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4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERFIL DO CORPUS

4.2.1 Considerações sobre o gênero produzido

Conforme se adiantou na introdução deste trabalho, os textos que serviram para a coleta do corpus são aqui referenciados como artigos de opinião. A necessidade de propor uma produção com base em um gênero que circula socialmente, segundo orientam estudos diversos no campo do ensino de línguas e segundo estabelecem as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná (2008), levou à escolha do gênero artigo de opinião por ser o que mais se aproxima da proposta do ENEM escolhida para orientar a produção, conforme explicitado na subseção 4.1.2. Tendo em vista tal escolha, é pertinente que se explicitem algumas características do gênero, considerando sua função e seu contexto de produção, circulação e recepção.

Rodrigues (2001) entende que um dos elementos relevantes para a análise do funcionamento do gênero artigo se refere às especificidades da sua esfera social: a esfera jornalística, que se constitui no horizonte de acontecimentos, fatos, conhecimentos e opiniões da atualidade, de interesse público.

Ainda conforme a autora, a função socioideológica desse gênero se caracteriza por fazer circular (interpretar, “traduzir”), periódica e amplamente, informações, conhecimentos e pontos de vista da atualidade e de interesse público, “atualizando” o nível da informação da sociedade (ou de grupos sociais particulares).

Nesse contexto, segundo Rodrigues (2001), o artigo se situa entre os gêneros que historicamente têm seu horizonte temático e axiológico orientado para a manifestação da expressão valorativa a respeito de acontecimentos sociais que são notícia jornalística. A autora observa que o artigo é definido pela instância jornalística e pela esfera acadêmica como o gênero cuja finalidade discursiva da interação social é a manifestação de um ponto de vista, um comentário a respeito dos acontecimentos sociais do universo temático jornalístico, que

75 apresenta aos leitores determinada orientação apreciativa, cuja autoria representa uma pessoa externa à empresa jornalística.

A autoria, para Melo (2003), é uma das características fixas desse gênero, a qual é sempre definida e explicitada. O articulista que assina o texto pode ser um jornalista ou qualquer cidadão comum que tenha algo a dizer sobre acontecimentos atuais. A configuração dessa autoria, considerando o papel social de quem assina o texto, tem grande relevância na constituição do gênero, uma vez que, conforme analisa Bonini (2003), a identidade de gêneros próximos, como o editorial, a opinião do leitor e o artigo assinado, é cunhada mais pela posição de onde se fala (editorialista, leitor especialista e articulista), pelo que está envolvido nessa posição, do que pela estruturação linguística desses gêneros, que é praticamente a mesma, como também o é o propósito comunicativo: convencer pela argumentação.

Quanto ao contexto de recepção, o texto é acessado por aqueles que são leitores do veículo em que é publicado. Em geral, os jornais e revistas impressos, pelo menos os de grande circulação, configuram o perfil de seu público a partir de enquetes socioeconômicas.

Rodrigues (2001) observa que as grandes empresas jornalísticas publicam jornais diferenciados, destinados ao consumo de diferentes tipos de destinatário, tomando por base a classe econômica. Segundo a autora, enquanto nos jornais destinados aos leitores das classes sociais A e B se tem a presença constante do gênero artigo, nos jornais destinados exclusivamente aos leitores das classes populares (C, D e outras), observa-se a tendência de não apresentar tal gênero.

A respeito da configuração geral do gênero, é pertinente aqui apresentar algumas ressalvas considerando o contexto de ensino. Quando é tomado para fins didáticos, as características relativas à circulação e recepção do artigo de opinião são transfiguradas: o espaço de circulação deixa de ser aquele previsto para o gênero e passa a ser a sala de aula; e os leitores passam a ser os alunos, que, por via de regra, não são leitores de jornais e revistas, ou seja, não são os leitores previstos para o gênero. De forma mais ampla, pode-se dizer que os aspectos sociocomunicativos e funcionais reais do artigo de opinião são diversos nesse contexto em comparação com aquele em que comumente circula.

Quando o trabalho se volta para a produção textual, essa desconfiguração fica ainda mais evidente, uma vez que se altera também o contexto de produção do gênero. O produtor deixa de ser um articulista e passa a ser o aluno, um improvável produtor de artigos de opinião que circulam na esfera jornalística, pelo menos em seu papel social atual.

Ademais, aspectos como o espaço geográfico e social de onde emerge e onde circula o texto é bastante distinto em comparação ao contexto de produção e circulação do artigo

76 publicado na esfera jornalística. No caso dos textos que serviram para a coleta do corpus, a heterogeneidade dos potenciais leitores (alunos, pais, professores e funcionários da instituição) e o suporte do texto (mural do colégio) são exemplos disso.

Considerando toda essa desconfiguração, ou reconfiguração, cabem algumas considerações sobre os resultados esperados. Toma-se como inadequada a expectativa de que um aluno de cerca de 17 anos trate de assuntos socialmente controversos da mesma forma que um articulista o faz em um artigo de opinião publicado na esfera jornalística. O relacionamento que aluno e articulista têm com o conteúdo e com o interlocutor não é o mesmo: o domínio do conteúdo e da situação de interação dá ao articulista maior possibilidade de ação sobre o outro e, por isso, de êxito em relação aos usos linguísticos que faz, inclusive daqueles que pontuam de forma mais explícita as estratégias de negociação mobilizadas no texto.

Conforme analisa Rodrigues (2001), a opinião do articulista, um interlocutor de elite, constitui-se como certa norma para os leitores, uma vez que sua posição social de autoria se mostra como um argumento para a plausibilidade, credibilidade do enunciado que apresenta. É nesse sentido que Melo (2003) explica que a assinatura é um índice que orienta a leitura do interlocutor, sendo um parâmetro para a sua valoração em relação ao texto. A posição de autoria retrata, pois, um argumento de autoridade (RODRIGUES, 2001).

Essa posição não é acessada pelos alunos. O papel social real que assumem, e não o papel virtual a que geralmente são lançados no momento da produção de um texto, não lhes permite debater o assunto em pé de igualdade em relação ao articulista, o que se reflete na superfície textual. Nesse sentido, é de se esperar que os articulistas usem de forma mais produtiva as possibilidades da língua para alcançar os objetivos perlocucionários do gênero do que os alunos, produtores de texto em formação. Além de, em geral, lidarem eficientemente com estratégias do texto argumentativo stricto sensu produzido na modalidade escrita, os articulistas se propõem a debater assuntos que são de seu domínio. O mesmo não ocorre com os alunos, que precisaram responder a uma proposta que advém da escolha da professora. Apesar do cuidado em garantir o debate da temática em sala, os textos refletem a dificuldade de tratamento do tema trazido para discussão, dificuldade esta que se revela em relação tanto ao entendimento mesmo da questão posta para debate quanto à tomada de posição perante o assunto abordado.

Entende-se, então, que exigir que o resultado dos textos produzidos em sala fosse comparável àquele alcançado em artigos de opinião publicados na mídia impressa ou na internet, por exemplo, seria ignorar as condições de produção desses textos. E desconsiderar

77 tais condições é retroagir em direção à visão do texto como um produto pronto e acabado, sem história e condenado a uma análise que não ultrapassa o que é dado na superfície textual, orientação que não se assenta na visão da linguagem como atividade sócio-histórica (MARCUSCHI, 2008).

Assim, a escolha por referenciar os textos analisados como “artigo de opinião” requer que se levem em conta as condições de produção, circulação e recepção real do gênero. Nesse sentido, os textos que serviram para a coleta do corpus são aqui tomados como exemplares desse gênero considerando tal contexto, e não o padrão esperado de textos que circulam na mídia.