I. INTRODUÇÃO
3. BIFOSFONATOS NO TRATAMENTO DA DOENÇA ÓSSEA METASTÁTICA
3.6. Considerações de segurança
A frequência e gravidade dos efeitos adversos relacionados com os BP quando comparadas com outras terapêuticas oncológicas são geralmente pouco frequentes e ligeiras. Deste modo, os benefícios do tratamento com qualquer BP quase sempre
ultrapassam os riscos.42 Contudo, como os BP são substâncias essencialmente
citotóxicas, podem ser observados danos significativos, particularmente quando são administradas doses elevadas ou quando a eliminação está comprometida (Tabela 7). O perfil de segurança dos BP é importante uma vez que muitos doentes já sofrem dos acontecimentos adversos provocados pela quimioterapia citotóxica e medicação concomitante,
28
29 sendo sobretudo influenciado pela via de administração.42
Tabela 7: Efeitos adversos associados ao tratamento com bifosfonatos.
Efeito adverso
2
Administração Gravidade Prevenção Resposta
Osteomalácia
Etidronato ou pamidronato em doses elevadas.
Moderada. Utilização dos novos BP para administração de doses elevadas.
Suspender tratamento; alterar BP. Hipocalcémia po. Ligeira a grave.
Assegurar ingestão adequada de cálcio e vitamina D; identificar pré-disposição para comorbilidades (p.e., remodelação óssea elevada, hipoparatiroidismo).
Administrar cálcio ou vitamina D; suspender tratamento.
Dor óssea iv ou po. Ligeira. Analgésicos. Analgésicos.
Reacção de fase aguda
iv. Ligeira. Analgésicos antes do doseamento. Analgésicos.
Úlceras, erosões e estenoses gastro-intestinais po. Ligeira a grave. Verificar contra-indicações gastro-intestinais; educação dos doentes na administração do fármaco. Suspender tratamento. Reacções no local de injecção
iv. Ligeira. Boa técnica de canulação. Tratamento da ferida.
Uveíte
po ou iv. Ligeira. Suspender tratamento; tratamento do olho.
Suspender tratamento; tratamento do olho.
Nefrotoxicidade
iv. Grave. Avaliar a função renal antes e durante o tratamento; assegurar que a administração segue à risca as indicações do produtor.
Suspender o tratamento.
Osteonecrose da mandíbula
iv. Grave. Avaliar e assegurar a saúde oral antes do tratamento; monitorizar a saúde oral durante o tratamento.
Suspender o tratamento; cuidados dentários. Abreviaturas: BP, bifosfonatos; iv, endovenosa; po, oral.
Hipocalcémia. A hipocalcémia é o efeito secundário mais comum de todos os BP,
independentemente da via de administração.29 Este efeito adverso ocorre tipicamente na
presença de remodelação óssea elevada, como nas lesões ósseas mistas ou osteolíticas. As reduções rápidas na reabsorção óssea induzidas pelos BP resultam num excesso transitório de formação óssea e depósito ósseo de cálcio e fósforo. Em estadios de elevada remodelação óssea, esta deposição pode resultar numa elevada transferência de cálcio do sangue para o osso, resultando em hipocalcémia. Esta condição pode ser suficientemente grave com sequelas clínicas que necessitam de tratamento com vitamina D e cálcio oral. O tratamento com BP pode exacerbar a hipocalcémia em doentes com hipoparatiroidismo, presumivelmente através da limitação da libertação de cálcio a partir
do osso.28
Dor óssea. O tratamento com BP é muitas vezes associado à dor óssea, particularmente
quando administrados por via endovenosa, geralmente com gravidade ligeira e transitória,
não limitando o uso clínico dos BP.28
Reacções de fase aguda. A administração iv de BP origina uma reacção de fase aguda
com febre e mialgias em 15-30% dos doentes.28,42 Esta reacção parece estar relacionada
com uma libertação de citocinas sistémicas, mas não tem sequelas subsequentes e pode ser tratada normalmente com analgésicos convencionais (p.e., paracetamol). No entanto,
podem verificar-se ocasionalmente reacções mais graves.28 Estas reacções são
caracterizadas por febre transitória e dores musculares e articulares, ocorrendo normalmente após a primeira perfusão, sendo na maioria das vezes irrelevantes nas
seguintes perfusões.28 Os sintomas são provocados pela activação e proliferação das
células T-γδ e pela libertação de citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α e -γ. A reacção
