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2.2 CRITICA ANTI-SISTÊMICA

2.2.2 Constituição de 1988

O papel do parlamentar petista começou a ser discutido pelas instâncias do partido desde 1981. Conforme mostram Gadotti & Pereira (1989), a questão era saber como deveria comportar-se um parlamentar petista no interior de um parlamento, que, para o PT naquele momento representava os interesses das classes dominantes. Naquela conjuntura, a atuação parlamentar não se constituía o eixo central do partido, mas um espaço de denúncia ao regime e ao caráter legitimador das práticas autoritárias do governo.

A visão que o PT adotou sobre o uso do parlamento durante a década de 1980, contribuiu para a maneira como o partido encaminhou as discussões para a aprovação da nova Carta. Apesar da participação intensa do PT na elaboração da Constituição de 1988, materializada por um anteprojeto discutido com as bases do partido, sistematizado por juristas e advogados45 e defendido pelos parlamentares petistas, ao final, a direção nacional do PT recusou-se em aprová-la46.

A intensidade desse ato como postura anti-sistêmica está relatada nas palavras do próprio partido, que nesse documento, denomina-se como anti-sistêmico consoante trecho, no qual o PT “exprime essa luta antiinstituição dentro da instituição”:

[...] o PT, como partido que almeja o socialismo, é por natureza um partido contrário à ordem burguesa, sustentáculo do capitalismo. Disso decorre que o PT rejeita a Constituição burguesa que vier a ser promulgada, da mesma forma que a Constituição vigente, a qual, ainda por cima, é fruto de uma ditadura militar; por extensão, o PT rejeita a imensa maioria das leis que constituem a institucionalidade que emana da ordem burguesa capitalista, ordem que o partido justamente procura destruir e, no seu lugar, construir uma sociedade socialista. [...] Não obstante, o PT tem que travar a sua luta [...] onde ela se dá, e não em fóruns imaginários ou artificiais. Assim, o PT luta

45 Conforme decisão do Diretório Nacional do PT, em reunião realizada em abril de 1987, foi

aprovado o anteprojeto das propostas que deveriam ser defendidas pelos parlamentares petistas. O projeto foi fruto dos debates travados no interior do partido e orientados pelo jurista Fabio Konder Comparato e pelos advogados Pedro Bohomeletz de Abreu Dalari e Jose Eduardo Martins Cardoso, coordenados pelo Cientista Político Marco Aurélio Garcia da comissão constitucional do partido.

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contra a institucionalidade burguesa. Essa luta institucional contra a institucionalidade pode assumir múltiplas formas. No caso específico do Congresso Constituinte todas as atuações do PT exprimiram essa luta antiinstituição dentro da instituição: O combate ao Colégio

Eleitoral, [...] significou reconhecer o congresso constituinte como um campo de luta e, nele lutar de acordo com os princípios programáticos. [...] Por isso o Diretório Nacional decide, indicativamente, que o PT concretize sua posição contrária ao caráter geral da Constituição votando não à Carta Magna com declaração de voto vencido, explicando as razões de sua posição e fazendo a ressalva da defesa dos direitos e conquistas obtidos. 47 (grifo nosso).

A partir das fontes acima pesquisadas, constata-se que o Partido dos Trabalhadores exerceu uma postura anti-sistêmica, conforme o modelo teórico proposto por Sartori (1982), durante a primeira metade da década de 1980, ao rejeitar o Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo e Sarney, estendendo-se à Nova República; ao expulsar do partido os parlamentares que participaram da votação; e ao posicionar-se contrário à aprovação da Constituição de 1988. Nesse período, as atenções dos dirigentes petistas estavam voltadas à formação política de suas bases e organização dos movimentos sociais, especialmente os sindicatos, deixando o jogo parlamentar em um segundo plano.

Nesse contexto do final da década de 1980, está subjacente a idéia de que, ao não aprovar a Constituição de 1988, o PT não teria que assumir a responsabilidade para com ela ou, ainda, que não a aprovando, poderia modificá-la, caso chegasse ao governo em 1989. Em 2003 o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva cumpre a formalidade jurídica, durante a qual faz o juramento de cumprir e defender a Constituição Brasileira, rejeitada estrategicamente pelo partido em 1988.

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PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretório Nacional 1988. A Posição do PT sobre a

nova Constituição. Circular Interna de 7 de agosto de 1988, anexo 2, p. 12-14, apud GADOTTI

Naquele contexto, a direção nacional justifica sua atitude em relação à Constituição48, reafirmando o caráter estratégico do congresso como espaço para a instauração do regime democrático, edificado sobre os pilares dos direitos e garantias individuais e coletivas, e o efetivo controle popular sobre o poder público. Com a promulgação da Constituição brasileira de 1988, livre e soberana, o Brasil elimina os “entulhos autoritários” remanescentes da Ditadura Militar.

O que se pode apreender desse processo é que a prática parlamentar na elaboração da Constituinte desvendou para o PT um “mundo real”, onde os interesses políticos já estão consolidados e com os quais ou parte deles o partido necessitou dialogar, fazer alianças, e negociar apoios para garantir as conquistas almejadas, acumulando, assim, uma experiência importante para a definição de suas relações no campo institucional.

É importante frisar que, a partir desse momento em que o PT vai conquistando experiência no parlamento e espaço nas administrações do executivo municipal49, esse vai aos poucos alterando sua práxis anti-sistêmica em função da necessidade de administrar parte do sistema político, o que demanda coalizões entre o executivo e o legislativo para garantir a governabilidade. Como conseqüência desse processo, em meados da década de 1990, ocorre mudanças organizativas importantes no interior do partido, que altera suas posições orientadas pelo princípio ideológico, as quais foram arrefecidas pelas forças hegemônicas do partido e abrindo espaço para a fase mais pragmática. Essas mudanças aproximam-se do modelo teórico proposto por Panebianco (2005).

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Conforme seqüência da circular 05/05 acima citada: “O PT sempre teve consciência de que neste momento histórico, nesta conjuntura, com a correlação de forças existentes, no atual estágio da luta de classes, não haveria qualquer possibilidade de se criar uma sociedade socialista no Brasil, muito menos através deste congresso constituinte. Por isso mesmo, o próprio Projeto de Constituição que o PT elaborou e apresentou ao congresso não propõe uma sociedade socialista, mas sim um conjunto de princípios e mecanismos capazes de ampliar espaços democráticos e a participação popular no processo político, embora ainda nos marcos do capitalismo”. PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretório Nacional 1988. A Posição do

PT sobre a nova Constituição. Circular Interna de 7 de agosto de 1988, anexo 2, p. 12-14,

apud GADOTTI; PEREIRA, 1989, p. 311-312.

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