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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1 Constituição dos corpora

Os dados de língua oral contemporânea utilizados nesta pesquisa foram obtidos através da fala de 24 informantes nascidos nas duas localidades: sendo 12 deles moradores da zona urbana de Matipó e 12 da zona urbana de Abre Campo. Além do fator localidade, exposto acima, serão analisados ainda o fator gênero, idade, por serem esses intrínsecos ao ser humano, de acordo com Milroy (1992) e também por serem esses os fatores anteriormente estudados na pesquisa de 2009.

Como não se pretende verificar se havia ou não mudança em progresso, mas descrever a variação existente entre falantes de faixas etárias diferentes, optou-se por apenas duas faixas etárias e não três, como se costuma utilizar em pesquisas sociolinguísticas. São elas:

Faixa etária 1: 18 a 30 anos Faixa etária 2: acima de 60 anos

Além disso, é importante ressaltar que se optou por três informantes em cada célula para a constituição dessa amostra. Segundo Braga e Naro (s.d.), não há necessidade de um número muito grande de falantes para constituir uma amostra, pois

A mensagem que queremos transmitir é a de que este estado de depressão não se justifica porque o número total de falantes é, de fato, totalmente irrelevante. Do ponto de vista da precisão ou confiabilidade dos resultados obtidos não importa quantos falantes foram relegados ao esquecimento. Importa sim o número dos que foram efetivamente estudados bem como sua distribuição, isto é, se são representativos do grupo, não sendo apenas casos extremos ou pouco comuns. Repetindo, é o número de falantes estudados,

isto é, uma amostra de N informantes será tão boa ou tão ruim para uma população de 100 quanto para uma população de 1.000 ou de 1.000.000, as outras coisas sendo iguais. Mas, ainda assim, resta o problema principal: “quantos falantes?”. A resposta depende do grau de variabilidade do fenômeno sob estudo: um fenômeno relativamente uniforme poderá ser estudado com menos falantes do que outro que varia muito de falantes para falante. (BRAGA e NARO [s.d.], p. 1)

Os quadros (8) e (9) mostram a relação dos informantes para a constituição do corpus de língua oral desta pesquisa.

QUADRO 8

Informantes de Abre Campo

Número Informante Gênero Faixa etária

1 I01F24AC Feminino 24 anos

2 I02F62AC Feminino 62 anos

3 I03F18AC Feminino 18 anos

4 I04F67AC Feminino 67 anos

5 I05F24AC Feminino 24 anos

6 I06F70AC Feminino 70 anos

7 I07M23AC Masculino 23 anos

8 I08M68AC Masculino 68 anos

9 I09M30AC Masculino 30 anos

10 I10M85AC Masculino 85 anos

11 I11M18AC Masculino 18 anos

12 I12M71AC Masculino 71 anos

QUADRO 9 Informantes de Matipó

Número Informante Gênero Idade

1 I13F23Mt Feminino 23 anos

2 I14F30Mt Feminino 30 anos

4 I16F72Mt Feminino 72 anos

5 I17F67Mt Feminino 67 anos

6 I18F60Mt Feminino 60 anos

7 I19M24Mt Masculino 24 anos

8 I20M21Mt Masculino 21 anos

9 I21M18Mt Masculino 18 anos

10 I22M83Mt Masculino 83 anos

11 I23M60Mt Masculino 60 anos

12 I24M64Mt Masculino 64 anos

Os rótulos acima utilizados para a classificação dos informantes apresentam a numeração, o gênero, a faixa etária e a localidade; assim, em I1F23Mt, temos o primeiro informante (I1), que é do gênero feminino (F), tem 23 anos de idade e é morador da zona urbana da cidade de Matipó (Mt).

