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Considerações sobre o desenvolvimento de uma teoria

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 120-126)

Importa esclarecer nesse momento o que vem a ser uma teoria e quais os requisitos exigidos para que uma disciplina a desenvolva.

O termo teoria não é unívoco. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa significa um “conjunto de regras ou leis, mais ou menos sistematizadas, aplicadas a uma área específica”. Indica uma organização de princípios de uma teoria como “conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético”. Considera-se teoria crítica a “doutrina ou sistema resultantes dessas regras ou leis” ou o “conjunto sistemático de opiniões e idéias sobre um dado tema”. Por fim, sob o aspecto da pesquisa, considera-se ainda teoria “qualquer noção abrangente; generalidade”.63

Para o senso comum a teoria tem sentido de especulação que devem ser verificadas, se forem confirmadas como verdadeiras ganham autoridade legal.64

63 Antônio Houaiss; Mauro de Salles Villar, Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 2.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.

64 Marina de Andrade Marconi; Eva Maria Lakatos, Fundamentos de metodologia científica, cit, p. 116.

O termo teoria tem quatro significados relevantes: especulação ou vida

contemplativa (Grécia antiga); condição hipotética ideal a fim de observar as imperfeições e buscar o pleno cumprimento das normas; ciência pura que exclui do rol cientifico a técnica de produção e; hipótese ou conceito científico na qual implica a constatação de hipóteses confirmadas a fim de estruturar a ciência.65

Este último conceito tem especial relevo uma vez que a teoria científica ampara, metodologicamente, as ciências. Quanto aos resultados das pesquisas podem ser considerados da seguinte forma: a teoria científica contém uma ou mais hipóteses ou é uma própria hipótese, mas sem considerar esta como uma suposição; a teoria científica é a estrutura do corpo científico, condiciona a observação dos fenômenos e o uso dos instrumentos de observação; a teoria científica contém, não só as hipóteses, como também instrumentos que possibilitam a confirmação; uma teoria não se resume a explicação do domínio de fatos, mas há instrumentos de previsão e de classificação.66

Sobre o último aspecto, o fato significa uma observação empiricamente verificada. A teoria diz respeito a ordenação desses fatos, traçando conceitos, classificações, princípios, regras, teoremas, axiomas, generalizações, entre outros.67

Isso enseja o inter-relacionamento entre a teoria e o fato a fim de alcançar a verdade. A teoria forma um conjunto de fundamentos para explicar cientificamente os fatos. Os fatos são imprescindíveis para o desenvolvimento de uma teoria a análise de fatos sem uma abordagem teórica não tem conteúdo científico, são meros amontoados de observações. 68

65 Nicola Abbagnano, Dicionário de filosofia, cit., p. 952. 66 Idem, ibidem, p. 952-953.

67 Marina de Andrade Marconi; Eva Maria Lakatos, Fundamentos de metodologia científica, cit, p. 116.

Há consenso de que uma teoria deve orientar quais são os objetivos da ciência, restringindo os fatos a serem estudados, unificando-os sistematicamente.69

Outro importante papel da teoria diz respeito à síntese sobre o objeto de estudo, por meio de generalizações verificadas. Além disso, serve para prever novos fatos, inspirada naqueles conhecidos.70 Essa característica é uma das tarefas fundamentais das teorias científicas. 71

Por fim, a teoria visa a identificar os fatos e as relações que exigem uma pesquisa complementar para serem compreendidos.72

O fato também exerce papel relevante na formação de uma teoria. Uma descoberta pode ensejar uma nova teoria. Os fatos podem implicar na reformulação ou na rejeição de teorias existentes. Os fatos podem tanto redefinir, como esclarecer uma teoria estabelecida anteriormente, quando demonstram peculiaridades em que a teoria aborda genericamente. Os fatos podem, ainda, clarificar os conceitos da teoria.73

Como esclarece Miguel Reale, a função primordial de uma teoria é de valer conforme as verdades obtidas, bem como, “tornar acessíveis à compreensão as verdades de outras teorias.”74

Esta tese tem por fim verificar se a teoria do Direito Processual Penal brasileiro cumpre essa especial missão.

