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CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO 2

Nesta tese, ressalta-se que a classificação da música brasileira, para fins de sua organi- zação, não seja compreendida apenas na divisão de repertórios em erudito, folclórico ou popu- lar. A compreensão da música que considera a cultura precisa ir além e considerar aspectos mais amplos para justificar os agrupamentos de repertórios e suas peculiaridades. Para Sandroni (2010), a música brasileira é um constructo cultural e, como tal, nem sempre existiu e nem sempre quis dizer a mesma coisa. Relevante destacar que o olhar para a música brasileira parte de uma perspectiva eurocêntrica.

A obra Ensaio de Música Brasileira de 1928, de autoria de Mário de Andrade, traz dis- cussões sobre a formação étnica da música brasileira, as áreas regionais e as essências estilísti- cas para a identificação de uma música como música brasileira. O Ensaio foi um manifesto nacionalista da música brasileira – pela primeira vez, compositores brasileiros são instigados a libertarem-se do seu complexo de inferioridade da música brasileira em relação à cultura euro- peia e usarem elementos nacionais nas suas composições. Para Andrade (1972), os músicos deveriam coletar e analisar músicas folclóricas e utilizar os processos musicais intrínsecos na- cionais como a fonte para uma autêntica e artística produção musical. Além disso, a arte naci- onal já estava presente no inconsciente popular e que os artistas precisavam somente combinar elementos folclóricos e uma forma erudita para transformar o popular em artístico.

Para a compreensão de uma obra musical brasileira, na visão de Mário de Andrade (1972), o mais significativo aspecto do ritmo brasileiro é a síncope mesmo que seu uso não seja não obrigatório. As melodias das canções não devem usar síncopes e devem se basear nos pa- drões de acentuação da língua falada, sem seguir uma métrica predeterminada. A harmonia dever transcender o nacional e técnicas contrapontísticas e variações de temas de artistas popu- lares devem ser explorados, tendo como referência as contramelodias da flauta no choro e os baixos melódicos do violão na modinha. Para Andrade, o que identifica a música como brasi- leira é o estilo e o conteúdo e não a forma. A instrumentação deve favorecer os instrumentos do folclore e de grupos instrumentais e a produção vocal com timbre áspero e anasalado.

Os estudos de Ulhôa (1997) constituem-se de suma importância para a compreensão das tensões que se fazem presentes no campo da música popular brasileira. Para ela, a “Música Popular Brasileira” não está localizada na noção de música tradicional ou de natureza essenci- almente oral e artesanal e também na de música popular enquanto música de massa.

Em relação às pesquisas que procuram estabelecer os elementos constitutivos da música brasileira, nota-se que a maioria delas não são feitas pelos especialistas em música, principal- mente aquelas a respeito da música popular ocasionando a perda de aspectos representacionais relacionados principalmente ao conteúdo interno. Por outro lado, musicólogos brasileiros têm

se dedicado e esgotado a representação da música sacra e da música erudita contemporânea brasileira (vide Capítulo 3).

O conceito para informação musical inclui os aspectos técnicos (os elementos musicais) e suas respectivas representações, a experiência musical de seus usuários e a visão semiótica para a análise desses diferentes usuários que os compreende a partir dos significados que atri- buem à música. No entanto, todos esses aspectos precisam considerar o contexto cultural que envolve a produção musical e seus criadores. No caso das representações, entende-se que há como garantir uma equidade entre as formas de representar a informação musical, pois elas são complementares.

Destaca-se que a visão de informação musical a partir do conceito de obra trazido por Smiraglia (2001) e Thomas e Smiraglia (1998) possui mais aderência com os objetivos desta tese, uma vez que os modelos conceitos e as ontologias que têm sido propostos para a organizar essa informação deslocam a discussão do recurso enquanto item para o entendimento da obra musical em toda a sua complexidade.

3 INICIATIVAS DE ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO MUSICAL BRASILEIRA

Este capítulo foi elaborado na perspectiva da transdisciplinaridade, a segunda aborda- gem adotada nesta tese para resolver a questão das diretrizes para a organização da informação musical brasileira. A transdisciplinaridade, na verdade, não está nas iniciativas isoladamente que possuem caráter interdisciplinar, mas na convergência das contribuições vindas das dife- rentes disciplinas.

