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Construção de um Projecto de Educação Sexual e sua Implementação

PARTE I QUADRO TEÓRICO

3. Construção de um Projecto de Educação Sexual e sua Implementação

Atendendo ao disposto na Lei nº 60/2009, um projecto de Educação Sexual deve ser construído no início do ano lectivo, fazendo constar os conteúdos a abordar e a identificação dos respectivos intervenientes, bem como as iniciativas, visitas de estudo e actividades de divulgação a realizar, não descurando a respectiva avaliação. A Portaria nº 196-A/2010 veio estabelecer os conteúdos para cada nível de ensino a abordar nas áreas curriculares disciplinares e não disciplinares, de acordo com as finalidades expressas no Artigo 2º da Lei nº 60/2009. As finalidades definidas compreendem a promoção do bem-estar geral do indivíduo, valorizando as perspectivas positivas da sexualidade e o treino de competências individuais, fundamental para o desenvolvimento do espírito crítico, da autonomia para a capacidade de tomar decisões ponderadas e responsáveis, a aquisição de conhecimentos científicos e a promoção de atitudes de respeito pela diferença, de tolerância e de igualdade de género. Verifica-se, pois, o cuidado de inter-relacionar e integrar as diferentes dimensões da sexualidade para a promoção de um crescimento global sadio do indivíduo. Fundamentalmente deseja-se que o indivíduo

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compreenda a sua sexualidade (Lee, 1986) e, objectivamente, aspira-se levar o indivíduo a:

Especificamente, para o 1ºCiclo do Ensino Básico, a Portaria nº 196-A/2010 definiu cinco conteúdos base: o corpo; o corpo em harmonia com o meio; a família; diferenças entre rapazes e raparigas; protecção do corpo e o direito de dizer não. A Portaria estabelece, ainda, que o(a) professor(a) deverá esclarecer todas as dúvidas que possam surgir com naturalidade em contexto de sala de aula e que deverá desenvolver no(a)s aluno(a)s a capacidade de pedir ajuda ou apoios quando necessário. Para cada conteúdo, o(a) professor(a) deverá contemplar três áreas fundamentais - conhecimentos, o treino de competências individuais e sentimentos, valores e atitudes – de acordo com as finalidades delineadas legalmente e com a opinião manifestada por Kay, Gray e Hassall (1993) e que nesta investigação se denominam por esferas.

Os conteúdos mencionados podem facilmente ser articulados e integrados nas áreas curriculares de Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio, nas áreas de Expressão e nas áreas não disciplinares, contribuindo para o desenvolvimento das competências gerais e transversais definidas para o 1º Ciclo. Assim, a Educação Sexual não será uma área separada, mas sim interligada com os conteúdos das outras áreas curriculares (Branco, 1999).

O disposto legalmente vem estabelecer racionalidade à perspectiva desenvolvimentista de vários autores e é o culminar de vários estudos e opiniões baseadas na prática lectiva e no envolvimento diário com o(a)s aluno(a)s e de orientações metodológicas definidas por organismos governamentais e associações não governamentais ao longo dos últimos vinte anos. Branco (1999), Vilar (1987) e os Ministérios da Educação e da Saúde e a

“conhecer e aceitar o próprio corpo, a procurar informação ou a solicitar apoio...para se ser capaz de estabelecer com os outros,

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APF (2000) indicaram que a implementação de um projecto de Educação Sexual no 1º Ciclo do Ensino Básico teria como finalidade contribuir para que as crianças conhecessem o seu corpo, valorizassem as atitudes e valores e se apercebessem e reflectissem sobre os papéis sexuais sociais. Para isso, o projecto precisaria de integrar as diferentes dimensões da sexualidade, tendo ainda a considerar, segundo López (1990), citado em Vaz (1996), que o currículo deveria compreender quatro níveis: o nível «sociológico», uma vez que, na sociedade, existe um número elevado de mensagens sobre sexualidade e nem todas são correctas e adequadas; o nível «epistemológico» porque é de extrema importância consolidar conhecimentos correctos e com rigor sobre a Reprodução Humana; o nível «pedagógico», de modo a que as aprendizagens fossem interiorizadas partindo estratégias activas e onde todas as áreas de conhecimento contribuíssem; o nível «psicológico» onde se teria em conta o desenvolvimento global da criança. A Lei nº 60/2009 vem reunir todas as perspectivas anunciadas e em que assentou o relatório final do GTES (2007).

