1.3 A discussão brasileira sobre a existência de uma teoria geral do
1.3.2 Delineamentos de uma teoria do Direito Processual Penal
1.3.2.4 Novos adeptos da teoria do Direito Processual Penal: Paulo
Paulo Rangel admite que a sua formação “foi em cima da idéia de TGP – Teoria Geral do Processo”, mas se “livrar desta postura não foi uma decisão fácil. Venho refletindo, lendo e ouvindo todos que pensam diferente, e vou continuar”.294
Assim o autor destaca que adotou “o conceito de caso penal” e afastou “o de lide no processo penal. Tal postura se deve a influência positiva que tive do Professor Doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, meu orientador, quando no Doutorado”.295 Com isso, admite a influência da filosofia e da psicanálise na formação de seu pensamento jurídico.
Explica que o enfrentamento entre a pretensão e a resistência foi abandonado, mas a expressão pretensão continua sendo usada tendo em vista que o Ministério Público “exerce a pretensão acusatória justaposta a pretensão de liberdade do réu (logo, não é contra, nem este subordinado àquele; seria o caos se assim fosse no processo penal)”.296
Com isso, Paulo Rangel explica que a pretensão em seu estudo não tem o sentido conferido por Francesco Carnelutti, mas não pretende “dar um novo conceito de pretensão, processualmente falando”. Como o direito de punir pertence ao Estado-juiz entende que o Ministério Público “não exerce pretensão punitiva”. A pretensão penal deve ser entendida como a “reivindicação, aspiração contida na acusação (imputação penal + pedido)”. 297
Ressalva o autor que essa mudança de posição não impõe a decisão de deixar de utilizar conceitos do processo civil. Pelo contrário, sempre que utilizá-
294 Paulo Rangel, Direito Processual Penal 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. xlix. 295 Idem, ibidem, p. xlviii.
296 Ibidem.
los, tomara o cuidado “de não emprestar a idéia de que o faço em decorrência da teoria geral do processo como se fosse única”, pois “o processo penal tem suas categorias próprias”.298
Paulo Rangel procura situar o seu leitor sobre a mudança de teoria adotada nos seguintes termos:
(...) convencido estou de que a famigerada teoria geral do processo não serve para ambas as ciências, civil e penal. Mas isso não significa que aqueles, que, assim como eu pensava, ainda pensam estejam errados. Trata de posição doutrinária que temos que respeitar, pois tenho dito (e incorporei isso à obra) que temos que apreender a lidar com as diferenças (Warat).
Nosso problema, no Direito, é que achamos que aqueles que pensam diferente de nós estão sempre errados, ou seja, não sabemos lidar com as diferenças de pensamento. Eu mesmo tenho-me corrigido e me policiado. Orai e vigiai, é uma máxima cristã.299
Walter Nunes da Silva Júnior estrutura uma obra sobre Direito Processual Penal,300 onde dedica parte dela para demonstra a existência de uma teoria do
Direito Processual Penal Constitucional.
O autor parte do pressuposto que o Direito Processual Penal deve ser “concebido como o ramo da ciência jurídica que se ocupa do estudo dos princípios e institutos que dizem respeito ao exercício da atividade jurisdicional.” Acrescenta que para “rebuscar a teoria do processo penal é preciso, mais do que pura investigação jurídica, ir além dessa área restrita para resgatar e compreender as suas raízes político-filosóficas.”301
Para isso, considera imprescindível constatar os reflexos decorrentes da “nova configuração dos Estados contemporâneos (neoconstitucional) e a função desempenhada pelas Constituições”, o que permite a compreensão das normas infraconstitucionais.302
298 Ibidem, p. xlix.
299 Ibidem.
300 Walter Nunes da Silva Júnior, Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do
processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. 301 Idem, ibidem, p. 253.
Constata que esse paradigma, embora encontre as raízes na queda do Absolutismo, evidencia-se e repercute pelo mundo após a Segunda Grande Guerra. Molda os Estados como Constitucional de Direito, em decorrência da ampliação do plano normativo com a adoção de uma Constituição para vários países (Comunidade Européia).303
Por isso, considera mais adequado ao cientista do Direito Processual Penal
perquirir a teoria constitucional de um determinado ramo do Direito do que a teoria geral, até porque esta se subordina àquela, especialmente no campo do Direito Processual Penal, cujo perfil tutelar dos direitos fundamentais é um corolário lógico do ideário firmado pelo Estado democrático com raízes fincadas em uma Constituição, uma vez que este texto possui posição hegemônica no sistema jurídico e tem a sua inteireza positiva, autoridade e uniformidade de interpretação assegurada mediante ampla jurisdição constitucional, exercida pela adoção da técnica concentrada e difusa. Os direitos fundamentais, assim, possuem função fundamentadora, interpretativa e supletiva do ordenamento jurídico processual penal.304
O autor identifica uma dimensão constitucional da teoria do processo penal, porque o constitucionalismo contemporâneo (pós Segunda Guerra) tem como premissa a democracia e os direitos fundamentais. Consequentemente, importa pesquisar a teoria constitucional do processo, do que a teoria geral do processo. Principalmente a teoria constitucional do processo penal, pois constata que a “história dos direitos fundamentais mostra que a razão de ser destes repousa em movimento iniciado no sentido de impor limites ao poder do Estado, aí inserido o de punir por meio do exercício da jurisdição penal.”305
Com isso, Walter Nunes da Silva Júnior identifica o processo penal como um legítimo instrumento para o uso da força estatal na persecução penal, porém, se manifesta “como uma limitação quanto ao uso desse poder-dever. O processo penal foi pensado e existe como uma forma de freio ao poder de punir do Estado”. Por isso, observa o autor, “desde as primeiras cartas constitucionais, com especial destaque para a americana e a brasileira de 1824, dentre os direitos
303 Ibidem, p. 254.
304 Ibidem, p. 256. 305 Ibidem, p. 260-262.
fundamentais, encontram-se catalogadas várias disposições referentes à persecução criminal”.306
Portanto, o autor considera essencial visualizar o processo penal como a “imagem e semelhança da teoria que informa e alicerça os direitos fundamentais. Com isso, se tem que a teoria do processo penal é, substancialmente, constitucional”, conforme os direitos humanos fundamentais assegurados na Constituição brasileira e nos tratados internacionais sobre direitos humanos.307
Por fim, conclui Walter Nunes da Silva Júnior que esse movimento de
constitucionalização do ordenamento subconstitucional, sente-se a necessidade de a doutrina esboçar a teoria constitucional do