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A partir deste ponto, inicia-se a leitura e a interpretação das imagens fotográficas de moda. Entretanto, é necessário que haja um conhecimento básico dos códigos culturais atuais para que exista um entendimento mais aprofundado do que está sendo referenciado nas fotografias de moda, como afirma Borges (2011, p. 82): "é preciso conhecer a gramática da imagem com a qual se trabalha". Portanto, para que haja uma compreensão mais aprofundada sobre a construção e a interpretação das imagens, autores como Santaella (1985) e Dondis (2015), entre outros, utilizam como base de seus estudos os conceitos de semiótica desenvolvidos por Charles Peirce (1978).

Lúcia Santaella em seu livro intitulado Semiótica Aplicada, fala sobre a semiótica de Peirce em diferentes aplicações do mercado, entre fotografias, cinema etc. Para Peirce, toda produção e expressão humana poderia ser considerada uma questão de semiótica (SANTAELLA, 1985). Tudo o que existe tem uma grande possibilidade de ser um signo e a interpretação desses signos depende do indivíduo, de acordo com o contexto, com sua cultura e com suas próprias experiências. "Peirce dedicou toda a sua vida ao desenvolvimento da lógica entendida como teoria geral, formal e abstrata dos métodos de investigação utilizados nas mais diversas ciências. A esta lógica ele deu o nome de semiótica"(SANTAELLA, 2015, p. XII).

Como afirmam Santaella e Nöth (2015, p. 40), "partindo de um modelo triádico de signo, o signo de imagem se constitui de um significante visual (representamen para Peirce), que remete a um objeto de referência ausente e evoca no observador um significado (interpretante) ou uma ideia do objeto".

Peirce afirma que as pessoas compreendem o contexto ao seu redor por meio de uma tríade identificada por ele como: Signo (parte perceptível e representável, representa algo para alguém), Interpretante (imagem mental que cada um tem desse signo) e Objeto (é a coisa propriamente dita). A partir desse ponto, Peirce ainda subdivide o signo em mais três partes: Ícone (é a imagem, representação de um objeto, cria ligações com várias ideias, tudo que representa algo por meio da semelhança - desenho/imagem), Símbolo (representam algo por meio dos ensinamentos, por convenção, aquilo que a sociedade define como representante de algo - palavra) e Índice (relação de proximidade com o objeto, indício de existência do objeto, tudo aquilo que indica algo que noz induz a pensar naquilo). Santaella (2015, p. 18-19) exemplifica a

diferença entre índice e ícone:

Falar de fotografias é já começar a tratar dos índices. A montanha, cuja imagem foi capturada na foto, de fato, existe fora e independentemente da foto. Assim, a imagem que está na foto tem o poder de indicar exatamente aquela montanha singular na sua existência. O que dá fundamento ao índice é a sua existência concreta. [...] Para que a imagem da montanha possa estar, de algum modo, na foto, houve uma conexão de fato entre a montanha e a foto. Mas a foto não é a montanha, apenas a indica dentro de certos limites que são próprios da fotografia. Esse recorte específico que a foto faz do objeto fotografado é o objeto imediato (SANTAELLA, 2015, p. 18-19).

Desta forma, as imagens são identificadas como pontos de índices que serão analisa- das simultaneamente. Já em seu texto intitulado Fotografia de moda: linguagem e produção de sentido, Nogueira (2012) afirma que:

O signo imagético é um caso que merece atenção especial. Toda imagem tem o aspecto icônico realçado, por ser análoga à realidade de um determinado momento, que pode ser reconhecido por semelhança. Entretanto, imagens são capturadas em presença, ou seja, há uma ligação existencial entre o fato registrado e a sua imagem. Isso faz da imagem o "rastro"de um momento (NOGUEIRA, 2012, p.99-100).

