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Contextualizando o CIMI

No documento TERRA, CIDADANIA E EXCLUSÃO: (páginas 48-52)

Uma das principais instituições a aparecer nacionalmente em defesa dos direitos indígenas foi a Igreja Católica que, no II Concílio do Vaticano21 de 1962 a 1965, estabeleceu novas maneiras de atuar junto às minorias, aos mais necessitados. Logo após a realização do Concílio, realizou-se também a II Conferência Geral do Episcopado Latino- Americano de Medellín (1968), na Colômbia.

Esta conferência, convocada pelo Papa Paulo VI, tinha o objetivo de aplicar os ensinamentos do Concílio Vaticano II às necessidades que a Igreja vinha encontrando

21 O Vaticano II foi convocado pelo Beato Papa João XXIII em 25 de Dezembro de 1961, foi solenemente aberto por ele em 11 de outubro de 1962 e foi encerrado pelo Santo Padre Paulo VI em 8 de dezembro de 1965.

na América Latina. A temática proposta na conferência se intitulava “A igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano II”.

No Brasil, essa nova postura da Igreja Católica veio se efetivar de acordo com Heck22 (2012) entre os dias 21 e 23 de abril de 1972 em uma reunião em Brasília sob a coordenação do secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) -Dom Ivo Lorscheiter - e que contou com a participação de missionários e bispos.

Heck (2012) esclarece que além de trazer as “boas” novas do Concílio Vaticano II, Dom Ivo Lorscheiter também fez a convocação em virtude do EI que estava para ser aprovado. Na ocasião, também foram abordadas questões relativas ao regime militar, como também os missionários postularam a necessidade de enfrentar o desafio de mudar a maneira como a Igreja se colocava em relação aos indígenas por meio da criação de uma forma de articulação.

Segundo Egon Heck (2012),23 foi nessa conjuntura que surgiu a ideia de formar um conselho que unisse estudiosos e missionários e que ajudasse a definir formas de organizações mais precisas, sob a égide do Concílio do Vaticano II e da Conferência de Medellín em que se buscava dar respostas concretas à realidade de massacre e violência sofrida pelos povos indígenas.

Assim, no final do encontro - 23 de Abril de 1972- o CIMI foi criado já com a incumbência de contribuir com a proposta do EI. Seu primeiro presidente foi o Padre Jaime Venturelli que, algum tempo depois, pediu demissão, pois a entidade passou a denunciar violências sofridas pelos povos indígenas além de se opor à política indigenista do governo. Essa entidade marcou profundamente o indigenismo no Brasil e a presença da Igreja Católica junto às comunidades indígenas se constituiu sob o compromisso com a vida em defesa dos oprimidos e marginalizados deste País.

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Assessor Regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Mato Grosso do Sul. Egon Heck foi padre durante doze anos e acabou deixando o sacerdócio para constituir família. Já está casado há vinte anos e tem três filhos. Começou a se interessar pela causa indígena na década de 1970, por meio da organização de apoio ao trabalho junto aos povos indígenas “Operação Anchieta”. Disponível em: http://merciogomes.com/2011/01/24/missionario-do-cimi-apresenta-sua-visao-pessoal-de-seu-trabalho/. Acesso em 20/04/2012 às 10h 22 min.

23 CIMI completa 40 anos. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/9402. Acesso em 20/04/2012 às 15h 23min.

Suess24 (2002) argumenta que “seguindo a opção pelos pobres, de Medellín (1968) e Puebla (1979), o CIMI delineou em suas prioridades pastorais a opção pelos povos indígenas através do paradigma da autodeterminação ou, mais tarde, pelo protagonismo dos povos indígenas” atuando em favor das aldeias e povos indígenas por meio de Assembleias Indígenas, nas que se começou a delinear os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural.

No ano de 1995, em assembleia nacional, o CIMI enfatizou que um de seus principais objetivos era intensificar a presença e o apoio junto às comunidades, povos e organizações indígenas. Ao mesmo tempo, objetivava intervir na sociedade brasileira como aliado dos povos indígenas fortalecendo, assim, o processo de autonomia desses povos na construção de um projeto alternativo, pluriétnico, popular e democrático.

Dentre os princípios que fundamentam a ação do CIMI,25 destacam-se: o respeito à alteridade indígena em sua pluralidade étnico-cultural e histórica e à valorização dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas; o protagonismo dos povos indígenas, sendo o CIMI um aliado nas lutas pela garantia dos direitos históricos; e a opção e o compromisso com a causa indígena dentro de uma perspectiva mais ampla de uma sociedade democrática, justa, solidária, pluriétnica e pluricultural, uma vez que, segundo Suess (Idem, p. 02) “o paradigma da libertação deu à questão indígena os contornos de uma „causa‟, cujos horizontes são universais e, portanto, partilhados com outras causas”.

Vale destacar também que o CIMI está situado em Brasília e tem uma estrutura composta por 11 Regionais e um Secretariado Nacional. Cada regional é responsável por dar apoio, orientar e coordenar o trabalho das equipes em áreas indígenas. Já o Secretariado Nacional tem a função de articular esses diversos setores em nível nacional, além de disponibilizar aos missionários, índios e organizações indígenas um grupo de assessores em áreas como Metodologia e Política, Jurídica, Articulação Latino Americana e Imprensa, além de Assessoria Teológica. Funciona também no Secretariado a Editora do Jornal Porantim e o Setor de Documentação. A diretoria dessa

24 Coordenador do Núcleo de Pós-Graduação de Missiologia na Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção (São Paulo), assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e presidente da Associação Internacional de Missiologia (LAMS).

25 Dados obtidos diretamente do site do CIMI. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=paginas&conteudo_id=5685&action=read. Acesso em 23 de Abril de 2012 às 15h 21min.

entidade é composta por coordenadores regionais e a presidência (presidente, vice-presidente e secretários) e as assembleias gerais são realizadas a cada dois anos.

Situando a questão indígena em um marco temporal pré e pós Constituição de 1988, podemos observar a complexidade que envolveu a relação entre as populações indígenas e a sociedade nacional durante todo esse período. A Constituição, sem dúvida, foi um marco decisivo no que se refere às causas indígenas, sobretudo porque formalizou, em várias regiões do País, as organizações indígenas com suas diretorias eleitas por meio de assembleias, registro em cartório e contas bancárias.

O desafio continua sendo o mesmo, o de encontrar uma maneira de dialogar com o Estado, de fazer-se ouvir e, mais que isso, de ver concretizados, na prática, os direitos que até então só estão presentes na teoria.

Em busca de sanar tais desafios, as populações indígenas continuam a criar estratégias de representação no meio político - organizações, entidades, movimentos indígenas - que consigam intermediar a relação entre o Estado e os setores públicos e privado. Baniwa (2006, p. 64) argumenta que esse caráter mais jurídico “torna as organizações indígenas institucionalizadas, burocratizadas, centralizadas, personalizadas e com o sistema de tomada de decisão (poder) mais verticalizado” modificando as relações de poder presentes nas comunidades indígenas.

À medida que a luta pela terra adquire outros sentidos, também há um deslocamento significativo no próprio sujeito indígena ocasionado pela configuração do mesmo movimento e da própria organização, já que valores outros precisam ser incorporados à sua prática discursiva.

CAPÍTULO II

No documento TERRA, CIDADANIA E EXCLUSÃO: (páginas 48-52)