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7. Teorias constitucionalistas do bem jurídico-penal

7.4. Teoria constitucional de caráter estrito

Nesta vertente dogmática, pretende-se “delimitar mais

concretamente o poder criminalizador”. Logo, além do aproveitamento das

diretrizes da teoria constitucional de caráter geral, a teoria estrita argumenta que

o legislador “estaria apenas autorizado a criminalizar a violação de bens com

algum reflexo em valores constitucionais”.

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Ademais, a concepção constitucional de caráter estrito mais enfocada, a de Bricola - que “todos sabem”, na Itália, dever-se a ele “a principal tentativa de elevar a Constituição a fundamento próprio do direito penal” (FIANDACA, G., op., cit., p. 415) - não decorre expressamente “do texto constitucional, mas tem sido defendida a partir de uma interpretação ‘actualizada’ dos chamados ‘princípios de Direito Penal Constitucional’”. Ora, a concepção estrita recolhe, então, duma principiologia constitucional geral, de início criticada por estabelecer premissas eminentemente formais, “vinculantes indicações de conteúdo” (CUNHA, M. C. F., op., cit., p. 169). Em outras palavras, “o significado destas normas (constitucionais) ultrapassaria os limites de um garantismo de marca liberal” (FIANDACA, G., loc., cit.), o que já reflete que o grau de especialização teórica não é a chave da questão da legitimação criminalizante, tampouco constitui-se na única e melhor resposta ao problema.

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CUNHA, M. C. F., op., cit., p. 167, que acrescenta que tal concepção tem maior penetração na Itália, Espanha e Portugal. “Deste modo, o legislador penal passa a estar mais estritamente limitado pelas opções valorativas constitucionais, não podendo recorrer às sanções penais, sem que tal vise a protecção destes valores. Aqui reside a garantia de que apenas se tutelem penalmente bens de fundamental relevo para a comunidade” (loc., cit.). Segundo PRADO, L. R., op., cit., p. 53, Bricola, Musco e Angioni, dentre outros, “orientam-se firmemente e em primeiro lugar pelo texto constitucional, em nível de prescrições específicas (explícitas ou não), a partir das quais se encontram os objetos de tutela e a forma pela qual deve se revestir, circunscrevendo dentro de margens mais precisas as atividades do legislador infraconstitucional”. Para CASTILLO e PAVAJEAU, no interior das teorias constitucionalistas estritas podem se encontradas orientações que se apoiam no conceito genérico de valor constitucional e, num sentido mais restrito ainda, aquelas q ue se sustentam nos direitos constitucionais específicos. Assinalam que “aquí también los

efectos son diferentes: la segunda tendência comportará una mayor restrición que la primera, porque se encuentram en relación de género a especie, respectivamente” (op., cit., p. 56).

Segundo FIANDACA, do art. 13 da Constituição Italiana

(defesa da liberdade),

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BRICOLA deduz que a pena só pode ser adotada na

“violação de um bem” de igual “valor” ou que “seja ao menos dotado de

relevância constitucional”. Assim, o delito seria um “fato lesivo de um valor

constitucional”, cuja graduação da pena levaria em consta como principal

parâmetro a “relevância” do bem afetado no “interior do sistema constitucional”,

o que induz o reconhecimento duma organização “escala hierárquica” de valores

constitucionais,

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bem como a utilização, neste caso, do “princípio da

proporcionalidade” no direito penal.

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Ainda segundo FIANDACA, a primeira objeção vem da

constatação de que o dispositivo constitucional invocado trata da “tutela da

liberdade pessoal no âmbito da autoridade administrativa”, não se referindo,

portanto, à tutela da liberdade “no que diz respeito ao legislador penal”, que é

confiada aos artigos 25 e 27 da Constituição Italiana.

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Além disso, o art. 13

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“A liberdade pessoal é inviolável. Não é permitida forma alguma de detenção, inspeção ou perquirição pessoal, nem qualquer outra restrição à liberdade pessoal, senão por ato motivado pela autoridade judiciária e somente nos casos e modos previstos em lei. Em casos excepcionais de necessidade e urgência, indicados taxativamente pela lei, a autoridade de segurança pública pode adotar medidas provisórias que devem ser comunicadas, dentro de quarenta e oito horas, à autoridade judiciária e, se esta não os convalida nas sucessivas quarenta e oito horas, entendem-se revogadas e privadas de todo efeito. Será punida toda violência física e moral sobre as pessoas de qualquer maneira submetidas a restrições de liberdade”.

240 Op., cit., p. 415 e 416.

241 CUNHA, M. C. F., op., cit., p. 175 e 176. 242

“Ninguém pode ser privado do juiz natural pré-constituído em lei. Ninguém pode ser punido senão por força de uma lei que tenha entrado em vigor antes de cometido o fato. Ninguém pode ser submetido a medidas de segurança senão nos casos previstos pela lei” (art. 25). “A responsabilidade penal é pessoal. O imputado não é considerado culpado senão após condenação definitiva. As penas não podem consistir em tratamentos contrários ao sentimento de humanidade e devem dirigir-se à re-educação do condenado. Não é permitida a pena de morte, a não ser nos casos previstos pelas leis militares de guerra” (art. 27).

limita-se a garantir “a reserva da lei” para a restrição da liberdade pessoal, de

modo que pretender dele extrair uma orientação dirigida “à tutela de um valor

constitucional, não significa, talvez, estender demais o leque das possibilidades

interpretativas?”. E ainda, “a pena não sacrifica somente o valor da liberdade

pessoal, mas outros valores primários como a ‘dignidade social’”, a buscar

anteparo, então, em outras normas constitucionais; dessa maneira, melhor justifica

a tese de Bricola uma reflexão sobre vários princípios e normas constitucionais, e

não a interpretação centrada em “normas isoladas”.