Para a autora, isso significa que a imagem tem uma credibilidade muito maior do que um desenho. Nogueira (2012) ainda afirma que há três formas distintas de reagir ao contato com o signo: o emocional, a energética e a lógica. Desta forma, observa-se que as reações por palavras ou por imagens são diferentes, além da facilidade da imagem em relação ao texto, pois pode-se apreciá-la sem ter total compreensão da mesma.

Donis A. Dondis é professora de comunicação na University School of Communica- tionem Boston, nos Estados Unidos, e em seu livro intitulado Sintaxe da Linguagem visual, ela fala sobre as principais técnicas e os principais elementos para a criação de imagens – seja por meio da fotografia, da pintura, do desenho etc. Para Dondis (2015), a criação da fotografia veio com uma relação muito especial pela capacidade da imagem fotográfica registrar e relatar o que vemos de modo a gerar poucas dúvidas sobre a sua veracidade. De acordo com seus estudos, a autora afirma que a câmera "constitui o último elo de ligação entre a capacidade inata de ver e a capacidade extrínseca de relatar, interpretar e expressar o que vemos, prescindindo de um talento especial ou de um longo aprendizado que nos predisponha a efetuar o processo"(DONDIS, 2015, p. 12).

Além disso, Dondis (2015) afirma que as obras visuais podem ser analisadas a partir de diferentes pontos de vista, especialmente se houve a decomposição da imagem em elementos constitutivos para que haja um melhor entendimento do todo. Em tais imagens, ela afirma que as

junções desses elementos seriam consideradas o input do fotógrafo, ou seja, a seleção de ideias, a composição que ele produz daquele momento.

Criamos um design a partir de inúmeras cores e formas, texturas, tons e propor- ções relativas; relacionamos interativamente esses elementos; temos em vista um significado. O resultado é a composição, a intenção do artista, do fotógrafo ou do designer. É seu input. Ver é outro passo distinto da comunicação visual. É o processo de absorver informação no interior do sistema nervoso através dos olhos, do sentido da visão (DONDIS, 2015, p. 30).

Esse input, para Dondis (2015), só confirma que todo artista tem a mesma gama de possibilidades para a criação do seu elemento visual, entretanto, é pela forma com que são unidos e utilizados os elementos e técnicas que demonstram a especificidade da sua arte. É a forma como o artista une esses elementos que definem a sua linguagem da fotografia.

Essas variações dependem da expressão subjetiva do artista, através da ênfase em determinados elementos em detrimento de outros, e da manipulação desses elementos através da opção estratégica das técnicas. É nessas opções que o artista encontra seu significado. O resultado final é a verdadeira manifestação do artista. O significado, porém, depende da resposta do espectador, que também a modifica e interpreta através da rede de seus critérios subjetivos (DONDIS, 2015, p. 31).

Esse momento da criação dessas imagens, seja fotografia, desenhos, marcadores ou objetos, determinado pelo criar, utiliza as técnicas visuais para que esses elementos, em união, tenham uma lógica, um tema determinado pelo emissor. Além das técnicas utilizadas, também é possível identificar elementos que compõem as imagens. De acordo com Dondis (2015, p. 51), "os elementos visuais constituem a substância básica daquilo que vemos, e seu número é reduzido: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão, a escala e o movimento". É a combinação desses elementos visuais a presença com que elas ocorrem que definem a estrutura da obra. A autora afirma também que "são muitos os pontos de vista a partir dos quais podemos analisar qualquer obra visual; um dos mais reveladores é decompô-lo em seus elementos constitutivos, para melhor compreendermos o todo"(DONDIS, 2015, p. 52).

Martine Joly é professora na Universidade Michel Montaigne, Bordeaux III, França, e em seu livro intitulado Introdução à análise da imagem, ela propõem metodologias para analisar mensagens visuais fixas como quadros, fotografias, cartazes etc. Joly (2012, p. 29) embasa os seus estudos por meio da semiótica Peirceana para poder analisar as imagens. Ela afirma que "abordar ou estudar modos de produção de sentido, ou seja, a maneira como provocam significações, isto é, interpretações"(JOLY, 2012, p. 29). A autora ainda que tudo pode ser

um signo, tendo em vista que podemos interpretar tudo a nossa volta e que um signo só é especificamente um signo se gerar ideias e provocar uma atitude interpretativa nas pessoas.

