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CAPÍTULO III – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

3.2. CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Tabela 5 – Formação discursiva - Construção da Cidadania

Sujeito Unidades Discursivas

Gestor (...) Eu acredito que seja aquela que envolve e busca mudar essa falta de possibilidades e por exemplo, possibilidades dos nossos alunos da periferia, principalmente de acesso aos bens e direitos que eles têm na realidade (...) Se você consegue transformar o cidadão dentro da unidade escolar, se você transforma este ser humano que não são cidadãos até para a comunidade, pra escola, transforma –lo em cidadão já está se fazendo uma escola cidadã e transformando a escola cidadã em cidadania.

Mãe de aluno Dona Luiza

(...) Passar para o cidadão as coisas que acontecem, o que os professores aprenderam para passar pra gente, o cidadão.Assim é o que eu penso (...).

Pai de aluno: Sr. Antonio

A educação vem primeiro do cidadão de casa , um bom cidadão tem bons pais e os pais ensinam seus filhos,para depois,quando chegarem na escola, respeitar os professores e terminar sua educação (...). Mãe de aluno:

Dona Marta

Quando os professores estão abertos a ouvir os pais. Porque os pais conhecem os filhos, então os pais sabem o que os filhos buscam é na escola. (...) É quando os dois trabalham juntos, escola e pais.

Professora Regina

(...) Comportamento, de obediência, de respeito, de saber se comportar nos lugares, ir pra escola, ir para o trabalho, ir para o lazer. (...) Respeitar com uma bom dia, boa tarde, as palavras mágicas, com licença, muito obrigado, saber respeitar uma criança, um idoso e qualquer pessoa que seja, então eu acho que educação cidadã é de dentro de casa para fora.

Professor João É valorizar aquilo que temos de mais importante que é a educação, a família.

Funcionária da escola: Claudia

(..) Saber conviver um com o outro, respeitando o limite do outro no meio ambiente e a você mesmo, respeitando as diferenças e sabendo conviver com todo mundo.

Funcionária da escola:

Fernanda

(...) É quando a gente procura encaminhar o aluno, a criança para alguma ação, alguma profissão. Levá-lo para o mundo, que ele se torne um cidadão. Que saia da escola com objetivos, preparado para o mundo, que ele saiba fazer escolhas (...)

Destacamos, no primeiro capítulo dessa pesquisa que, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica de assuntos pertinentes ao Projeto de Escola Cidadã, assim como a sistematização das linhas fundamentais de um projeto para uma educação em, pela e para cidadania. É nesse contexto que Martins (2006, p.49) afirma que a cidadania é uma ideia em expansão, e Entretanto;

A ação política continua desvalorizada, uma vez que, no contexto das transformações que afetam o Estado, a economia e as sociedades, assiste-se à fragmentação societária, gerada pelas tendências contemporâneas do mercado e pela incapacidade do ordenamento legal-institucional vigente para garantir os princípios igualitários de cidadania. O cidadão pode ser visto apenas como o contribuinte, o consumidor; sequer o princípio constitucional de escola para todos consegue cumprir.

Nessa esteira, o objetivo dessa pesquisa é destacar por meio da análise de discurso, os aspectos relevantes das respostas dos sujeitos relativas às questões elaboradas sobre Construção da Cidadania. Concebemos ser oportuna a discussão deste tema, uma vez que o locus de nossa pesquisa ocorre numa escola pública estadual na periferia da zona norte.

Segundo Romão (2000, p.222), o termo cidadania é carregado de ambiguidades e sobrecarregado de uma opinião preconcebida européia-ocidentalizante. Na Antiguidade vinculada ao habitante da cidade-estado grega, o qualificativo “cidadão” era reservado a uma pequena parcela da população detentora de privilégios, por força da origem. E declara:

Quando Aristóteles usava o vocábulo “cidadão”, ele estava se referindo às minorias privilegiadas, às quais competia as tarefas humanas, isto é, as artes do pensar e da direção, reservando-se aos demais as embrutecedoras atividades manuais que, por sua natureza, impediam a cidadania.

Nesse sentido, observamos que, no cotidiano escolar, a qualificação do cidadão se caracteriza como um direito distante das classes oprimidas. É o que podemos constatar no discurso do Gestor, no momento em que apresentou sua resposta sobre a educação cidadã e educação em cidadania, a seguir:

(...) eu acredito que seja aquela que envolve e busca mudar essa falta de possibilidades e por exemplo, possibilidades dos nossos alunos da periferia, principalmente de acesso aos bens e direitos que eles têm na realidade (...) Se você consegue transformar o cidadão dentro da unidade escolar, se você transforma este ser humano que não são

cidadãos até para a comunidade, pra escola, transforma –lo em cidadão já está se

fazendo uma escola cidadã e transformando a escola cidadã em cidadania. (grifos

nossos)

Sabemos que no Império Romano, ser cidadão constituía uma classe social superior à dos chamados “homens livres” (não escravos), na medida em que eram os únicos possuidores do direito de participação na vida do Estado, porque eram proprietários. Nessa linha de pensamento, percebemos que a premissa de cidadania romana se faz presente no campo educacional, diante da fala da funcionária Fernanda ao afirmar que educação cidadã é aquela em que a equipe escolar procura encaminhar o aluno para alguma profissão, assim se tornará um cidadão preparado para conviver no mundo. O que nós parece é que, para Fernanda, a escola não representa um locus de exercício de cidadania, mas uma instituição que apenas forma para a cidadania. Daí darmos importância à categoria educação em cidadania.

