ciência piloto", a linguística formal de Ferdinand de Saussure, a Análise do Discurso nasce justamente em meio à “crise epistemológica da linguística” em que a semântica veio perturbar seus paradigmas estruturalistas , ao resgatar os cortes saussurianos, questionando, nos estudos linguísticos, o lugar do sujeito, da história e da sociedade, pois não seria possível dar conta dos estudos dos significados, tomando como objeto somente a língua.

Nesse sentido foi possível reconhecer que “os postulados de Saussure haviam possibilitado focalizar o funcionamento linguístico, mas, em contrapartida, os princípios estruturalistas dessa linguística não poderiam ser aplicados indistintamente à produção de sentidos na sociedade” (PIOVEZANI, 2009, p. 162). Para analisar, destarte, as condições de produção do discurso, era preciso romper com a “linguística da língua” e pensar numa “linguística da enunciação”. Não obstante Pêcheux não concebesse a sua AD como uma teoria do campo da Linguística, essa ciência e Saussure têm papel de elemento constitutivo da AD, como instrumento teórico para a constituição do campo. (NARZETTI, 2012, p. 56).

Os trabalhos desenvolvidos por Pêcheux nesse contexto seguiam seu método/modelo ainda estrutural, baseado em computadores, na tentativa de uma análise automática dos discursos. A Análise Automática do Discurso é, portanto, a obra que marca o início da AD na França, em 1969, em que Pêcheux propunha, conforme Gadet e Hak (2007, p. 15), a “fornecer

às ciências sociais um instrumento científico de que eles tinham necessidade, um instrumento que seria a contrapartida de uma abertura teórica em seu campo”. Momento que coincide com o surgimento dos primeiros algoritmos de tratamento do texto, que permitiram a elaboração de métodos de uma análise automática do discurso.

Conforme Maldidier (2003), em AAD Pêcheux buscou desenvolver um dispositivo técnico complexo informatizado, por meio do qual vislumbrou um conjunto de procedimentos computadorizados que pudessem funcionar como uma máquina de ler, que arrancaria a leitura da subjetividade. A autora considera importante destacar que Pêcheux, “naquela época, dispunha de uma concepção ainda simples da língua, fortemente marcada pela ideologia estrutural: a base invariante (sintaxe) vs a seleção combinação (léxico)”. (MALDIDIER, 2010, p. 17).

Os primeiros trabalhos de Pêcheux dizem respeito à definição do conceito de discurso, em relação aos conceitos de língua e fala, de Saussure, e em relação à ideologia, como definida por Althusser, bem como um método automático de análise do discurso construído sobre a base da Discourse analysis do linguista americano Harris25, escrita em 1952, “um método elaborado para estender o distribucionalismo a unidades transfrásticas. Inclusive, oficialmente, o termo análise do discurso é a transposição em francês do termo discourse analyses”, conforme Maingueneau (1990, p. 68).

Ao se apoiar sobre o político, “a AD nasce na crença em uma visão de intervenção política, porque aparece como portadora de uma crítica ideológica apoiada em uma arma científica, que permitiria um modo de leitura cuja objetividade seria insuportável” (GADET, 1997, p. 8). Com base em um corpus especificamente político, Pêcheux e seu grupo praticou uma Análise do Discurso estritamente ligada a uma teoria geral das ideologias, na linha aberta por Althusser:

A análise do discurso político invocou em seu início o “materialismo histórico” e uma “teoria das ideologias” tal como definida por Althusser. Em seguida, ela se apropriou, ao final de um trabalho crítico, do conceito de “formação discursiva” proposto por Foucault e deu lugar a pesquisas que tinham por objetivo revelar os pressupostos

25 Pode-se considerar nesse trabalho o primeiro dos fundamentos teóricos sobre o problema do discurso na linguística moderna: os procedimentos da análise distribucional aplicados por Harris ao todo das frases de um texto serviram como base para numerosos trabalhos em análise do discurso e especialmente da análise do discurso político, particularmente na França. (COURTINE, 2006, p. 60). Desse modo, nota-se que o método distribucional desenvolvido por Z. Harris foi considerado decisivo para a constituição da Análise do Discurso enquanto disciplina, o qual consegue livrar a análise do texto do viés conteudista, apesar de reduzi-lo a uma frase longa – como teórico que mostrou “[...] a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas meramente à frase” ao estender procedimentos da linguística aos enunciados (discursos). No entanto, a obra de Harris acaba por torna-se limitada à AD porque não foi capaz de refletir sobre a significação e as considerações sócio-históricas. (BRANDÃO, 1986, p.15).

ideológicos que se escondiam sob a linguagem, isso com a ajuda de métodos de análise diversos (análise automática, análise distribucional, análise lexicométrica etc,). (CHARAUDEAU, 2008, p. 35). (Grifo nosso).

A análise de cada sequência discursiva, conforme o próprio Pêcheux (1983), era “considerada uma operação autônoma, um pré-requisito indispensável para a análise discursiva do corpus” (PÊCHEUX, 1997, p. 312) regulado por condições de produção estáveis e homogêneas.

O projeto da AD nasce, portanto, dentro desse contexto, sob o signo da ciência Linguística. Desse direcionamento histórico da fundação da teoria, Maldidier entende que:

Marxismo e Linguística presidem o nascimento da AD na conjuntura teórica, bem definida, da França dos anos 1968-70, e naturalmente o projeto se inscreve num objetivo político: a arma científica da linguística oferece meios novos para abordagem política. Evidentemente com modulações diferentes, J. Dubois e M. Pêcheux, ambos fundadores da disciplina, despendem um ímpeto militante em suas empreitadas, eles são tomados pelo sentimento de uma urgência teórico-política. (MALDIDIER, 2010, p. 12).

Dito de outra forma, em Michel Pêcheux, é possível notar uma herança ainda fundada na língua como materialidade da linguagem ao perceber à vinculação da AD pecheutiana com a linguística saussuriana, uma vez que, nesse primeiro momento, elege-se e privilegia-se o discurso político escrito, transformando o enunciado político em um corpus doutrinário na busca da homogeneidade discursiva sob um sistema de regras.

Vale ressaltar que a Análise de Discurso que se estabelece na França tem como marco inaugural a publicação de Análise Automática do Discurso em 1969 por M. Pêcheux26.