O projecto de Educação Sexual terá, pois, de promover a sexualidade de uma perspectiva positiva, encarando-a como uma fonte de bem-estar e prazer, sempre com o objectivo claro de contribuir para o crescimento pleno do indivíduo a todos os níveis (Ministérios da Educação e da Saúde, APF, 2000).

Para que o projecto possa ser coerente e exequível será fundamental a realização de um diagnóstico inicial que consiga apurar as necessidades educativas do(a)s aluno(a)s, contemple a articulação com a família e avalie as características do meio envolvente, considerando a situação geográfica, a cultura e o meio socioeconómico, como também é referenciado no Programa Harimaguada (1993-c). Este diagnóstico inicial é fundamental para que se antevejam dificuldades na implementação do projecto, atendendo ao nível da adequação dos conteúdos, ao nível etário do(a)s aluno(a)s ou às suas crenças culturais (Branco, 1999). O(A) professor(a) terá de ter em atenção a religião e a cultura em que a criança está inserida, de modo a desenvolver um conjunto de

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estratégias adequadas, evitando que o meio se torne num obstáculo impeditivo do desenvolvimento da Educação Sexual (Jewitt, 1994).

Um projecto deverá considerar a intervenção de outro(a)s agentes educativo(a)s, nomeadamente o(a)s auxiliares de acção educativa, o(a) psicólogo(a) e o(a) assistente social da escola, o(a)s profissionais da área da Saúde Escolar e o(a) professor(a)-coordenador(a) da Educação para a Saúde e Educação Sexual.

A articulação com a família, como já foi referenciado, é fundamental para que o(a)s pais/mães e encarregado(a)s de educação não se sintam à margem do desenvolvimento do projecto, podendo-se promover actividades que fomentem o diálogo entre pais/mães e filho(a)s e que demonstrem a importância do esclarecimento de dúvidas.

Na construção de um projecto, o(a)s professore(a)s deverão realizar um levantamento de todos os apoios e recursos indispensáveis à prática do projecto e permitam com facilidade a sua implementação e, se possível, elaborar novos materiais (Programa Harimaguada, 1993-c) para colmatar as necessidades educativas verificadas.

No que concerne à avaliação, deverá ser realizada uma análise reflexiva sobre a implementação do projecto, indicar se houve cumprimento do que inicialmente se tinha planificado e referenciar possíveis ajustes efectuados, quer ao nível metodológico, quer ao nível dos intervenientes, concordando com Marques et

al. (2002). Relativamente aos(às) aluno(a)s, a avaliação não deverá incidir só na área dos conhecimentos, mas deverá verificar se houve mudanças ao nível das atitudes e valores, sendo Sampaio (1987) da mesma opinião. Went (1985) defende que a avaliação no 1º Ciclo do Ensino Básico deverá assentar nas competências que a criança adquiriu: capacidade de questionar e responder a perguntas sem embaraços com os pais/mães, amigo(a)s e professore(a)s; o uso

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de vocabulário adequado; cooperação entre rapazes e raparigas; atitudes para com os outros; desenvolvimento da auto-estima.

Para o desenvolvimento de metodologias que promovam a aprendizagem, o papel do(a) professor(a) é preponderante, como já foi várias vezes referido. Para que se verifique a eficácia das estratégias, o(a)s aluno(a)s terão de ser activos no processo de ensino/aprendizagem, participando em debates, pesquisas e dramatizações de situações reais. As actividades terão de ser dinâmicas, diversificadas e adequadas ao nível etário do(a)s aluno(a)s já que “a utilização de

metodologias activas e participativas, em detrimento de longas dissertações, são a

melhor forma de abordagem da Educação Sexual” (ME, 2002: p. f). As concepções

alternativas do(a)s aluno(a)s só serão desmontadas se estes se envolverem na construção do conhecimento. Kay, Gray e Hassall (1993) são da opinião que é no 1º Ciclo que se deve iniciar a educação das crianças na área da prevenção do VIH/SIDA, uma vez que consideram que a Escola está mais aberta à comunidade e há uma maior participação do(a)s pais/mães na educação do(a)s filho(a)s.

