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Perspectiva semiótica da informação musical

2.2 CONCEITOS DE INFORMAÇÃO MUSICAL

2.2.2 Perspectiva semiótica da informação musical

Semiótica, em sentido amplo, é a teoria de como a comunicação acontece. Para isso, são necessários “signos” agrupados em “textos” (que incluem as partituras musicais) entendidos por significados “códigos”. No campo da música, os mais recentes estudos abordam a natureza do significado da música – do que um signo musical é constituído e qual tipo de objeto ou ideia esse signo se refere para ter significado – e a comparação de obras musicais com outras formas de expressão humanas (SAMUELS, 2017).

Dois relevantes contribuidores em relação ao desenvolvimento da teoria semiótica fo- ram Saussurre e Pierce. Ferdinand de Saussure (1857-1913) usou o termo “semiologia” e insti- gou uma abordagem sistemática ao estudo da linguagem, com base na observação dos contras- tes binários como constitutivo do “significado” das unidades em qualquer nível de generalidade.

A unidade significante, ou signifier, não tem nenhuma relação intrínseca com o objeto ou a ideia que forma o seu conteúdo, o “significado”. O termo “semiótica” é utilizado, mais frequen- temente, com base nas pesquisas de Charles S. Peirce (1839-1914), que desenvolveu o seu pen- samento sobre os sinais como parte de um projeto mais amplo no estudo da lógica e da episte- mologia. Para ele, os sinais não são limitados aos elementos de uma linguagem, mas podem incluir qualquer coisa que seja de alguém para alguém. Esses sinais possuem uma estrutura de três partes: o signo, o objeto e o interpretante. O sinal é algo com capacidade para representar e o objeto é a ideia transmitida por esse sinal, que pode ou não ser alguma coisa concreta. O interpretante é aquele para o qual o sinal e o objeto se conectam (CUMMING, 2001).

Embora Saussure e Peirce tenham sido influentes, Cumming (2001) considera que as- sumir suas contribuições como uma “metodologia” para o estudo dos sinais possa não ser tão apropriado. Em vez de denotar uma disciplina unificada, o termo “semiótica” abrange uma co- leção diversificada de projetos relacionados de alguma maneira com a “semiose”. Este último termo refere-se à atividade dos sinais e pode ser encontrado em vários contextos, que vão desde a bio-semiose (representação em sistemas biológicos) até a semiose cultural ou social. No en- tanto, os padrões de investigação estabelecidos por Saussure e Peirce sugerem que a sistemática no estudo dos sinais é uma preocupação primordial, apontando para uma nova “disciplina”, com limites definíveis e algum grau de consenso sobre seus termos básicos.

Para Smiraglia (2002), a representação da informação musical de um ponto de vista semiótico é obtida com base na definição da obra musical. Partindo de uma definição geral de obra36, Smiraglia (2002) define uma obra musical como uma concepção sonora intelectual que toma a forma documental em uma variedade de instanciações, por exemplo, um som resultante de uma performance ou sua representação impressa como uma partitura. A primeira proposta de qualquer instanciação física de uma obra é transmitir a concepção intelectual de uma pessoa às outras. Pela razão que as obras musicais foram feitas para serem ouvidas, as instanciações físicas não são de primeira importância, mas a comunicação entre o criador e o consumidor.

36 Definidas como representações contidas em conhecimento gravado/registrado, obras são criadas deliberada-

mente para representar os pensamentos de seus criadores e para comunicar, através de várias fronteiras cultuais e temporais, a potenciais consumidores (tais como leitores, acadêmicos, etc.). São veículos da cultura – enti- dades que se levantam a partir de uma perspectiva cultural particular – e tais perspectivas mudam de cultura para cultura e de acordo com o tempo. É o papel comunicativo das obras que revelam seus papéis sociais. Obras são veículos que transportam ideias ao longo de um contínuo humano, contribuindo para o avanço do conhe- cimento humano em caminhos específicos e para avançar as condições sociais humanas de maneira geral. Cada obra é, de alguma maneira, parte de um corpus maior relacionado a ela. Esse corpus da obra é derivado de significados de sua função na cultura bem como de suas relações com outras obras ou com outros corpus de obra (SMIRAGLIA, 2002).

Elas são um meio pelo qual as ideias musicais são capturadas no final de um contínuo e talvez serem reproduzidas ou absorvidas por outros.

Smiraglia (2002) continua sua defesa a respeito da obra musical ser uma concepção sonora intelectual, defendida também por McLane (1996), pelo fato de que tal obra existe pri- meiramente em um tempo determinado para ser compreendida por uma audiência/plateia, sendo que sua instanciação mais acurada é provavelmente sua performance. Cada performance é uma recriação da obra. Uma performance é uma obra musical e, por extensão, uma gravação deli- neada pelo fator tempo de sua execução para uma audiência que a recebeu. Em suma, uma obra musical (como qualquer outra criação) é vista mais como um conceito abstrato no tempo do que uma entidade física particular no espaço. Partituras e performances, incluindo as gravações, representam instanciações da obra e, em nenhuma delas, a obra pode ser equacionada inteira- mente. Cada instanciação, então, é unicamente criada e unicamente percebida.

Para Smiraglia (2002), obra musical parece também não ser um som isolado, mas todo um contexto informacional crucial para a percepção da experiência musical. Sons isolados são apenas signos musicais, assim como letras ou palavras para a linguística. O que é ouvido é na essência diferente do fenômeno físico-acústico. A obra é recebida e interpretada em um com- portamento cultural convencional, porque todo o seu contexto tem significado simbólico. Pa- rece, então, que compositores usam traços para descrever seus processos intelectuais. Desses traços (notações ou partituras, essencialmente) ideias abstratas tomam forma por meio de per-

formances particulares. Componentes das obras – como altura, escala e tempo – funcionam

como signos, o que sugere que a música é como jogo com mútuo engajamento – do performer músico e do ouvinte ou da plateia, ou seja, a recepção mútua torna-se um exercício comunitário que requer a participação dos dois para completar a transmissão das ideias musicais.