Paralelo a esse corpus de língua oral contemporânea, outro corpus com dados de língua escrita pretérita foi analisado; constituído por 145 documentos escritos (atas, escrituras e testamentos notariais e atas): 80 documentos em Matipó e 65 documentos em Abre Campo. Esses documentos datam de 1875 a 1950, em 3 intervalos de tempo (1875 a 1900; 1910 a 1925; 1935 a 1950). Esses gêneros textuais foram escolhidos por estarem entre os textos mais antigos que foram encontrados nas localidades e, por acreditar que, dentre as opções que se tinham nos cartórios, prefeituras e câmara de vereadores, seriam os que fossem apresentar uma estrutura sintática menos rígida; assim, geralmente, o início e o fim desses textos eram padronizados, mas, durante o texto, o autor apresentava uma linguagem mais próxima da fala, fugindo da rigidez e do formalismo típicos desse gênero.

Assim, apesar de, em alguns trechos, o gênero ser formulaico e de possuir um grau de formalismo, característico da linguagem dos documentos notariais, sua análise, em função do conhecimento e descrição do estado linguístico da época a que se referem, revelou-se até certo ponto rica; principalmente, por se tratar de textos datados, com indicação de autoria e com referência ao local em que foi escrito. Segundo Maia (1986),

A língua escrita de documentos notariais só de certo modo e em certo grau reflecte a língua do copista e o falar local ou regional, pois em muitos casos aquele “obedeceria a tradições gráficas que se encontravam em todo o caso acima da realidade fonética local

e, por vezes, mesmo regional”(GOSSEN, 1968, p.15-16). Apesar disso, algumas – ou mesmo muitas – formas da língua falada escaparam na transcrição de documentos desse teor e, através da sua análise e interpretação, muitos dados se podem obter e algumas conclusões se podem formular. Contudo, nem todas as partes de um mesmo documento reflectem igualmente a língua falada da época, dado que os escribas usavam fórmulas tradicionais que passavam de geração a geração e que muitas vezes eles copiavam literal e directamente de formulários já estabelecidos. Desse modo, num estudo linguístico desses documentos que vise pôr o problema das relações entre grafemas e fonemas não pode conceder-se o mesmo valor às fórmulas feitas e às outras partes dos documentos, mais espontaneamente saídas das mãos do copista e que, por esse motivo, constituem uma base mais segura para um estudo deste género. (MAIA, 1986, p. 303-304)

Considerando as observações realizadas por Maia (1986), percebe-se que, apesar da unidade linguística manifestada pelos documentos analisados em alguns momentos, a linguagem desses documentos também revela algumas tendências e particularidades linguísticas não só da época, mas até influências da própria oralidade, bem como o grau de letramento do próprio notário; além disso, há momentos em que os copistas trabalham como fórmulas feitas, mas há outros em que o texto é de sua produção. Essas questões podem ser observadas nos excertos abaixo, que trazem exemplos não só de textos notariais, mas também de atas:

(1) Em quarto logar, disse elle mesmo testador dito Anto- nio Theobaldo Pereira, que vive com Dona Josephina Ma- ria do Espírito Santo, em perfeita armonia, com a qual tem filhos naturaes. Em quinto logar, disse elle testador dito Antonio Theobaldo Pereira, que pôr sua mente deixa todos os seus haveres para os filhos da dita Dona Josephi- na Maria do Espírito Santo, tantos quantos elle testador com ella deixar, e ella dita Dona Josephina, como uzufructu-

ria doz seus haveres em quanto vida tiver, de modo

que não possa outrem interver como uzufructaria

da mesma; deixa esta que faz de livre expontania vontade, pôr attenções que deve a mesma Dona Jose-

phina. (MtT251912 linhas 53-65)

(2) de 1º surprenente da reprezentação do partido União nacional democracia nacional, na camara

municipal de Matipó, o presidente convidou o vereador mais votado o sur. Sebastião Ribeiro de Carvalho para fazer a seguinte decraração que é o compromisso do veriador. Prometo cumprir dignamente o mandato a mim confiado, obiservando as leis e trabalhando pelo engrandecimento deste município respondendo assim o prometo”. Impossado o nobre veriador José Bueno Mendes o presidente iniciou novamente o trabalho da camara.

