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A proposta de analisar um corpus produzido numa situação real de interlocução a partir de uma perspectiva que não se limite às relações lógicas e sintáticas, mas que, além do significado da frase, considere a significação proposta no texto, para usar os termos de Dascal (1986), implica considerar o dictum como uma representação mais ou menos exteriorizada pelo relato do locutor (VION, 2004), conforme exposto anteriormente, e adotar a proposta de Parret (1988) de ultrapassar as definições e classificações das teorias gramaticais clássicas a respeito da modalidade. Para Parret (1988), tais teorias limitam-se ao nível superficial da lexicalização, recaindo a observação sobre o comportamento sintático e sobre a força semântica dos verbos modais (poder, dever, saber, querer). O autor assinala a necessidade de se promoverem estudos que considerem as modalidades não mais como propriedades de

39 sequências lexicalizadas, mas como “verdadeiros atos de linguagem” (PARRET, 1988, p. 10), analisados a partir do contexto de ação de que tomam parte.

Seguindo essa perspectiva, considera-se limitada a ideia de que a modalização se resuma à verbalização da atitude do falante com respeito ao conteúdo proposicional (CASTILHO; CASTILHO, 1992), ou se limite a exprimir o ponto de vista do enunciador (NEVES, 2006).

O foco no relacionamento do produtor com o texto é registrado também nas descrições apresentadas por Koch (2002a), que define modalizadores como todos os elementos linguísticos que estão ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como “indicadores de intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso” (KOCH, 2002a, p. 136, destaque acrescentado), e descreve as estratégias modalizadoras como “aquelas que têm por objetivo preservar a face do locutor, por meio da introdução no texto de atenuações, ressalvas, bem como marcar o grau de comprometimento, de engajamento do locutor com o seu dizer, o grau de certeza com relação ao dito” (KOCH, 2009, p. 125, destaque acrescentado).

Embora as definições dadas pela autora considerem aspectos pragmáticos, como as intenções envolvidas na interação, não se considera de forma explícita o relacionamento que o produtor do texto estabelece com o interlocutor, pois a ênfase centra-se no locutor e em sua atitude em relação ao conteúdo proposicional. Promove-se, assim, um recorte do contexto enunciativo, conforme avalia Miranda (2005):

O que temos, portanto, na definição desse fenômeno, é o conteúdo proposicional de um lado, a atitude ou intenção do sujeito de outro e um interlocutor subfocalizado ou mesmo fora de cena. Mais uma vez, negligencia-se o caráter partilhado, dinâmico da construção da significação. [...] a cena se recorta a partir de sujeitos e usos de linguagem desencarnados, fora do drama comunicativo: a modalidade é vista como uma propriedade de frase, de atos de fala isolados em vez de concebida em seu locus natural, i.e., nas ações conjuntas, no discurso (MIRANDA, 2005, p. 179).

Tomar a modalidade como uma propriedade da enunciação, do discurso, e não da frase, do enunciado, conforme propõe Miranda (2005), implica considerar que, ao expressar as atitudes do produtor perante o texto, os modalizadores, nesse mesmo processo, acabam revelando as atitudes que o produtor toma perante o seu interlocutor, uma vez que, por meio de tais elementos, dá indícios de como quer ser interpretado pelo parceiro e explicita a intenção de agir sobre este, regulando o tom da interação proposta: mais ou menos incisiva, mais ou menos tensa, por exemplo.

40 A análise dessa outra face dos elementos modalizadores, aquela responsável pelo relacionamento interpessoal, é amparada por Parret (1988), para quem as modalidades devem ser interpretadas no interior do contexto acional de que participa, o qual, conforme já descrito na Seção 1, considera os interlocutores envolvidos e a situação de troca estabelecida, levando em conta a dialética da intenção e seu reconhecimento, visualizada por meio dos expedientes linguísticos atualizados.

Neves (2006) também contribui para a análise do relacionamento interpessoal promovido por modalizadores ao avaliar que, em uma interação verbal, os interlocutores, ao mesmo tempo em que organizam a mensagem, definem seus papéis na interlocução, colocando-se na posição de doador ou solicitador, de asseverador, de perguntador, de respondedor, de ordenador etc. Nesse mesmo processo de definição de papéis, diz a autora, o produtor escolhe marcar ou não explicitamente o seu enunciado com valores modais de diversas categorias, ou seja, com elementos modalizadores stricto sensu. Essa função interpessoal se apresenta mais enfática quando se tem um enunciado marcadamente modalizado, conforme explica Neves (2006), o que se daria pela presença mais evidente do falante e do interlocutor, nesse caso.

Para Miranda (2005), o processo interacional deve ser tomado como núcleo definidor da modalização:

[...] o que o processo de modalização promove é a negociação de identidades, é a representação do drama, removendo-se barreiras ou impondo-se forças em relação ao interlocutor. Não há, pois, a nosso ver, como se propor uma análise desse fenômeno, a não ser tentando captá-lo em meio à chama, ou seja, no processo discursivo em que não há como separar o semântico-linguístico do interacional e do cognitivo (MIRANDA, 2005, p. 180).

Uma descrição mais completa da modalização deve compreender aspectos pragmáticos, o que significa tomá-la como um retrato da atitude do produtor do texto tanto em face do conteúdo proposicional quanto em face de seu interlocutor, conforme proposta de Parret (1988), Neves (2006) e Miranda (2005). Nessa perspectiva, os modalizadores podem ser descritos como estratégia linguístico-interlocutiva.

Considerando que tal estratégia pode ser demarcada por um conjunto heterogêneo de meios, faz-se necessário estabelecer que tipos de modalizadores serão considerados nesta pesquisa, conforme explicitado na subseção seguinte. Vale ressaltar que a definição dos eixos considerados é guiada pelo objetivo de considerar os modalizadores na construção argumentativa de textos opinativos e pelo perfil do corpus. Tais considerações permitiram

41 visualizar, por um lado, os elementos desejáveis em um texto opinativo, por serem produtivos na orientação argumentativa e interlocutiva, e, por outro, os elementos recorrentes nos textos de onde se tomaram os parágrafos que constituem o corpus.