Vaz (1996), Marques et al. (2002) e ME (2002) apresentam as estratégias mais utilizadas na Educação Sexual que contemplam as esferas do conhecimento, das atitudes e valores e do desenvolvimento de competências individuais: aquisição de conhecimentos – chuva de ideias, fichas de trabalho, trabalhos de pesquisa, sessões com profissionais de saúde; clarificação de valores e atitudes - barómetro de atitudes, debates, exploração de histórias valorativas; desenvolvimento de competências - discussão de casos que possam surgir, dramatização de situações reais, libertação e expressão de sentimentos.

O(A) professor(a), como já foi mencionado, poderá articular a Educação Sexual com as diferentes áreas do conhecimento e com a família, sempre que possível. O documento “Orientações Técnicas sobre Educação Sexual em Meio Escolar –

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e da Saúde e a APF (2000), exemplificaram, baseando-se nas experiências da escola do 1º Ciclo integrante no projecto experimental, uma articulação possível da Educação Sexual com as áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio e de Expressão Plástica. As professoras, em contexto de sala de aula, construíram um questionário com o(a)s aluno(a)s, partindo das questões mais comuns das crianças: “Como é que eu nasci?” ou “Quanto pesava?”. O(a)s aluno(a)s levaram os questionários para casa para que, em conjunto com o(a)s pais/mães, pudessem responder às questões. As respostas obtidas deram origem a novas perguntas relacionadas com a gravidez e o parto que são conteúdos contemplados no programa de Estudo do Meio. Na área da Matemática, o(a)s aluno(a)s trataram os dados resultantes da pergunta “Quanto

pesava?” e elaboraram um gráfico, de modo a facilitar a comparação dos pesos à

nascença do(a)s aluno(a)s da turma. A elaboração do questionário envolveu a Língua Portuguesa. Na área de Expressão Plástica, o(a)s aluno(a)s desenharam, em papel de cenário, os contornos de 2 personagens: o Manel e a Maria. De seguida, desenharam os respectivos órgãos externos, incluindo os órgãos sexuais. Estas personagens foram incluídas em actividades como a prevenção rodoviária (conteúdo pertencente ao Estudo do Meio) em situações problemáticas (na Matemática) e em histórias inventadas (na Língua Portuguesa). Ferreira et al. (2002) apresentaram sugestões de actividades de Educação Sexual para o 1° Ciclo, algumas desenvolvidas e validadas no projecto experimental já mencionado, devidamente articuladas com as diferentes áreas do conhecimento. Uma actividade interessante, sugerida pelos autores, pretende promover o «Respeito pelas Diferenças», possuindo como objectivos específicos o conhecimento do corpo com fonte de comunicação, relação e prazer e a aceitação das diferenças físicas de cada um. As articulações propostas envolvem as áreas curriculares de Língua Portuguesa, Estudo do Meio, Matemática e Expressão Plástica. Desta forma, a actividade inclui: a expressão oral do(a)s aluno(a)s sobre o seu próprio corpo e a sua descrição escrita (Língua Portuguesa); O desenvolvimento de competências que envolvam o respeito pelo outro independente da raça, peso, género, estatura e o

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registo trimestral do peso e altura de cada criança (Estudo do Meio); a organização de gráficos de peso e altura e a resolução de situações problemáticas (Matemática); a realização de um auto-retrato e a organização de cartazes (Expressão Plástica).