de fase aguda aos N-BP é auto-limitada, durando normalmente 1-2 dias.27 A etiologia
desta reacção não é bem compreendida devido à sua natureza transitória, mas normalmente não é considerada como um problema clínico major. No entanto, os doentes devem ser informados deste efeito adverso potencialmente incomodativo antes
da administração da primeira dose.42
Efeitos gastro-intestinais. Um número de efeitos adversos gastro-intestinais estão
associados à administração oral de BP e provavelmente ocorrem quando as concentrações locais de BP originam níveis tóxicos nas células adjacentes à medida que
os comprimidos se dissolvem.28 Após a administração de BP orais pode ocorrer irritação
do tracto gastro-intestinal que parece dever-se a um efeito tópico irritante local. Estudos
mediados por um efeito tóxico directo nos tecidos afectados como resultado de uma inibição da prenilação de proteínas em células do epitélio esofágico estratificado. Adicionalmente, foi demonstrado que os N-BP comprometem a superfície hidrofóbica fosfolipídica da membrana do tecido gastro-intestinal em ratos, possivelmente devido a uma diminuição na biossíntese de esteróis como resultado da inibição da FPPS que pode
originar lesão e ulceração da mucosa.27 A incidência destes efeitos adversos é
dependente da dose e da frequência de administração.28 Em ensaios clínicos os efeitos
adversos gastro-intestinais não foram significativamente mais frequentes nos doentes a efectuar tratamento com BP em comparação com o placebo. Estes efeitos adversos podem estar relacionados com o refluxo associado a uma condição pré-existente, com a incapacidade de permanecer na posição vertical após a toma do fármaco ou outras patologias gástricas existentes. A mucosa oral, esófago e estômago podem ser
afectados.28
Reacção no local de injecção. As reacções no local de injecção estão associadas com
a administração parentérica e, de modo semelhante aos efeitos gastro-intestinais, estão provavelmente relacionadas com as concentrações locais relativamente elevadas de BP
nos tecidos. Estas incluem a flebite, dor, hematoma local e ulceração.28
Uveíte. A uveíte é uma complicação rara e normalmente reversível do tratamento com
BP. A inflamação ocular pode ocorrer rapidamente após o início do tratamento e normalmente está resolvida 1-2 semanas após a suspensão do tratamento. A sua
etiologia é desconhecida.28
Toxicidade renal. As questões de segurança renal também ocorrem após a perfusão
dos BP, sendo considerado como um efeito adverso raro (ocorrendo em 2,6-25% dos doentes nos estudos de fase III dos BP), contudo a sua incidência pode variar com cada
BP.29 O dano renal que conduz ao comprometimento da função renal pode ocorrer caso
os BP sejam administrados demasiado rápido, uma vez que as infusões rápidas conduzem a concentrações elevadas de fármaco no sangue e nos rins, uma vez que os
BP são rapidamente eliminados por via renal.28 A função renal normalmente melhora
após a suspensão do tratamento, mas foram notificados danos renais irreversíveis. As recomendações do produtor para os tempos de perfusão devem ser respeitadas de modo a evitar este efeito adverso grave, devendo a função renal ser monitorizada antes e
durante o tratamento com BP iv.28 Existem sugestões de que o ibandronato apresenta
uma menor probabilidade de influenciar a função renal, em comparação com o pamidronato e zoledronato. Isto tem sido atribuído a uma maior ligação às proteínas e a
semi-vida de eliminação prolongada do ibandronato. Indiscutivelmente, existem mais casos notificados de disfunção renal com o zoledronato uma vez que este fármaco é amplamente utilizado, mas se isto constitui uma vantagem real de segurança do
ibandronato, permanece por esclarecer.41 As diferenças na segurança renal que se
verificam entre os diversos BP podem dever-se a diversas situações, sendo a ligação diferencial dos BP às proteínas uma delas. Uma elevada taxa de ligação dos BP às proteínas pode atrasar a sua entrada nas células renais. Como tal, os BP com elevadas taxas de ligação às proteínas passam menos tempo nas células renais e podem originar
menos danos celulares renais.29
Osteonecrose da mandíbula. A osteonecrose da mandíbula (ONJ) associada ao