Romão (2000) assegura que, durante o período feudal europeu, somente de maneira imprópria se pode-se atribuir a titularidade de “cidadão” a qualquer pessoa, dadas as pautas da contratualidade interpessoal expressas na suserania-vassalagem, isto é, um ato de fidelidade e de obediência. Identificamos, na fala da professora Regina, ao posicionar-se sobre educação cidadã e educação em cidadania, uma significativa semelhança com o conceito de cidadania feudal europeu. Destacamos:

(...) A educação de comportamento, de obediência, de respeito, de saber se comportar nos lugares, ir pra escola , ir para o trabalho, ir para o lazer. (...) olha respeito, bom dia, boa tarde, de palavras mágicas, com licença, muito obrigado, saber respeitar uma criança, um idoso e qualquer pessoa que seja, então eu acho que educação cidadã é de dentro de casa pra fora. (grifos nossos).

No entanto, encontramos no discurso da Dona Marta que a formação do cidadão deve ocorrer na escola por meio do processo de ensino-aprendizagem, tendo o professor como mediador. Diante do exposto, consideramos, como assevera Martins (2006), que a vigência da cidadania requer consciência clara sobre o papel da educação e as novas exigências colocadas para a escola que, como instituição de ensino, pode ser um locus excelente para a construção da cidadania. “Uma escola autônoma e de qualidade, em que o saber veiculado oportunize a todos a capacidade de exercê-la com dignidade.” (MARTINS, 2006, p. 55)

Nessa ótica, para o professor João, o Sr. Antônio, assim como para a Dona Marta, educação cidadã é aquela em que os professores e os pais possam trabalhar juntos na formação cidadã dos estudantes e ser parceiros no atendimento de seus anseios. Como refere Perrenoud (2001, p.30), “família e escola são duas instituições condenadas a cooperar numa sociedade escolarizada.”

Concebemos que tornar-se cidadão assinala o início de um processo de conquista de um conjunto de direitos sociais e políticos. Da mesma forma, se traduz em novas formas de urbanidade. Como declara Claudia, em sua fala sobre educação cidadã: “Saber viver um com o outro, respeitando o limite do outro no meio ambiente e também o seu, respeitando as diferenças e sabendo conviver com todo mundo.”

Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada no ano de 1948, representa um documento que reconhece que os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser aplicados a cada cidadão do planeta sustenta que a discussão do tema cidadania ocupa cada vez mais os espaços públicos e privados como meios de comunicação e segmentos sociais. “Todos, de diferentes tendências ideológicas, em seus vários matizes, exigem arroubos de fé democrática e cidadã. Até o homem comum a discute para reivindicar direitos.” (MARTINS, 2006, p. 50-51).

Assim ,pelas respostas obtidas em nossa pesquisa empírica, percebemos que o conceito de cidadania apresenta respostas contraditórias. Como já discutimos nesta pesquisa, o termo cidadania é ambíguo. Todavia, salientamos que uns perspectivam a escola como espaço de construção de vivência e exercício da cidadania, enquanto outros sujeitos consideram que, afinal, a escola é uma instituição que deve preparar para o exercício da cidadania na sociedade e no mercado de trabalho. É, talvez, uma concepção redutora de escola e de cidadania. Gentili (2004) refere-se ao conceito de cidadania numa concepção neoliberal afirmando que tem gerado um conjunto de falsas promessas que orientaram ações coletivas e individuais caracterizadas pela improdutividade e pela falta de reconhecimento social no valor individual da competição. Nesse contexto, basta observar em torno da sociedade para inferir que, nas democracias burguesas, o conceito de cidadania convive, contraditoriamente, com as desigualdades sociais. Os direitos são postos como naturais; todavia, pelas relações de poder e exploração, não é garantido seu exercício a todos os cidadãos.

De acordo com Martins (2006), a política educacional é um exemplo de como o Estado procura produzir uma aparência de igualdade de oportunidades e neutralidade, quando elas estão ligadas ao movimento de uma economia regulada pelo lucro. No entanto, esse paradoxo ganha destaque no debate atual e envolve questões que dizem respeito a um dos seus tópicos

mais perturbadores: “A tradição autoritária e excludente nas transformações em curso no mundo contemporâneo.” (MARTINS, 2006, p.51)

Contudo, o que nos parece mais perturbador é que mesmo depois de termos conquistado na década de 80, um importante marco histórico, a Constituição de 1988 - “Constituição Cidadã”-, tendo como promessa romper com o perfil excludente, estratificado, e corporativo das políticas públicas, presenciamos, na verdade, o efeito de salvaguardar os direitos de uma pequena minoria, ainda que mais de metade da população ativa, com os o vínculos precários no mercado de trabalho e o desemprego, subsistam no limiar dos benefícios sociais. Nessa esteira, concebemos que na sociedade brasileira reside a tradição de uma cidadania limitada, fundamentada na ampliação de privilégios, e não na universalização dos direitos.

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