69 Nicola Abbagnano, Dicionário de filosofia, cit., p.953; Marina de Andrade Marconi; Eva Maria Lakatos, Fundamentos de metodologia científica, cit, p. 117.

70 Marina de Andrade Marconi; Eva Maria Lakatos, Fundamentos de metodologia científica, cit, p. 118-119.

71 Nicola Abbagnano, Dicionário de filosofia, cit., p.953

72 Marina de Andrade Marconi; Eva Maria Lakatos, Fundamentos de metodologia científica, cit, p. 120.

73 Marina de Andrade Marconi; Eva Maria Lakatos, Fundamentos de metodologia científica, cit, p. 120-124.

FUNDAMENTOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

BRASILEIRO

3.1 Considerações iniciais: Código genético do Direito Processual Penal - 3.2 Conceito de Direito Processual Penal - 3.3 Características publicísticas do processo penal: infração penal, poder-dever de punir estatal e tutela dos direitos humanos fundamentais - 3.4 Persecução penal - 3.5 O problema da verdade: inquisitividade versus imparcialidade - 3.6 Investigação criminal - 3.7 Ação penal - 3.8 Processo e procedimento penal - 3.9 Jurisdição: 3.9.1. Jurisdição Constitucional: uma tendência dos Estados Democráticos; 3.9.2 Jurisdição penal - 3.10 Controvérsia sobre a lide penal - 3.11 Contraditoriedade no processo penal - 3.12 Coisa julgada penal - 3.13 Medidas cautelares

3.1 Considerações iniciais: Código genético do Direito Processual Penal

O processo penal como instrumento estatal para impor uma sanção ao infrator adquire contornos específicos, especialmente após a segunda grande guerra, decorrentes dos direitos humanos fundamentais. Paralelamente, o corpo de pesquisadores do processo da época, especialmente os italianos e os alemães, voltam os olhos ao processo penal como objeto de estudo científico.

Para identificar o código genético da Ciência Processual Penal, ou seja, a

essência que deve nortear o pesquisador e o intérprete, imprescindível avaliar os fins do processo penal em sentido largo, relacionado a toda persecução penal e à execução penal.

Com a consagração dos direitos humanos fundamentais, o processo penal, além de instrumento estatal para aplicar a penalidade e restabelecer a paz social violada, passa a ser um verdadeiro escudo contra as possíveis arbitrariedades estatais, por conseguinte, o juiz penal ganha uma nova atribuição, a de guardião desses direitos. Durante a persecução penal e na fase de execução da sentença penal condenatória, nada escapa aos olhos do juiz penal, ainda que a fase de

desenvolvimento daquela seja extrajudicial, pois exerce controle sobre a Polícia Judiciária.

Faltava ao Brasil adequar o sistema processual penal aos instrumentos internacionais de proteção do indivíduo contra o forte poder estatal. Embora, a ciência reivindicasse por essa adequação muito tempo atrás.1

O processo brasileiro de democratização concedeu um novo fôlego aos processualistas penais, ante a abertura do poder constituinte originário para acolher a ampla maioria dos direitos humanos fundamentais assentados nos instrumentos internacionais. Mesmo assim, era preciso incorporá-los. Isto ocorreu de forma gradativa, mas significativa.2

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 procurou incorporar os tratados internacionais sobre direitos humanos como norma constitucional. Porém, isso na prática encontra certa dificuldade, especialmente em decorrência do processo legislativo de incorporação, evidentemente simplificado diante das emendas constitucionais.

