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5. Abertura

6.1. A retomada das noções liberais

6.1.1. Escorço histórico

“Depois da segunda guerra mundial e do triunfo das novas

democracias, assistiu-se ao retorno de um conceito liberal de bem jurídico.”

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Na

Alemanha e, logo em seguida, na Itália, renasceram os estudos sobre o bem

jurídico com a intenção de edificar um conceito material do instituto sobre a base

de “critérios verdadeiramente capazes de vincular as escolhas de penalização do

legislador ordinário,”

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até como forma de reação à concepção normativa,

metodológico-teleológica, que, como anteriormente visto, transformou o bem

jurídico “num conceito absolutamente supérfluo”,

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sem qualquer capacidade de

limitar o poder punitivo, a colocá-lo “a serviço do poder.”

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Mas qual será o estímulo dessa (re) edificação material? Ou,

existe alguma condicionante desse retorno doutrinário? Acredita-se que sim, como

se tentará demonstrar.

Com a intenção de oferecer uma comparação entre dois

momentos históricos, vale relembrar que as irracionalidades penais do antigo

regime - em sua fase derradeira justificadas no argumento justeológico - foram

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ANDRADE, M. C., A nova lei ..., p. 80. “Luego de la Segunda Guerra Mundial, constatado el

horror que compota olvidar que el indivíduo es el prius en todo ordenamiento jurídico, se buscaron los viejos caminos del Derecho Natural” (CASTILLO, G. B., e PAVAJEAU, C. A. G., Bien jurídico y derechos fundamentales ..., p. 25). “A partir da segunda metade deste século, a

doutrina penal majoritária recupera um conceito liberal ou de garantia do bem jurídico” LOPES, M. A. R., Critérios ..., p. 345.

144 FIANDACA, G., O bem jurídico como problema teórico ..., p. 410. 145 LOPES, M. A. R., op., cit., p. 344.

espancadas graças ao fundamento antropológico, substrato do iluminismo. Para

consagrar, sedimentar, o postulado humanizante, editou-se a carta de intenções

humanitárias (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789), de

pretensão universalizante, isto é, sem restrição territorial, constituída em favor de

todos os homens do mundo.

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Naquela ocasião, pode-se dizer que pela influência da carta geral

humanitária, ou, para não ser inexato em data determinada, pela influência do

clima decorrente do iluminismo que teve na referida declaração a escrituração das

intenções liberais, detonaram-se as construções doutrinárias submissas ao ideal

liberatório.

148

Como repetição do aconteceu com a revolução burguesa, após a

segunda guerra mundial, diante das irracionalidades cometidas contra o homem, a

bandeira do direito natural foi novamente levantada, pois o discurso antropológico

é insuperável na sua capacidade de conformar a nova realidade, ou seja, fixar uma

nova estrutura social, tendo em vista o seu conteúdo que, por evidenciar o homem

livre, principalmente, ganha legitimidade imediata.

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146

CUNHA, M. C. F., Constituição ..., p. 71.

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Dessa intencionalidade de eficácia ampla, tem-se que, logo após à revolução, passou-se ao período codificador do direito (conforme anteriormente visto; aliás, semente para o positivismo jurídico), sob o argumento revelado de que a codificação era necessária para não voltar ao regime anterior. Bem a verdade que, além de abarcar certas limitações ao poder punitivo, tendo em vista principalmente a abolição das penas cruéis, serviu à manutenção da ideologia burguesa, pois a manipulação do poder legiferante cabia aos incipientes capitalistas.

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Como assinalado, FEUERBACH rascunhou a limitação do poder punitivo, ainda que formalmente, com a cunhagem do notório brocardo nullum crimen nulla poena sine pravia lege. No mesmo período, BIRNBAUM pontilhou os limites materiais da criminalização. LISZT, mais à frente, tratou especificamente do impedimento material do crime.

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Aliás, como aponta LYRA FILHO, o direito natural antropológico, pelo seu caráter revolucionário, sempre aparece como tábua de salvação contra as agressões irracionais ao ser humano (O que é direito, p. 58).

Assim, nada melhor do que outra carta, de semelhante conteúdo

humanitário e de igual amplitude, a contrariar o regime totalitário e irracional do

eixo, como de fato ocorreu com a Declaração Universal dos Direitos do Homem

de 1.948.

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Logo, não parece exagero algum dizer que, como se deu após a

revolução burguesa, a história se repetiu depois da segunda guerra mundial.

Daí que, quanto à influência nas doutrinas limitativas do poder

punitivo, mormente diante da busca por um conceito material de bem jurídico e de

uma base forte de sustentação, parece correto dizer que a Declaração Universal

dos Direitos do Homem de 1.948 também teve seu papel ideológico no pós-

guerra. Ademais, dada a sua pretensão de universalidade, mesma caraterística da

declaração burguesa, ecoou no mundo jurídico ocidental.

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150

Sobre as declarações modernas de direitos, LOPES, M. A. R., Princípios ..., p. 161.

151

Vale mencionar que, à reedição do direito natural antropológico universalizante, por influência do existencialismo, cuja premissa básica é a ontologia, fluíram na Europa na década de sessenta tendências penais utópicas, como o pensamento penal anarquista. “O apogeu desta revalorização teve lugar em 1.968, com os movimentos universitários europeus, principalmente na França e na Alemanha ... Visto que procedem das mais distintas vertentes jusnaturalistas, não se pode falar em uma única teoria anarquista, mas todas têm em comum a afirmação de que, suprimido o Estado, sua ideologia jusnaturalista reinará, restabelecendo o equilíbrio que o Estado destrói, e desaparecendo com isso o delito” (ZAFFARONI, E. R., PIERANGELI, J. H., op., cit., p. 353). Embora possa ser classificada como utópica, pois ao jusnaturalismo idealista não se desenvolveu o anarquismo, ao contrário, ao jusnaturalismo a história tem demonstrado o vetor para o positivismo, “não há dúvida de que este pensamento pesa sobre as considerações de intervenção mínima ” (Ibid., p. 353), o que permite dizer que tal tendência também contribuiu aos posicionamentos de cunho materialista, limitadores do poder punitivo. Vale também registrar, como ressonância desse retorno à ideologia liberal limitativa, a teoria das estruturas lógico-objetivas (Welzel). Segundo TAVARES, J., (Critérios ..., p. 85), a teoria das categorias lógico-objetivas desenvolveu-se a partir de uma corrente jusfilosófica que buscava sustentar uma nova forma de jusnaturalismo com base na natureza das coisas, que serviria de critério de “vinculação do legislador não à imagem de um ser humano abstrato, mas às estruturas ou elementos do próprio objeto de regulamentação da norma jurídica. Quanto ao direito penal, significa que existe, para essa teoria, uma ordem fixa no universo, uma ordem física das coisas, que não depende do valor humano. Descoberta essa ordem, o legislador não pode alterá-la, sob pena de invalidar a norma. Como decorrência penal, o reconhecimento da conduta humana como objeto exclusivo da regulamentação da norma penal incriminadora e a diferenciação dos delitos dolosos dos culposos. Essa teoria, em resumo, “faz parte do movimento que tende a buscar uma limitação para o legislador, baseando-se na ‘natureza das coisas’, como reação ao positivismo anterior à Segunda Guerra. Esta teoria foi difundida na