tratamento com BP é uma complicação pouco comum mas significativa que
recentemente atraiu muita atenção por parte dos clínicos e dentistas.28 A ONJ está
associada a múltiplos factores, mas a dose do BP parece desempenhar um papel central. A esmagadora maioria dos casos de ONJ associados ao tratamento com BP foram
notificados em doentes oncológicos (97%).28 A incidência de ONJ é de aproximadamente
5% em populações oncológicas tratadas com BP iv. Nos indivíduos com ONJ estima-se que 55,9% têm MM, 33,4% cancro da mama, 4,6% cancro da próstata, 2,8% osteoporose
e 3,4% outras doenças.28 A relação homem/mulher da incidência de ONJ é
aproximadamente igual.28 Na maioria destes doentes, devido à gravidade da doença e às
consequências da quimioterapia e tratamento com glucocorticóides, a função imunitária está diminuída. Nestas circunstâncias não é surpreendente que a prevalência de ONJ em doentes oncológicos seja quatro vezes superior do que na população normal. Deste modo, estes doentes apresentam um risco aumentado de infecções bacterianas e
fúngicas, e de comprometimento da resolução de feridas.28 Recentemente, foram
notificados casos de ONJ com a utilização dos BP a longo prazo, principalmente com o pamidronato e zoledronato iv, salientando a necessidade de manutenção de uma boa saúde oral antes e durante o tratamento com estes fármacos. Embora a sua verdadeira incidência e risco não sejam conhecidos, a cirurgia dento-alveolar parece estar
frequentemente associada com o seu desenvolvimento.43 Setenta e cinco porcento da
ONJ ocorre após a remoção de um dente ou cirurgia dentária,42 sendo que mais de 60%
dos indivíduos diagnosticados com ONJ têm história de problemas ou intervenções
dentários.28 Desde a elaboração dos relatórios originais de ONJ associada ao uso de BP
em 2003 mais de 1000 outros casos foram avaliados pelas autoridades regulamentares e um número cada vez maior de casos clínicos e estudos de coorte retrospectivos têm sido publicados. Estes estudos não utilizaram uma definição de ONJ consistente, embora a mesma actualmente seja definida como a área de osso exposto na região maxilofacial
que não sarou nas 8 semanas seguintes à sua identificação efectuada por um profissional de saúde, num doente a efectuar tratamento ou que tenha efectuado
tratamento com BP, e que não tenha efectuado radioterapia na região craniofacial.42
A patogénese da ONJ permanece obscura. A sobressupressão local da remodelação óssea no maxilar e a inibição da angiogénese pelas elevadas doses de N-BP que complicam o trauma e infecção do maxilar são provavelmente os factores contribuintes. No entanto, uma associação causal definitiva entre o uso de BP e ONJ permanece incerta e complicada por factores que podem aumentar o risco do desenvolvimento desta condição, como a administração concomitante de quimioterapia e/ou corticosteróides, necessidade de cirurgia dentária e comorbilidades, como a diabetes e
anemia.42 Várias revisões e recomendações recentes realçam que qualquer papel
causal dos BP na ONJ permanece por demonstrar.27 É necessária investigação
prospectiva para determinar as causas da ONJ e a sua frequência através do uso de uma definição consistente nos doentes oncológicos tratados com e sem BP. Entretanto, os doentes devem efectuar inspecções orais regulares, efectuando check-ups a cada 6-12
meses e, se possível, evitar cirurgias dentárias invasivas.42
Os BP são geralmente bem tolerados apresentando apenas efeitos adversos ligeiros. Isto deve-se provavelmente à sua forte afinidade para com o osso, que lhe permite serem rapidamente eliminados da circulação. De um modo geral, os efeitos tóxicos ocorrem quando são administradas doses substancialmente mais elevadas do que as doses que inibem a reabsorção óssea ou quando a perfusão é demasiado rápida. Alguns BP atravessam a placenta, como o pamidronato, e podem afectar o feto. Doses muito elevadas de BP podem conduzir a uma diminuição do número de neonatos, anormalidades no esqueleto e na pele do feto, a malformações e hemorragias. Levando em consideração estes efeitos adversos os BP não devem ser administrados a
grávidas.27