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Constituição como Código Jurídico

No documento Do direito de resisteência (páginas 59-62)

CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E JURÍDICO-CONCETUAL

2. Direito de Resistência Enquadramento jurídico-concetual

2.5 Constituição como Código Jurídico

Uma Constituição, considerando o ato redigido do texto, poder-se-á considerar por si só um Código, atendendo que o mesmo traduz aquilo que são as normas e princípios considerados por um determinado Estado, que regulam o próprio Estado e a vida em sociedade.

A Constituição, segundo Bacelar Gouveia, apesar de sempre ter assumido a presente terminologia, a mesma deverá ser encarada como um Código de Direito Constitucional, porquanto se carateriza como estando na génese de movimentos codificadores de Direito (Gouveia, 2009, p. 614).

Segundo esta perspetiva codificadora do Direito Constitucional, os Estados tendem a redigir os seus textos constitucionais subjacentes a normas e princípios dos seus Direitos Constitucionais Positivos, procurando fazê-lo numa ótica tripartida, designadamente Sistemática38, Sintética39 e Científica40 (Gouveia, 2009, p. 614).

Atendendo que um texto constitucional está relacionado com um conjunto de normas e princípios que regulam, dificilmente se poderá perceber a estanquicidade do mesmo. Antes sim se percebe que, dentro da robustez que o mesmo tem de ter, enquanto texto de matérias fundamentais, deverá ter a capacidade e plasticidade de se moldar àquilo que são os tempos. Segundo Bacelar Gouveia, “de todas as vicissitudes constitucionais, umas bem mais amplas do que outras, um cuidado especial – por razões teoréticas e por razões fenomenológicas – deve ser atribuído à revisão constitucional41, que formalmente se

38 Sistemática, pois “as normas e os princípios se organizam segundo padrões de uniformidade organizatória,

sem duplicações e sem lacunas flagrantes” (Gouveia, 2009, p. 614).

39 Sintética, pois “os preceitos constitucionais são sempre impressivos nas respectivas determinações, podendo

remeter para outros níveis de legiferação certos pormenores que não fazem sentido no escalão constitucional” (Gouveia, 2009, p. 614).

40 Científica, pois “a arrumação das matérias constitucionais obedece a razões lógico-científicas, tornando o

todo um sistema coerente de soluções, o que é facilitado por ser, em larga medida, oriundo de uma mesma vontade de legislar” (Gouveia, 2009, p. 615).

41 Revisão Constitucional tem os seguintes efeitos: “o efeito revogatório: o preceito constitucional cessa a sua

vigência; o efeito inovatório: há um novo preceito constitucional que é acrescentado; o efeito modificatório: o preceito constitucional existente fica a apresentar uma nova formulação normativa; o efeito suspensivo: o preceito constitucional existente deixa de vigorar por algum tempo” (Gouveia, 2009, p. 655).

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exprime na elaboração de uma lei de revisão, promanada no contexto de um procedimento que lhe é próprio” (Gouveia, 2009, p. 654).

Relativamente às funções associadas a uma revisão constitucional, segundo o mesmo autor, “radicam no realismo que ela expressa na sempre difícil e, sobretudo, instável ligação do Direito Constitucional à realidade constitucional, pois que aquele corpo de normas e princípios deve constantemente reflectir a evolução da situação político social, ao mesmo tempo que a deve também comandar” (Gouveia, 2009, p. 655).

Nesta medida, a revisão constitucional, segundo Bacelar Gouveia, tem três distintas e relevantes tarefas, designadamente:

“- actualizar a Ordem Constitucional, adequando-a à realidade constitucional, em vista das novas necessidades e preocupações que se sentem, mudando algumas das suas opções;

- interpretar a Ordem Constitucional, estabelecendo novos critérios hermenêuticos em aspectos que tenham ficado por esclarecer e que, em muitos casos, só a prática constitucional permite detectar;

- completar a Ordem Constitucional, suprindo falhas e lacunas nas respectivas disposições, para além de introduzir novos instrumentos” (Gouveia, 2009, p. 656).