O ajuste sobre o referido processo legislativo veio por meio da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, conhecida popularmente como a “reforma do Poder Judiciário”. Com isso, os tratados internacionais para serem incorporados devem se submeter ao mesmo processo legislativo das emendas constitucionais.3

1 João Mendes de Almeida Júnior, O processo criminal brazileiro. 2. ed. São Paulo: Francisco Alves e Cia, 1911, v. I, p. 8; Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios fundamentais do

processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973; Vicente de Paula Vicente de Azevedo,

Curso de direito judiciário penal. São Paulo: Saraiva, 1958, v. 1; Hélio Bastos Tornaghi,

Instituições de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v.1, p. 10-11; José Frederico Marques, Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1961. v. I, p. 71-81. 2 Flávia Piovesan ressalta como consequência do processo de democratização, “iniciado no Brasil a partir de 1985, não apenas implicou transformações no plano interno, mas acenou com mudanças na agenda internacional do Brasil. Essas mudanças contribuíram para a reinserção do País no contexto internacional. Nesse sentido, percebe-se que os valores democráticos que demarcaram o debate nacional, num momento histórico de ruptura com o ciclo de autoritarismo pelo qual passou o País, invocaram uma agenda internacional renovada no âmbito brasileiro” (Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 255).

3 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) “§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

Essa alteração, embora significativa, porque reconhece os tratados internacionais sobre direitos humanos como norma constitucional, traz graves problemas para Ciência Processual Penal.

A maioria dos Tratados Internacionais sobre direitos humanos se incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro antes da referida alteração, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos4 e o Estatuto de Roma que consagra a jurisdição do Tribunal Penal Internacional.5

Essa mudança de panorama do processo penal de mero instrumento de aplicação da pena, a fim de restabelecer a paz social violada para, tutelar o indivíduo contra o forte poder dos órgãos de persecução penal, implica a exigência de um devido processo penal, pautado na dignidade da pessoa humana, onde se presume a inocência do acusado, que tem o direito de exercer a mais ampla defesa, cuja contraditoriedade desponta como indisponível.

Estas diretrizes permitem a identificação do código genético da ciência que

estuda o processo penal, na dignidade da pessoa humana e nos direitos humanos

fundamentais, especialmente no tratamento a ser ofertado ao acusado e ao condenado. Impõe-se uma releitura dos fundamentos, principalmente pelos cientistas e intérpretes.

Neste capítulo, objetiva-se analisar os fundamentos do Direito Processual Penal brasileiro, que formam a base teórica para o estudante e o intérprete dessa ciência. Rogério Lauria Tucci, inspirado nos posicionamentos de Joaquim Canuto Mendes de Almeida e de Piero Calamandrei, ao lado de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, foi o cientista jurídico que agrupou as linhas mestras da Teoria da Ciência Processual Penal brasileira, organizando e sistematizando os institutos

que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Decreto Legislativo com força de Emenda Constitucional)”.

4 Decreto 678, de 06 de novembro de 1992. 5 Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002.

específicos,6 a fim de demonstrar as peculiaridades do processo penal, incomparáveis com o processo extrapenal.

O ponto de partida para compreender o sistema processual penal situa-se na conceituação desse ramo científico e no por quê de sua existência. Para isso, imprescindível traçar os fundamentos desde a prática da infração penal até a decisão penal irrecorrível.

Esse estudo compreende as características publicísticas do processo penal: infração penal; poder-dever de punir estatal e; tutela dos direitos humanos fundamentais. Compreende ainda, a persecução penal, com suas respectivas fases - investigação criminal e ação penal; o problema da verdade, sob o enfoque da relação entre a inquisitividade e a imparcialidade estatal; o processo e o procedimento penal; a jurisdição, voltada às atividades constitucional e penal; o debate sobre a existência de lide no processo penal; os aspectos da contraditoriedade no juízo penal; a coisa julgada penal e; as medidas cautelares.

O objetivo desta pesquisa se restringe ao estudo dos fundamentos, sem uma busca exaustiva de cada instituto. Vale ressaltar que as conclusões permanecem abertas para ajustes e sugestões científicas.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 120-126)