7. Teorias constitucionalistas do bem jurídico-penal
7.1. Considerações iniciais
O retorno às concepções liberais do bem jurídico-penal não
expressa, necessariamente, a delimitação desejável do âmbito da atuação
184 Op., cit., p. 66.
185 Curso de direito constitucional, p. 106. 186
“El riesgo de la asunción de esquemas de tutela de funciones radica en transformar el injusto
penal en un ilícito de mera trasgresión ...” (MOCCIA, S., De la tutela de bienes ..., p. 118). O
bem jurídico deve antes atender à necessidade da pessoa. “No se trata de proteger sistemas
sociales, organizaciones, interesses coletivos, sino las necesidades de la persona. Por eso, las necesidades humanas asociadas al instinto de autoconservación y al mantenimiento de la vida humana son base y condición para la satisfacción das demás necesidades” (HORMAZÁBAL
criminalizante.
187Como anteriormente discorrido, o sociologismo-funcionalista,
embora inserido no contexto da revigoração dos conceitos liberais, tanto que
tentou concretizar o sentido de danosidade social, até pela falta dum vetor nítido e
vinculativo, perdeu-se na construção sistêmico-social, acabando por desconsiderar
os próprios preceitos que tencionava redimensionar.
188Assim se diz que o
conceito de bem jurídico “não é uma varinha mágica com cuja ajuda se possa
separar sem mais por meio da dedução e da subsunção a conduta punível da que
deve permanecer impune”.
189Diante dessa “insuficiente elaboração científica”, cuja
“inspiração de fundo” consiste na “reproposição de um conceito material de bem
com autêntica e vinculante função crítica”,
190resta encontrar então “um
instrumento idôneo” que sirva de “mediatizador do conceito de bem jurídico”; um
instrumento “transistemático em relação os sistema penal, não só com
187
“Aliás, a ainda insuficiente elaboração científica da matéria repercute negativamente - o que é inevitável -, não só sobre a estimada função ‘critica’, mas também sobre outras funções tradicionalmente atribuídas ao conceito de bem, quais sejam: a interpretativa, a dogmática e a sistemática ... Disso deriva, inexoravelmente, que, qualquer que seja a definição sugerida (bem como ‘interesse’, ‘situação’ ou ‘função’, etc), acaba ela, de fato, por exercer pouca ou nenhuma influência sobre o terreno dogmático ou político-criminal” (FIANDACA, G., op., cit., p. 411).
188 Além disso, a atividade criminalizante se estrutura sob o influxo dos juízos de valor, em que o
construtor da figura criminal, embora atento aos acontecimentos sociais, pode captar bens jurídicos segundo suas próprias visões de mundo. “É inquestionável que criminalizar ou descriminalizar implica juízos de valor” (CUNHA, M. C. F., op., cit., p. 111).
189
ROXIN,, C., Problemas fundamentais de direito penal, p. 60. “Ciertamente, el concepto de
bien jurídico no se halla en condiciones de ofrecer una fórmula com la cual, mediante operaciones de subsunción y deducción, se pueda delimitar fácilmente la conduta punible de la que no lo es” (MOCCIA, S., De la tutela ..., p. 114). No mesmo sentido: “A existência de um bem
jurídico-penal socialmente relevante é condição necessária para legitimação do Direito Penal num Estado Social e Democrático de Direito, mas não condição suficiente” (LOPES, M. A. R.,
Critérios ..., p. 351). “Trata-se, mais simplesmente, de um conceito ao qual cabe a função de
predispor ‘diretrizes programáticas de tutelas potencialmente vinculantes’” (FIANDACA, G., op.,
cit., p. 422). 190
legitimidade para ajudar a concretizar o conceito de bem jurídico (reduzindo as
diferenças subjectivas de opinião)”; em suma, um instrumento “não apenas
orientador do legislador, mas com força ‘vinculante’ limitativa do poder
estadual”.
191O instrumento regulador da conceituação, aquele que melhor
atende às expectativas acima-assinaladas, “só pode ser a Constituição”,
192pois é
ela que contém as decisões mais importantes da ordem jurídica, tanto no aspecto
organizatório do Estado quanto no âmbito dos valores fundamentais da
sociedade,
193impondo-se com particular legitimidade, já que resume as opções
políticas essenciais da sociedade.
194
191
CUNHA, M. C. F., op., cit., p. 112, que ainda de forma mais elaborada indaga: “Como transpor o conceito abstrato de bem jurídico, fundamentalmente coincidente em todos os autores, para a concretização dos diferentes bens que o legislador está autorizado a criminalizar, superando (ou pelo menos diminuindo) as diferenças que se começam a sentir quando se passa da definição para a concreção, diferenças onde está necessariamente envolvido o subjectivismo do juízo de valor de cada autor?” Na formulação de ANDRADE, M. C., A nova lei ..., p. 83: “Será possível transpor a fecundidade [do conceito de bem jurídico] materialmente heurística para além do horizonte da pura política evitando-se, assim, que a sua densidade material tenha como reverso a total inocuidade prático-jurídica?”.
192
“Quando falamos de Constituição, convirá precisar, referimo -nos à Constituição material, enquanto conjunto de princípios, direitos e valores fundamentais de uma rodem jurídica, atendendo à própria realidade constitucional, mesmo que não estejam expressamente positivados no texto constitucional,...” (CUNHA, M. C. F., op., cit., p. 113 e 116).
193
“Esta relação entre concepção de Estado constitucionalmente consagrada (e seus princípios) e limites ao poder criminalizador, é salientada na doutrina germânica desde o fim dos anos cinqüenta, mas também em Portugal, Espanha e até em Itália, ela tem sido ponto de partida essencial para se elaborar um conceito de bem jurídico capaz de orientar as reformas penais” (ibid., p. 133 e 134).
194
“Primeiramente, é dever registrar que os mais consagrados autores de Direito Penal da atualidade, como visto, vão buscar na Constituição os fundamentos de validade e limites de intervenção do direito penal, na medida em que é esta que exprime o tipo de Estado e seus fins e, conseqüentemente, limita também os fins da tutela penal. Não fazem derivar de um conceito abstrato de bem jurídico o âmbito da tutela penal, mas, pelo contrário, chegam ao bem jurídico através da indagação sobre os fins da pena, de acordo com o tipo de Estado constitucionalmente consagrado e seus princípios fundamentais” (LOPES, M. A. R., op., cit., p. 394). Cualquier