Para Max-Neef (2005), a transdisciplinaridade fraca é o resultado da coordenação entre níveis hierárquicos entre as disciplinas do primeiro nível (de base) que descrevem o mundo como ele é; do segundo, a tecnologia que responde o que somos capazes de fazer; as normativas que é o planejamento do terceiro nível: o que queremos fazer e os valores que é o último nível, ou seja, como poderíamos fazer o que queremos fazer. A transdisciplinaridade forte requer tran- sitar nos diferentes níveis de realidade discutidos a partir dos mundos de Karl Popper; admitir o princípio de inclusão da mediana que significa assumir que existe o meio, o intermediário que nem é a afirmação e nem a negação total de um fenômeno pesquisado e, além disso, adotar o pensamento complexo como a condição na condução da pesquisa.

Popper (1978) divide o mundo em três categorias: o mundo físico (1) que inclui de pe- dras e de estrelas; de plantas e de animais; e, ainda, de radiação e de outras formas de energia física. É subdivido em mundo de objetos físicos não vivos e no mundo “vivo” (coisas de objetos biológicos). O mundo dos processos mentais, psicológicos ou das experiências subjetivas (2) dos sentimentos de dor e de prazer, dos pensamentos, das decisões, das percepções e das obser- vações. E o mundo dos produtos da mente humana (3) que incluem os idiomas, os contos, as histórias e os mitos religiosos; as conjecturas científicas ou teorias e construções matemáticas; as canções e sinfonias; as pinturas e esculturas; e ainda aviões e aeroportos e outros feitos de engenharia. É possível distinguir o mundo da ciência do mundo da ficção; e o mundo da música e da arte do mundo da engenharia, mas todos são parte do mundo 3.

Esta abordagem transdisciplinar é tomada em oposição à visão cartesiana, ou seja, a investigação do problema é entendida na convergência entre as disciplinas, como mostrada pela revisão da literatura desta tese.

Um pensamento complexo não advém da inscrição de todas as coisas ou acontecimentos como um “quadro” ou uma “perspectiva”. Ele se detém nas “relações e inter-retro-ações entre cada fenômeno e seu contexto” e inclui os relacionamentos de reciprocidade todo/partes, ou seja, como uma mudança local repercute sobre o todo e esta repercute sobre as partes (MORIN,

2003, p. 25). De acordo com este autor, complexidade significa “tecer junto” e isso se realiza através de um pensamento “ecologizante”, ou seja,

todo acontecimento, informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade com seu meio ambiente – cultural, social, econômico, político e, é claro, natural. Não só leva a situar um acontecimento em seu contexto, mas também incita a perceber como este o modifica ou explica de outra maneira. (...)Trata-se, ao mesmo tempo, de reconhecer a unidade dentro do diverso, o diverso dentro da unidade; de reconhecer, por exemplo, a unidade humana em meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade humana (MORIN, 2003, p. 25).

A visão de pensamento complexo de Morin (2003) está conectada à organização do conhecimento (do saber). Para o autor, o conhecimento é constituído por tradução e reconstru- ção de sinais, signos e símbolos sob a forma de representações, ideias, teorias, discursos. A organização dos conhecimentos é realizada em função de princípios e regras e “comporta ope- rações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). O processo dessa organização é circular e se guia a partir da separação à ligação, da ligação à separação, da análise à síntese, da síntese à análise. Isso quer dizer que “o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese” (MORIN, 2003, p. 24).

As iniciativas que organizam a informação musical foram levantadas a partir da revisão de literatura em pelo menos três grandes áreas de conhecimento: Música, Ciência da Computação e Ciência da Informação.

Os estudos na área da Música contribuem com o conhecimento técnico e contextual que envolve o fenômeno musical e sua presença é aclamada por todos os profissionais da informa- ção que lidam com a música. A Ciência da Informação redimensiona o objeto artístico na pers- pectiva da informação que deve ser coletado, organizado, tratado, armazenado, recuperado, in- terpretado, transmitido, transformado e utilizado a partir do entendimento do conteúdo de um suporte físico ou digital. E, a Ciência da Computação aborda o aspecto tecnológico que se es- trutura pelo tratamento da informação e enfatiza o desenvolvimento de sistemas e de soluções que envolvam, principalmente, a interoperabilidade (sintática e semântica obtida pelas ontolo- gias) entre sistemas, a compreensão do objeto complexo para garantir uma boa representação a qual resulta em: (i) metadados mais robustos e mais representativos (porque são gerados à partir do modelo conceitual), e (ii) sistemas de recuperação de informação (que usam metadados) mais eficientes.