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CONSIDERAÇÕES SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA A PARTIR DA DÉCADA DE

Em síntese, Correa (2003) classifica em três etapas a política de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. A primeira etapa compreende o período de 1946 a 1964 – marcado pela institucionalização da ciência e tecnologia. A segunda etapa tem início em 1964 e vai até 1985 – foi idealizada pelo Governo Militar, período em que a ciência e a tecnologia procuram assegurar a soberania nacional. Essa visão, que relaciona C&T com a soberania nacional é defendida por Roberto Amaral, ex Ministro de Ciência e Tecnologia entre os anos de 2003 e 2004. Amaral (2011) defende que “o desenvolvimento em ciência e tecnologia está no centro do desenvolvimento econômico, social e militar, e condiciona os conceitos de soberania e defesa”. Na sua opinião, soberania nacional e dependência científico tecnológica são incompatíveis.

A terceira etapa inicia em 1985 e seu término se dá em 1989, o período é descrito como uma fase de transição e instabilidade. Por fim, o quarto período tem início em 1990 e vai até 2002 (período compreendido pela obra), e na percepção da autora (CORREA, 2003) ele é marcado por um discurso liberal, em que o Estado assume um papel de gestor da política de C&T, em substituição ao papel, anterior, de interventor. Nas palavras de Corrêa (2003), “até o final dos anos 1970, o Brasil teve (mal ou bem) uma política para a ciência, durante a década de 1980 houve um certo vazio em termos dessa política, os anos 1990 se caracterizam por uma política para a inovação”.

Salerno e Kubota (2008) corroboram a percepção de Correa (2003) sobre políticas de inovação. Os autores argumentam que, a partir dos anos 1980 e 1990, o modelo linear de ciência foi sendo substituído pela abordagem sistêmica de inovação, fato observado com maior ênfase no Brasil a partir do lançamento, em 31 de março de 2004, da Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior.

A ênfase na política de fomento à inovação nas empresas brasileiras é explícita no “Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI)”, publicado pelo MCT em 2007. O PACTI previa um orçamento de 41,2 bilhões em investimentos até 2010. Ressalta-se que suas prioridades estratégias, em consonância com a Política Nacional de CT&I foram: a) expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; b) promoção da inovação tecnológica nas empresas; c) pesquisa, desenvolvimento e inovação em áreas estratégicas; e d) ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento social.

Durante a 4º Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada em Brasília, no período de 26 a 28 de maio de 2010, foi colocado que nenhum país que tenha como objetivo promover o desenvolvimento para se tornar uma potência de inovação tecnológica pode deixar de investir em tecnologias da informação e comunicação. Novamente, percebe-se a preocupação do governo com a inovação nas empresas brasileiras.

Na era da sociedade da informação, o conhecimento oriundo da pesquisa científica é entendido como uma oportunidade para a inovação tecnológica. Em tempos de economia globalizada, as atividades de P&D possuem estreita relação com o setor produtivo. De forma simplista, é possível afirmar que desse modelo econômico surgem os sistemas nacionais de ciência, tecnologia e inovação, constituído por diferentes atores em prol de alavancar o país na área da produção de inovação tecnológica e, assim, garantir uma posição entre os países líderes da economia mundial.

Desde a estabilização do real, observa-se uma preocupação do governo federal com o estímulo à inovação e à competitividade da empresa brasileira, o que favorece mais uma política de desenvolvimento tecnológico, com ênfase na melhoria do parque industrial, do que uma política para a ciência propriamente dita. Barros (2001, p. 85) corrobora esse entendimento ao argumentar que as declarações governamentais recentes67 “embora tentem paralelamente salvaguardar a área científica, indicam uma preocupação maior com a questão tecnológica”.

Salerno e Kubota (2008, p. 17) argumentam que para a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD), “as políticas de inovação constituem um amálgama das políticas de ciência, de tecnologia e industrial”. Elas envolvem “a relação entre a ciência e a sua produção, a tecnologia e sua geração, assim como a inovação por parte das empresas.”

A respeito do assunto, Schwartzman (2001) considera que o modelo linear de pesquisa foi perdendo espaço. Consequentemente, o apoio para a pesquisa básica foi perdendo terreno, quando esta não está associada a resultados e produtos previamente identificáveis. Rezende (2010) aborda essa questão ao criticar os fundos setoriais.

A questão mostra-se complexa, pois para gerar inovação radical faz-se necessário um considerável investimento em pesquisa e desenvolvimento, que por sua vez implica estímulo à pós-graduação e à produção de ciência básica. Pois, embora ciência e tecnologia seja um campo distinto da educação, eles, sem nenhuma dúvida, constituem campos complementares. Nesse

67 O comentário do autor refere-se ao período em que Ronaldo Sardenberg foi Ministro de Estado da Ciência e

cenário, é oportuno ressaltar que o estímulo à pesquisa perpassa pela questão do acesso à informação científica e tecnológica.

Nesse sentido, ao se apoiar o fortalecimento da pesquisa e do desenvolvimento, fala-se, ainda que indiretamente, no apoio à gestão dos dados científicos, dentre eles os dados online inerentes a projetos de e-science. O fato é que a gestão dos dados científicos precisa ser norteada por uma política de tratamento da informação que oriente as questões de armazenamento, de curadoria, recuperação e colaboração de dados de forma a contribuir para o avanço da pesquisa no Brasil.

A respeito do assunto, Cunha (2001, p. vii) argumenta que:

[...] entre os fatores que distinguem os países em desenvolvimento (agora emergentes) está o acesso à informação. Realmente os países mais desenvolvidos possuem acesso mais rápido à informação científica e tecnológica, ampliando, cada vez mais o que Jean-Jacques Servan Schreiber chamou de ‘fosso tecnológico’.

Corrobora esse aspecto, o fato de o então Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aluísio Mercadante, ao apresentar, em 2012, a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) comentar que “o principal desafio que o Brasil terá de enfrentar se quiser se transformar em um país efetivamente desenvolvido, com uma economia eficiente e competitiva, é preparar-se para a sociedade do conhecimento” (BRASIL, 2012, p. 9). A ENCTI entende ciência, tecnologia e inovação como eixo estruturante do desenvolvimento do Brasil. Ao se falar em uma sociedade competitiva, retomamos o conceito de sociedade do conhecimento, onde a gestão de dados científicos se torna fundamental para o desenvolvimento do país.

Compreender o processo de desenvolvimento da política científica e tecnológica do Brasil significa, antes de tudo, conhecer os percalços pelos quais os pesquisadores e cientistas passaram ao induzirem a criação dos programas de pós-graduação, dos centros de pesquisa, das associações científicas e instituições de fomento à C&T no Brasil, além de permitir conhecer os interesses políticos que permearam o caminho da ciência e do desenvolvimento tecnológico no Brasil. Essa breve análise histórica corrobora a proposta de campo científico de Bourdieu (2003; 2004), bem como reforça o conceito de autonomia relativa proposto pelo autor, pois o que Bourdieu propôs foi um meio termo entre autonomia e ausência de autonomia da ciência. Em suas palavras: “escapar à alternativa da ‘ciência pura’, totalmente livre de qualquer necessidade social, e da ‘ciência escrava’, sujeita a todas as demandas político-econômicas” (BOURDIEU, 2004, p. 21).