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Pressupostos

No documento Do direito de resisteência (páginas 93-96)

CAPÍTULO III – DIREITO DE RESISTÊNCIA EM PORTUGAL

2. Pressupostos

Da leitura da literatura poder-se-á inferir que o Direito de Resistência é um direito que visa garantir o cumprimento de demais direitos, permitindo a resistência quando estes são lesados.

Da leitura do disposto do art.º 21.º da atual versão da CRP, pode-se distinguir dois pressupostos autónomos e que determinam a invocação do Direito de Resistência. Numa primeira parte do texto constitucional poderemos ler que “todos têm o direito e resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias”, sendo que o texto continua e se entra numa segunda parte que consubstancia que esse direito inclui igualmente “repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer á autoridade pública” (Assembleia da República, 1976).

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Gomes Canotilho e Vital Moreira são perentórios em afirmar que há dois aspetos que o Direito de Resistência compreende, concretamente:

- “não cumprir qualquer ordem desde que ela seja ofensiva de um dos direitos, liberdades ou garantias;

- repelir pela força qualquer agressão, no caso de não ser possível recorrer à autoridade pública” (Canotilho & Moreira, 2007, p. 420).

Ao falar de pressupostos do Direito de Resistência, recorda-se o conteúdo do nº1 do art.º 18.º da CRP, concretamente que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas” (Assembleia da República, 1976).

Nesta perspetiva e como o Direito de Resistência decorre das relações entre indivíduos, entre indivíduos e o Estado ou entre o indivíduo e outras instituições, as ações de resistência poderão assumir diversas formas, concretamente ativa ou passiva, consoante se exprimam no cometimento de ações ou pela inobservância destas, respetivamente.

Gomes Canotilho e Vital Moreira comungam da mesma opinião, considerando que o Direito de Resistência poderá ser exercido de forma “passiva ou negativa”, considerando uma resposta em que, por exemplo, simplesmente não se acata uma determinada ordem, ou então ser “activa ou positiva”, considerando a realização de uma ação como resposta (Canotilho & Moreira, 2007, p. 421).

Na mesma linha de pensamento, os referidos autores estabelecem semelhante paralelismo para uma situação de agressão, na qual se poderá resistir, por exemplo, para impedir uma agressão efetiva como uma ofensa à integridade física, ou então como forma de oposição e para salvaguarda de um outro bem, também ele constitucionalmente protegido como direito fundamental, dando o exemplo da violação do domicílio (Canotilho & Moreira, 2007, p. 421).

Tal como já havia sido mencionado, a invocação do Direito de Resistência poderá observar-se tanto em relações entre um indivíduo e outro, entre um indivíduo e o Estado ou entre o indivíduo e outras instituições.

Tal perspetiva é igualmente partilhada por Gomes Canotilho e Vital Moreira, concretamente que o direito de resistir se aplica tanto nas relações particulares, como nas relações com serviços e poderes públicos (Canotilho & Moreira, 2007, p. 421).

No seguimento da mesma ideia, os autores consideram que se pode “resistir tanto à ordem de uma autoridade policial (que ilegitimamente restringe, por ex., a liberdade de

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deslocação), como à ordem de uma entidade patronal (que ilegitimamente ordene a expulsão de um trabalhador do seu posto de trabalho); tanto se pode resistir à agressão física ou à invasão do domicílio perpetrada por um particular como por qualquer autoridade” (Canotilho & Moreira, 2007, p. 421).

Atento às posições patenteadas, o Direito de Resistência poderá visar a proteção de direitos individuais, mas igualmente direitos coletivos.

Gomes Canotilho e Vital Moreira partilham da mesma perspetiva, concretamente que o direito de resistir poderá ser invocado para “proteger os direitos, liberdades e garantias de carácter pessoal (a integridade física, a liberdade, o domicílio, etc.), como os de participação política95 (o direito de voto, etc.) e os dos trabalhadores (direito de greve, direitos sindicais

nos locais de trabalho, etc.) ” (Canotilho & Moreira, 2007, p. 421).

Não obstante a defesa dos direitos constitucionais atrás mencionados, há um conceito diferente que importa reter e que é o Direito de Resistência Popular ou Nacional (Canotilho & Moreira, 2007, p. 422).

Nesta perspetiva de Direito de Resistência popular ou nacional é interessante ver a teoria apresentada por Gomes Canotilho e Vital Moreira que remetem para conceitos antigos de oposição a regimes autoritários/despóticos ou ainda de domínio estrangeiro nacional (Canotilho & Moreira, 2007, p. 422).

É notório que os autores reconhecem as formas de regimes democráticos atuais e remetem para conceitos antigos esta visão, sem contudo descurar a sua existência.

Não obstante o atrás mencionado, os mesmos autores remetem a resistência a estes regimes, não para o art.º 21.º - Direito de Resistência, mas para o direito à insurreição descrito disposto do nº3 do art.º 7.º96 (Canotilho & Moreira, 2007, p. 422).

Numa ótica de equilíbrio e controlo da própria sociedade, aquilo que é o Direito de Resistência em Portugal acaba por ter uma função praticamente residual.

Ferreira partilha da mesma opinião, reforçando que“a figura do direito de resistência, enquanto direito moral-político, acaba, assim, por ter, contemporaneamente, uma função residual, dado que, através da implementação de um sistema constitucional de freios e contrapesos garantido através da separação dos poderes legislativo, executivo e judicial do

95 Segundo Jorge Miranda, “a participação política não se insere sempre no mesmo texto. Ela pode ser

decorrência natural da organização constitucional do país ou, ao invés, ter cunho excecional ou antagónico em face da filosofia própria da forma do governo; pode constituir-se uma ideia dominante ou encontrar-se em concorrência com outras ideias” (Miranda, 2010, p. 367).

96 Art.º 7.º, n.º3 da versão atual da CRP - “Portugal que reconhece o direito dos povos à autodeterminação e

independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão” (Assembleia da República, 1976).

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Estado, que permite, entre outras coisas, a independência dos tribunais perante quem faz e executa as leis, a "resistência" face ao abuso do poder por parte dos detentores de cargos nos órgãos legislativo e executivo é feita dentro de parâmetros jurídicos, isto é, com recurso aos tribunais, de forma a garantir que os conflitos sejam resolvidos pacificamente” (Ferreira P. T., 2016, p. 253).

Não obstante o recurso ao Direito de Resistência em Portugal, conforme mencionado, ser residual, importa considerar que a sua invocação não poderá ser realizada de forma leviana, atendendo que a pessoa que resiste assume a responsabilidade dessa resistência e que só posteriormente, em sede de tribunal será aferida a razão dessa invocação e assim excluir ou não a ilicitude do ato de resistir.

No documento Do direito de resisteência (páginas 93-96)