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Considerações sobre o mercado de trabalho no período recente

Capítulo II – Mercado de trabalho e pobreza

2.5. Considerações sobre o mercado de trabalho no período recente

É marcante a diferença de desempenho dos indicadores de mercado de trabalho no decorrer do intervalo analisado neste trabalho. No primeiro período que vai de 1992 a 2003, a economia brasileira passou por um período de estagnação derivada das opções de política econômica tomadas pelo governo federal. O foco da gestão macroeconômica do país era o controle das elevadas taxas de inflação, o que foi feito por meio de medidas que afetaram negativamente o desempenho da economia. Em um primeiro momento, a abertura comercial, acompanhada, em meados dos anos 90, do uso da sobrevalorização cambial, provocaram sérias rupturas na estrutura produtiva brasileira. Além de perder parte do mercado nacional em razão da concorrência de produtos importados que se beneficiavam da vantagem cambial dada pela taxa de câmbio favorável, o mercado externo ficou mais restrito pelo mesmo motivo.

Outro instrumento utilizado no período que teve repercussões profundas na estrutura econômica brasileira foi a taxa de juros. Elevadas taxas de juros atuavam na captação de recursos externos e no controle da liquidez e do crédito no plano interno. Essa política fiscal obrigava o país a obter seguidos superávits primários, restringindo o gasto corrente do governo. Essa restrição concentrou-se em grande parte nos programas e políticas sociais que conseguiam, mesmo que em baixa escala e intensidade, atuar sobre a população mais pobre (ROCHA, 2003). Os efeitos dessa política macroeconômica sobre o mercado de trabalho foram intensos. Com a queda da atividade econômica impactando sobre o mercado interno e a concorrência com produtos importados, as empresas brasileiras buscaram estratégias fundamentadas na redução de custos, especialmente dos custos do trabalho. A implementação de novas estruturas organizacionais poupadoras de mão de obra nas empresas e o enfraquecimento de alguns elos da cadeia produtiva levaram a eliminação de postos de trabalho e o consequente aumento na taxa de desemprego, acompanhado de uma previsível diminuição no rendimento do trabalho. No contexto de uma sociedade extremamente desigual em relação à distribuição de renda, a consequência desse quadro é o aumento da pobreza absoluta, pois uma parte da PEA passa a ser desocupada e a parte que permanece ocupada tem seus rendimentos, em termos reais, diminuídos.

Outro efeito da política macroeconômica sobre o mercado de trabalho e que tem impacto direto nos indicadores de pobreza é a precarização dos vínculos trabalhistas. Dentro da estratégia defensiva adotadas por grande parte das empresas nacionais, um dos instrumentos utilizados foi a subcontratação e a terceirização de serviços. Nesse caso, os trabalhadores, ao

serem contratados por meio de uma terceira empresa, geralmente tem a sua remuneração reduzida e alguns direitos diminuídos ou suprimidos. Vale lembrar que essa estratégia tende a afastar os trabalhadores de uma categoria do seu sindicato, o que os torna mais frágeis nas negociações com os empregadores.

Também é uma característica desse período de 1992 a 2002 o aumento da informalidade das relações de trabalho. O trabalhador sem vínculo trabalhista algum com a empresa não tem garantias de seus direitos, nem mesmo em relação à remuneração. Vínculos informais geralmente apresentam remunerações abaixo do salário mínimo e não tem garantia de exercício dos seus direitos, além de não garantir também a sua proteção previdenciária.

É certo que a execução do plano para estabilização de preços obteve sucesso em seu objetivo. Esse sucesso acabou gerando um efeito positivo sobre a renda das famílias mais pobres e, consequentemente, sobre os indicadores de pobreza absoluta. No entanto, pelo fato do plano estar completamente focado no combate à inflação, pode-se afirmar que os efeitos sobre a renda e a pobreza foram uma externalidade dessa política. Os dados de pobreza no período de 1992 a 2002 indicam, na visão mais otimista, uma estabilidade em tais indicadores. Em 2003, a posse de um governo com orientação política diferente ao menos estagnou o avanço da agenda neoliberal. É certo que os primeiros anos do governo Lula continuaram aplicando a mesma agenda macroeconômica adotada pelo governo anterior: taxa de juros elevada e geração de sucessivos superávits primários (GIMENEZ, 2006). No entanto, após esse primeiro momento, iniciou-se a estruturação e expansão de políticas sociais e, em 2005, a Política de Valorização do Salário Mínimo que, como já citado neste trabalho, promoveu uma sequência de ganhos reais ao salário mínimo utilizando como referência o crescimento do PIB no período anterior e a reposição da inflação, transferindo ao menos parte dos ganhos do crescimento econômico também para os trabalhadores. Em seguida, como aponta Baltar (2015), a retomada do crédito e do investimento público criaram condições para uma maior dinamização da economia e, em consequência, do mercado de trabalho.

Neste momento ficam latentes as diferentes orientações políticas dos dois governos. Enquanto o governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1994 e 2002, transferia o protagonismo da condução da economia para o mercado, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente a partir de 2006, voltou a colocar o Estado como indutor do crescimento econômico.

Os efeitos dessa “macroeconomia do emprego” (MANZANO, 2014) foram, como apontado nesta seção, um movimento de reestruturação do mercado de trabalho, com a expansão da ocupação, queda no desemprego, maior proporção de vínculos de trabalho formais

e elevação real do valor das remunerações. Esse movimento de tais indicadores acabou por expandir o mercado consumidor interno, o que estimulou a demanda agregada e criou um ambiente favorável ao crescimento econômico. Essa política se fez presente durante a crise financeira internacional que eclodiu no final de 2008 e teve consequências em 2009. Frente a essa crise, o PIB brasileiro recuou 0,1%. Como comparação, o PIB americano recuou 2,8% e o argentino teve uma queda de 5,9%.

É importante ressaltar mais uma vez que esse movimento de reestruturação do mercado de trabalho ocorreu sem que se fizessem modificações na regulamentação do mercado de trabalho. O crescimento econômico, a expansão da demanda agregada e as ações governamentais acabaram produzindo esse efeito que gerou não só uma expansão do emprego, como também sua formalização. Nesse mesmo sentido, uma mudança nas relações de poder, principalmente com uma maior proximidade entre governo e o movimento sindical, contribuiu para fortalecer esse cenário (KREIN et al, 2012).

O crescimento da renda média do trabalho, especialmente nos estratos sociais que compõe a base da pirâmide social, como demonstrado nesta seção, atuou positivamente na renda monetária das famílias e retirou uma parte delas da condição de pobreza absoluta. No entanto, no mesmo período observou-se a expansão dos programas de transferência de renda do governo federal para as famílias mais pobres, o que também influenciou o comportamento dos indicadores de pobreza. O próximo capítulo procura compreender de que maneira e em qual intensidade esses programas atuaram no combate à pobreza absoluta.