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Consolidação do Movimento Indígena no Brasil: resistência coletiva

No documento TERRA, CIDADANIA E EXCLUSÃO: (páginas 45-48)

Desde a colonização portuguesa, várias têm sido as formas em que as populações indígenas procuraram se relacionar com a comunidade nacional em busca de seu lugar, seus direitos. Contudo, essa convivência sempre foi conflituosa gerando um misto de antagonismo e resistência dessas populações em relação ao Estado. Durante quinhentos anos de conquista e ocupação do território brasileiro pelo colonizador, o índio tem resistido de diversas maneiras, seja resistência física, cultural e até mesmo discreta e estratégica ao tentar manter um bom relacionamento com a comunidade nacional.

Esse conflito entre as comunidades indígenas e o Estado está ligado intimamente com questões relacionadas ao território indígena em que uma elite dominante contemporânea insiste em negar a alteridade e impor seus próprios interesses em busca da expansão econômica ignorando as minorias. As comunidades indígenas têm enfrentado conflitos diversos que remetem à questão do direito originário sobre suas terras desde a questão de demarcação até ao assassinato de lideranças por parte de fazendeiros.

Assim, mesmo tendo seu direito garantido na Constituição, os indígenas se vêem excluídos daquilo que é seu por direito conforme a legislação - a terra. Exclusão essa que, segundo Sawaia (2008, p. 9), apresenta-se como “um processo complexo e

multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela [...] produto do funcionamento do sistema”.

O paradoxo que se apresenta é inevitável, uma vez que, ao mesmo tempo em que a legislação concebe o índio como sujeito de direito, também revela sua face excludente ao deixá-lo à margem da sociedade contribuindo para a formação de um lugar social desvalorizado e que gera sofrimento. Nesse contexto, o desafio que se apresenta para as comunidades indígenas ainda continua sendo o mesmo: o de encontrar formas, estratégias de negociação com o Estado dominante, além de criar meios de resistência por meio do MIB.

Assim, em busca de seus direitos, sobretudo no que diz respeito à terra, os povos indígenas perceberam a necessidade de uma união de forças para construir estratégias mais eficazes para articular suas lutas em busca de serem ouvidos politicamente pelo Estado. Essa união exigiu uma organização dos diferentes povos indígenas tornando, assim, na década de 1970, o movimento indígena uma realidade no País.

Baniwa20 (2006, p. 58) argumenta que o “Movimento indígena, segundo uma definição mais comum entre as lideranças indígenas, é o conjunto de estratégias e ações que as comunidades e organizações indígenas desenvolvem em defesa de seus direitos e interesses coletivos” de modo que a consolidação do MIB foi o resultado do entrecruzamento de três fatores: interno; externo; e continental. O fator interno envolvia a própria população indígena que se encontrava em situação de conflito, tanto por causa da invasão de seus territórios como também pela desvalorização de sua cultura. O fator externo remete à sociedade nacional, majoritária, que começava a formar um movimento de resistência ao regime ditatorial de 1964, implantado no País em uma tentativa de mudança sociopolítica e econômica. Já o fator continental remete à criação de canais de intercâmbio e articulação entre os diversos setores da sociedade em

20 É índio Baniwa, graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (1995) e primeiro índio mestre em Antropologia Social no Brasil pela Universidade de Brasília (2006). Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília, Luciano tem experiência na área de Educação, Gestão de Projetos, Desenvolvimento Institucional, com ênfase em Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: educação indígena, política indigenista, movimento indígena, desenvolvimento sustentável e povos indígenas. Foi secretário municipal de educação de São Gabriel da Cachoeira, co-fundador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). Atualmente é coordenador geral de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação (MEC), diretor-presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisa (CINEP) e professor do Curso de Licenciatura Específico de Formação de Professores Indígenas da UFAM.

diversos países visando à solidariedade, luta pela cidadania, liberdade, democracia e direitos.

Um marco crucial em relação ao MIB aconteceu em 1974 com o “Parlamento Índio-Americano” do Cone Sul, realizado no Paraguai, em que lideranças indígenas brasileiras participaram pela primeira vez de um evento internacional. A partir daí, o movimento indígena se tornou uma realidade em várias partes do País.

Outro grande impulso na consolidação do movimento indígena aconteceu a partir da constituição de 1988, quando foram reconhecidas as comunidades indígenas e organizações que defendiam a causa indígena a atuassem judicialmente em defesa de seus interesses desconsiderando, assim, a questão da tutela. Contudo, como afirma Silva (2006, p. 117):

[...] os direitos conquistados são o resultado de muita luta e, para garanti-los, será preciso um constante exercício da cidadania. Isto significa, dentre outras questões, que os povos indígenas necessitam fortalecer seus mecanismos próprios, enquanto povos diferenciados e, ao mesmo tempo, construir relações de aliança e intercâmbio com setores da sociedade e do Estado.

Todavia, essa é uma tarefa extremamente complexa, já que a globalização funciona por meio de uma ótica capitalista que visa um mercado competitivo, excludente e totalmente individualista. Este mercado, sob uma concepção homogênea da sociedade, não abre espaço para o multiculturalismo.

O MIB representa um passo significativo na construção de novo modelo de cidadania indígena que leve em consideração a coletividade. Trata-se de um processo que pouco a pouco foi se tornando mais sólido em decorrência da união entre os vários povos indígenas e organizações que defendiam a causa indígena. Para Baniwa (2006, p. 59)

Essa visão estratégica de articulação nacional não anula nem reduz as particularidades e a diversidade de realidades socioculturais dos povos e dos territórios indígenas, ao contrário, valoriza, visibiliza e fortalece a pluralidade étnica, na medida em que articula, de forma descentralizada, transparente, participativa e representativa os diferentes povos.

O MIB representa uma mudança de atitude por parte do indígena em relação ao Estado Nacional passando da luta física, corpo-a-corpo, para uma luta que se tornou

política e estratégica à medida que adota uma postura de denúncia e reivindicação contra o Estado.

Dentre os principais fatores que desencadearam a formação do MIB, destacamos três que, em nossa concepção, são mais pertinentes para a pesquisa aqui empreendida. Trata-se da questão da terra, das assembleias indígenas e das entidades de apoio à causa indígena.

Um elemento fundamental na aglutinação de diferentes povos indígenas e na mobilização da luta do MIB foi a questão das terras, em especial pelo descaso por parte do Estado em se tratando da demarcação. Mesmo com a aprovação do EI, que à época (1973) determinava a conclusão do processo de demarcação em cinco anos, tal fato não ocorreu. Outro fator que gerou a revolta dos povos indígenas foi a implantação de grandes projetos (hidrelétricas, rodovias) por parte do governo em terras indígenas, levando tais populações a se colocarem em defesa de seu território ao conceber a terra como elemento básico para sua sobrevivência.

A união desses povos gerou a necessidade de criar as Assembleias Indígenas para discussão de questões de interesse coletivo da população indígena, reunindo diferentes povos, tendo como meta a unificação desses grupos e a solidariedade interétnica. Somando-se a esses dois fatores, surgem as entidades de apoio à causa indígena na sociedade civil. Fator determinante que situou a questão indígena no contexto nacional e internacional.

No documento TERRA, CIDADANIA E EXCLUSÃO: (páginas 45-48)