Foi lido em primeira discução 2 progetos de leis, dispondo o primeiro sobre a consseção de sussseuçao ordinaria no esercicio de 1950 e o seguida sobre a distribuição da subisseução incruidas no orssamento deste ano que foi aprovado, foi lido o 2º progeto dispondo: 1º sobre o canselamento do saldo de varias dotações do orçamento vigente, na importância de Cr$38.100,00 e

abertura de créditos suprementares de igual importancia. (MtA421949 linhas 36-53)

Esses exemplos foram extraídos dos documentos de língua escrita pretérita das duas localidades; já nos permitem afirmar, com base em Maia (1986) que, embora os documentos notariais ou até mesmo as atas “não sejam um espelho fiel, uma reprodução da linguagem local, eles deixam transparecer certos factos da linguagem da época”. (MAIA, 1986, p. 949-950)

Inicialmente, pensou-se em analisar 10 documentos de cada gênero textual e época, em um total de 180 documentos (90 de cada localidade); mas fatores adversos impossibilitaram essa análise. Dentre esses fatores, podemos ressaltar dois incêndios: um ocorrido na Prefeitura de Matipó e outro ocorrido no Fórum de Abre Campo, local onde antigamente também funcionava o cartório da cidade; nesse incêndio, vários documentos foram queimados. Além disso, o cartório de Matipó perdeu, com o decorrer do tempo, o direito de realizar testamentos, passando todos os testamentos a ser realizados pelo Cartório de Abre Campo, cidade essa que é Comarca de Matipó. Associam-se esses episódios ao fato de não haver nas duas localidades nenhum museu ou local em que se preservassem documentos a respeito da história dessas duas localidades. Pensou-se, a princípio, em analisar cartas pessoais, por se considerar que, devido à espontaneidade relativa do gênero, seria o documento ideal, mas não foi encontrado esse gênero textual datado do período pesquisado.

Os quadros (10) e (11) apresentam o número de documentos analisados em cada localidade.

QUADRO 10

Número de documentos históricos de Abre Campo

Atas Escrituras Testamentos

QUADRO 11

Número de documentos históricos de Matipó

Essa análise contemplando dados de língua pretérita foi realizada com o intuito de ajudar a perceber se o padrão de uso de artigo diante de antropônimos nas duas localidades sempre foi divergente ou se foi apenas depois de uma determinada época que essa fala se diferenciou; acredita-se que a origem dos primeiros habitantes também determinou essa diferenciação.

Cabe ressaltar que se tem exata noção do paradoxo causado ao se analisar períodos passados da língua; mas, por não existir amostras de fala oral espontânea, opta-se pela análise da língua escrita. Assim, na impossibilidade de “testar suas hipóteses com falantes/ouvintes da época em que o texto foi escrito: fará uma descrição sincrônica necessária – e relativamente uniformizada (...). O estudo das mudanças se efetivará, no âmbito leitor/escritor e não no âmbito falante/ouvinte” (COHEN, 1995, p.2). Desse modo, a pesquisa iniciou-se com dados da modalidade oral de fala, nos moldes descritos por Labov (1972 e 1994), utilizando o presente para explicar o passado e voltando para o presente no movimento de vai-e-vem típico dos estudos diacrônicos.

De acordo com Milroy (1992, p.132), pelo “fato de as línguas de períodos anteriores serem tão variáveis, estes períodos, deveriam, a princípio, estarem aptos para o mesmo tipo de

1910 a 1925 10 10 7

1935 a 1950 10 10 7

Atas Escrituras Testamentos

1875 a 1900 10 10 10

1910 a 1925 10 10 10

análise que utilizamos na dialetologia atual”. Assim, textos de diferentes autores e de diferentes gêneros permitem identificar variantes do período sob análise.