Obras que são conduzidas por músicos, de modo ao vivo, têm maior ou menor número de instruções explícitas para garantir o que foi criado e o que será reproduzido na performance e recebido pelo ouvinte. Outras obras que não possuem instrução, como é o caso da improvisa- ção livre ou da performance eletrônica, as quais são conduzidas por automação, podem ser, portanto, rigorosamente controladas ou totalmente sem controle. Em ambos os casos, recepção é um componente que conduz a ideia musical, isto é, as obras musicais, como as obras em geral, são entidades colaborativas.

Na perspectiva da semiótica, Smiraglia (2002) explica que as obras musicais são bem compreendidas como entidades documentárias e o entendimento do papel social dessas obras expandem as fronteiras de sua definição. Para isso, as estruturas epistemológicas ajudam a en- tender as origens socioculturais das concepções das obras musicais e as definições taxonômicas

contribuem para a percepção epistemológica das obras como entidades específicas de registros do conhecimento. O autor exemplifica que um cabeçalho do título uniforme para o compositor serve como uma âncora nominal historicamente gerada para a obra musical e pode ser usada para reunir as instanciações.

Thomas e Smiraglia (1998) sugerem que as muitas instanciações físicas de uma obra musical podem coexistir juntas no universo bibliográfico se forem consideradas as característi- cas de obras musicais como:

(i) Um conceito abstrato;

(ii) A síntese do conhecimento que consiste no conteúdo representado (ou seja, as ideias) e o conteúdo semântico (as palavras e outros símbolos que dão significado às ideias);

(iii) As relações são complexas, de forma que qualquer obra pode servir como um progenitor para uma nova família bibliográfica37;

(iv) As edições, simultâneas ou sucessivas (incluindo as revisões do autor original), são des- cendentes diretos do progenitor em que os conteúdos representacional e semântico per- manecem os mesmos;

(v) As derivações, incluindo traduções e novas obras baseadas de alguma maneira no pro- genitor, são uma etapa removida da obra, na qual a relação entre o conteúdo represen- tacional existe, mas o semântico é diferente;

(vi) Os materiais de acompanhamento, tais como indexadores ou ilustrações separadas, re- têm uma relação representacional com o progenitor ou com um ou mais descendentes, mas são claramente entendidass como relativas entidades bibliográficas ou físicas. Para a representação da informação musical voltada à recuperação, é crucial compreen- der o papel social das obras musicais, indispensável à disseminação e à recepção dessas obras. Na era digital de MIR, o grau que diferencia instanciações sônicas que representam a mesma obra possui uma base epistemológica. No século XIX, alguém requisita uma obra musical pela compra de sua partitura e cria sua própria concepção sonora. No século XX, alguém adquire uma obra pela compra da gravação de sua performance – vinil, fita cassete ou CD. Em ambos os casos todas as cópias foram idênticas. Mas na era digital, as oportunidades para mutações são desenfreadas e levantam a questão do que uma dada obra musical é constituída. A resposta pode ser encontrada no entendimento epistemológico da recepção dessas obras e na explanação semiótica do papel delas como ícones culturais (THOMAS, SMIRAGLIA, 1998).

Dessa mesma perspectiva, Inskip, MacFarlane e Rafferty (2008) fazem uma revisão da

literatura abordando as principais teorias que envolvem o significado musical. Para eles, um sistema de recuperação de informações eficaz para o usuário precisa dar um sentido à informa- ção que corresponda ao significado que lhe é dado por esse usuário. O significado dado à música varia de acordo com quem a está interpretando – o autor/compositor, o artista intérprete ou executante, o catalogador ou o ouvinte – e isso afetará a forma como a música é organizada e recuperada.

Barros, Café e Almeida (2013) buscam trazer as contribuições da semiótica para a or- ganização da informação musical. Para as autoras, a música é cheia de possibilidades significa- tivas, pois o fenômeno da música envolve muitos atores: o músico, o intérprete, o compositor, o ouvinte, entre outros. Esse conjunto de possibilidades carrega potencial informativo expresso em algum conteúdo semântico a ser considerado do ponto de vista da ciência. O conteúdo se- mântico relativo à música compõe a noção de informação musical e interessa, portanto, aos estudos da Ciência da Informação. Além disso, interessa a esta área do conhecimento a repre- sentação (seja sonora ou gráfica) do conteúdo musical para um sistema de informação musical. Na opinião das autoras, os estudos voltados para semiótica da música podem revelar as possi- bilidades interpretativas que determinado documento oferece a um grupo de usuários e, com isso, o profissional pode tomar as decisões a respeito de quais elementos precisam ou não ser representados para fins de recuperação e, com base na experiência do indivíduo, melhorar a maneira de indexar a informação musical.

Barros (2016) analisa a informação musical sob o aspecto semiótico tomando como re- ferência os estudos em torno do conceito de interpretante (inclui o músico que executa e o ouvinte) em seus diferentes tipos e níveis de Charles Sanders Peirce. Nos resultados da sua pesquisa, a autora encontrou que significados emocionais do domínio da música não estão re- lacionados às convenções da linguagem; a função do objeto (a música) na formação do inter- pretante não é o ajuste do significado à realidade; os conceitos presentes no domínio da música precisam ser analisados do ponto de vista da totalidade do processo semiótico, ou seja, todos os elementos intrínsecos à música devem ser considerados no conjunto; e os níveis de significado e o uso da informação musical são parâmetros daquilo que deve ser observado no mapeamento do domínio da música.