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Dos outros dispositivos que se vale Bricola (art. 25, reserva de

lei e art. 27, responsabilidade pessoal e subjetiva, finalidade reeducativa da pena e

princípio da dignidade) para arquitetar uma hierarquia constitucional de valores

sujeitáveis à proteção penal, FIANDACA argumenta ainda, desta vez em

confronto com a orientação constitucional geral, que a “tutela penal pode-se

legitimamente estender a bens que encontram na Constituição um reconhecimento

somente implícito (por exemplo, o bem vida)”, bem como o fato do delito poder

lesionar um valor “privado de relevo constitucional” direito, ligando-se a um valor

dessa envergadura apenas de maneira indireta, como a “segurança do tráfego”,

que atende mediatamente a proteção da vida e da incolumidade física.

244

Já com

suporte sociológico, diz por fim FIANDACA, com posterior redimensão, que uma

243

FIANDACA, G., op., cit., p. 416-418.

244

Ibid., p. 418 e 419. Muito embora a segurança do tráfego, a fé pública, a livre concorrência, dentre os exemplos citados por FIANDACA, enquadráveis como valores sem relevo constitucional direto, constituem-se, em boa parte, em instrumentos de antecipação da tutela penal. Para proteger o bem vida no tráfego, faz-se deste último uma particularidade penal, com critérios de tutela que acabam por desconsiderar visões clássicas do bem jurídico, nomeadamente sob o prisma liberal, de duvidosa eficácia e legitimidade.

limitação penal desta ordem “comporta, como custo ulterior, a renúncia a

satisfazer novas exigências de tutela surgidas do contínuo envolver-se da

realidade social”.

245

Essa colocação segue a perspectiva sociológica de que “el

bien jurídico no es una entidad pasiva y predeterminada normativamente”, mas

sim “fluctúa al paso de la dinámica social”.

246

Como assinalou CUNHA, “apesar de todas as críticas”

formuladas à “hierarquização de valores”, na prática ela “se torna inevitável”,

principalmente “quando se escolhe o tipo de penas para o respectivo tipo legal”,

Desse modo, a questão não seria de hierarquia de valores, mas “da existência de

hierarquias rígidas ou tendenciais” ou de “ordens fracas” de valores. Pela autora,

no interior de ordem jurídicas democráticas, plurais, só se pode falar de uma

ordem aberta de valores constitucionais.

Em que pese a força das argumentações dentro dessa última

perspectiva, os princípios pertinentes à matéria penal, de onde se retiram as

conclusões de criminalização constitucional estrita, ou da delimitação desta, não

servem à proposta do direito penal mínimo.

Além das críticas acima-apontadas, o fato é que tal

principiologia tende a encarar o direito penal mais como um instrumento de

política, onde o homem é utilizado como meio, do que uma ferramenta

extremamente perigosa de controle. A partir da interpretação estrita, alargam-se as

245

Ibid., p. 420.

246

CASTILLO, G. B., e PAVAJEAU, C. A. G., op., cit., p. 62. Mas, como arremataram os autores citados, mesmo que a missão do direito penal, de acordo com a compreensão sociológica, “es

propender por el acatamiento de las normas”, isso não implica que elas “necesariamente están ligadas com la protección de bienes jurídicos determinados”.

fronteiras da criminalização, pois para alcançar a correta utilização dos recursos

naturais, ou para fazer valer a livre concorrência no mercado de consumo, ou

ainda, por exemplo, para garantir a política de assistência social por meio de

impostos, aplica-se o direito penal como remédio à estes comportamentos

disfuncionais.

Parece mesmo que a teoria estrita aproxima-se da concepção

sociológica. Ao encontrar na Constituição valores não individuais como

prerrogativa do Estado democrático, deixa transparecer uma lado sistêmico, isto é,

de preocupação eminentemente social a subtrair a individualidade, traço marcante

do direito penal liberal, e a romper, dessa maneira, com a inspiração iluminista

limitativa do direito penal.

Essa concepção vem no bojo do discurso tecnológico,

desenvolvimentista, que invadiu o direito penal. Com efeito, leva-se à

consideração que a dinâmica social, ou a evolução das relações sociais,

principalmente na esfera econômica, ambiental e da informação instantânea,

trouxe consigo o surgimento de novos bens jurídicos, conseqüentemente, novas

formas de agressão que suscitam a necessidade de respostas típicas a essas

modernas exigências de tutela derivadas do atual desenvolvimento tecnológico.

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Enfim, respeitado o ângulo de visão dessa respeitosa corrente

doutrinária, mormente porque visualiza o direito penal interna e externamente, ou

seja, apanhando os fatos representativos da realidade em contraponto constante

com o âmbito normativo-constitucional, o ceticismo toma conta dessa visão na

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medida que a história nos fornece exemplos de que a concepção

desenvolvimentista, de cunho eminentemente sociológico, implementa o

assanhamento da criminalização sob pressupostos que, embora tecnicamente

indefectíveis, materialmente escapam do vetor histórico-constitucional da

descriminalização.

8. PANORAMA DESCRIMINALIZANTE E