O mesmo autor vai ainda mais longe e classifica a experiência constitucional portuguesa no que diz respeito a revisões constitucionais, mencionando como extremamente rica porque não só estabelece um denso regime de revisão constitucional como já ocorreram algumas vicissitudes interessantes na fronteira entre o cumprimento e a violação do correspondente regime” (Gouveia, 2009, p. 662).

A CRP, desde a sua origem até à sua versão atual tem vindo a sofrer inúmeras alterações. O Direito de Resistência, parte integrante no texto constitucional desde a constituição de 1838 não é exceção. Estas alterações não são alheias ás várias alterações da realidade política, quer de ordem interna, mas também de ordem externa.

Tal como refere Miranda, existe “uma relação contante entre a história política e a história constitucional” (Miranda, A Constituição e a Democracia Portuguesa, p. 1).

Relativamente à interpretação do texto constitucional há autores que diferenciam, interpretação constitucional e interpretação conforme à Constituição.

Segundo Bacelar Gouveia, a “ análise da temática da interpretação constitucional – no que esta signifique de busca de um sentido normativo que esteja ínsito ou fique subjacente às fontes normativas por que tenha de partir-se para o encontro de uma solução para um

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problema a ser resolvido pelo Direito Constitucional – deve todavia diferenciar-se de outra realidade hermenêutica, que só na aparência se pode aproximar da verdadeira interpretação constitucional” (Gouveia, 2009, p. 677).

É na demanda do descrito no ponto anterior que Bacelar Gouveia introduz o conceito de interpretação conforme à Constituição, na qual o autor descreve “que se insere nas relações entre o Direito Constitucional e o Direito Infraconstitucional, nada tendo que ver com qualquer particularidade da interpretação constitucional, sendo até uma importante consequência da caraterística da supremacia hierárquico-normativa deste ramo do Direito” (Gouveia, 2009, p. 677).

Bacelar Gouveia esclarece que faz tal distinção porquanto ” a interpretação conforme à Constituição prende-se com o reconhecimento do carácter supremo do texto constitucional, que como tal não só se impõe como ditame cujo respeito é forçoso como igualmente se mostra passível de ser um elemento auxiliar na tarefa interpretativa das fontes infra- constitucionais, numa posição especial que deve assumir no contexto do elemento sistemático, através do qual se deve vislumbrar a fonte infra-constitucional integrada no sistema jurídico global, que tem no seu cume precisamente o texto constitucional” (Gouveia, 2009, p. 678 e 679).

Ao se falar de um texto constitucional, dada a importância e abrangência das matérias, é indissociável que se aborde a questão daquilo que são as lacunas constitucionais, entendendo-se ser uma tarefa tão ou mais exigente que a da própria interpretação da lei.

Bacelar Gouveia aborda a mesma questão e adianta que uma tarefa ou atividade mais difícil que a da própria interpretação das leis, é a relativa à integração de lacunas (Gouveia, 2009, p. 684).

Segundo o mesmo autor, a integração de lacunas é uma realidade tão própria como a da própria interpretação e “só há que lhe fazer frente, com o objetivo de não permitir a paralisação da aplicação do Direito Constitucional só porque não se encontra a solução que deve regular o caso em questão” (Gouveia, 2009, p. 685).

Uma questão suscetível de criar alguma dúvida, ou até mesmo confusão, é de considerar uma lacuna constitucional a mesma coisa que uma omissão constitucional.

Bacelar Gouveia partilha da mesma necessidade de distinção dos conceitos, diferenciando que as lacunas constitucionais expressam “a inexistência de normas constitucionais aplicáveis (…) representando uma lamentável deficiência na edificação da Ordem Constitucional”, as omissões legislativas “designam a ausência de normas, ou até de

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globais regimes aplicáveis, tendo por causa a inércia do poder normativo infra-constitucional que tem a seu cargo a realização da respectiva ordenação” (Gouveia, 2009, p. 687).

No documento Do direito de resisteência (páginas 59-62)