Um estudo efectuado anteriormente na área da Educação Sexual no 1º Ciclo do Ensino Básico (Diogo, 2003) comprovou que a implementação de um projecto concertado com a formação de professore(a)s na área e considerando as diferentes dimensões da sexualidade na abordagem dos conteúdos contribui para a aquisição de conhecimentos correctos na área da sexualidade, para a mudança de atitudes e valores e para o desenvolvimento de competências individuais no(a)s aluno(a)s. Também Pintor (2005) constatou a eficácia de um programa de Educação em Sexualidade desenvolvido em duas turmas do 3º ano de escolaridade, assente nos pressupostos do MEM e sob uma perspectiva sócio-construtivista. O programa revelou contribuir para a mudança e evolução das práticas lectivas do(a)s docentes e para a construção do saber pelo(a)s aluno(a)s. Já os estudos efectuados por Pereira (2004) e Sousa (2006) demonstraram que as concepções alternativas do(a)s aluno(a)s, depois do ensino formal, nomeadamente no que concerne à fecundação, desenvolvimento intra-uterino e ISTs, se mantiveram. Os factos apurados poderão ser consequência das seguintes inacções: Os conhecimentos fomentados não foram concertados num projecto de Educação Sexual, a desenvolver ao longo do ano lectivo, mas limitados ao tema da Reprodução Humana e ao tempo disponibilizado em planificação para o seu ensino formal; O ensino formal teve por base apenas o manual escolar adoptado, verificando-se incorrecções e omissões no conhecimento científico veiculado; Não se procedeu à formação de professore(a)s, fundamental para a aquisição ou melhoria de práticas lectivas onde prevaleça o espírito crítico relativamente aos materiais didácticos usados e integradoras da Reprodução Humana no desenvolvimento pessoal e social do(a) aluno(a). Desta forma, é possível constatar, de novo, a importância de um projecto de Educação Sexual e a necessidade de formação de docentes.

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Conclusão

O(A)s docentes detêm um papel fundamental na promoção da Educação Sexual, de carácter formal, em meio escolar. A necessidade de formação do(a)s agentes educativo(a)s revela-se premente para que a Educação Sexual seja promovida formalmente e o processo seja encarado com naturalidade, livre de tabus ou preconceitos, com vista a contribuir para o crescimento individual e social do(a) aluno(a). A articulação entre a escola e a família deverá constituir uma realidade. É constatado a importância da construção e implementação de um projecto de Educação Sexual específico para cada grupo/turma, de acordo com as necessidades do(a)s aluno(a)s, para que haja construção do conhecimento, se verifiquem mudanças nos valores e atitudes e se desenvolvam competências individuais. Desta forma, será possível contribuir para a prevenção efectiva de comportamentos de risco.

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CONCLUSÃO

A Escola é o espaço privilegiado para a formação de cidadã(o)s livres, com princípios democráticos, capazes de optar por estilos de vida saudáveis e de encarar a vivência sexual de forma positiva. Para a concretização desta ambição revela-se necessário a concertação de esforços dos agentes educativos e a sensibilização de toda a comunidade escolar. Esta iniciativa terá de ser encarada numa perspectiva globalizante, que inclua formação adequada dos agentes educativos e a avaliação dos materiais pedagógicos e didácticos, nomeadamente dos manuais escolares ao nível dos conhecimentos científicos, da promoção de sentimentos, valores e atitudes e do desenvolvimento de competências individuais. No entanto, logo à partida, denota-se a inércia do Ministério da Educação em proporcionar formação aos(às) professore(a)s na área da Educação Sexual, como regulamentado em portaria, e a manutenção de manuais escolares nas listas para adopção pelas escolas com omissões e incorrecções científicas.

Constatando-se a forte presença que os manuais escolares detêm nas escolas, revela-se premente uma análise exaustiva, não só ao nível científico, mas que verifique a promoção o espírito de cidadania, a tolerância, o respeito pela diferença, a igualdade de género, princípios fundamentais para uma vivência sadia a título individual e social. Se o manual escolar privilegiar a promoção dos princípios anunciados, estará a contribuir para a Educação Sexual em meio escolar na esfera dos valores e atitudes. Contribuir hoje para o crescimento pleno e sadio do(a)s aluno(a)s permitirá que no futuro, sejam indivíduos responsáveis, com auto-estima e espírito crítico, capazes de tomar decisões, respeitando sentimentos e outras expressões da sexualidade sem preconceitos.

Revela-se, de igual forma, fundamental a implementação de um projecto de Educação Sexual no grupo/turma, consertado com os diferentes parceiros da

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educação e em articulação com a família, para que se verifiquem mudança nas atitudes e valores e se constatem alterações ao nível das concepções do(a)s aluno(a)s e se realize a aquisição do saber com rigor. O projecto nunca poderá limitar-se ao tema da Reprodução Humana, apenas abordado no 3º ano de escolaridade e condicionado pela abordagem do manual escolar.

PARTE II