A questão da fotografia como representação da realidade passa pelo fato dela ser percebida pelo leitor como signo. Mas Joly (2012, p. 39) alerta que essa representação da realidade pode provocar confusão no caso da semelhança ser baixa ou alta demais, como ela afirma: "a imagem pode se tornar perigosa tanto por excesso quanto por falta de semelhança. Semelhança demais provocaria confusão entre imagem e objeto representado. Semelhança de menos, uma ilegibilidade perturbadora e inútil".

Entretanto, a fotografia entra nesse grupo do registro como grande semelhança ao que representa por ser um registro de algo que esteve fisicamente presente por um determinado tempo; as fotografias são consideradas por Joly (2012, p. 40) como um ícone puro e confiável. Na imagem visual, Martine Joly (2012, p. 75) divide os elementos constitutivos de uma imagem em signos figurativos e icônicos, além também dos signos plásticos – sendo estes compostos pelas formas, cores, composição e textura. Para Roland Barthes, a retórica da imagem é compreendida pelo modo de persuasão (inventio) e em termos de figuras (elocutio). Joly (2012, p. 83) explicita os conceitos de Barthes ao afirmar que:

A fotografia (significante) que me permite reconhecer tomates, pimentões ou cebolas (significados) constitui um signo pleno (um significante ligado a um significado). Contudo, esse signo pleno prossegue sua dinâmica significativa tornando-se o significante de um significado segundo, "frutas e legumes me- diterrâneos, Itália"etc. Foi assim que Barthes conceitualizou e formalizou a leitura "simbólica"da imagem e, mais particularmente, da imagem publicitária (JOLY, 2012, p. 83).

A publicidade, mais do que em qualquer outra área, utiliza as figuras de retórica em suas composições visuais como, por exemplo, as metáforas visuais, hipérbole visual, elipses de suporte e as comparações visuais. Além delas, observa-se também o uso da repetição, da inversão, da gradação e da acumulação – todas com o principal objetivo de incitar o desejo nos consumidores (JOLY, 2012, p. 85). A fotografia de moda, a qual será analisada nesta pesquisa, tem a sua raiz da publicidade, pois, como os trabalhos publicitários, os editoriais de moda têm o objetivo de gerar desejo nos leitores e nos consumidores.

Sendo a função da mensagem publicitária essencialmente conotativa, isto é, centrada no destinatário, é lógico que nela se encontrem procedimentos plás- ticos de implicação em funcionamento, como a composição, a paginação ou a tipografia-retórica, como a elipse, e procedimentos linguísticos (nós/vocês) (JOLY, 2012, p. 114).

Entre os signos plásticos, Joly (2012) identifica dez categorias para separar as características objetivas das imagens, como indicado no quadro abaixo:

Significantes plásticos: Quadro Enquadramento Ângulo da tomada Escolha da objetiva Composição Formas Dimensões Cores Iluminação Textura

Tabela 1 – Significantes plásticos (JOLY, 2012, p. 103).

Além dessas categorias plásticas, a autora explicita a análise por meio de signos icônicos, tendo em vista que a interpretação depende do conhecimento do espectador, assim como afirmou anteriormente Lencastre e Chaves (2007), Sardelich (2006) e Vicente (2000). Entretanto, Joly (2012) afirma que a identificação e separação entre signos plásticos e icônicos pode ser muito difícil, tendo em vista que as significações são construídas por uniões desses tipos de signos. A autora explicita que para que a fotografia se forme, é necessário um encontro, uma co-presença entre o objeto e o fotógrafo. Isso gera um possível registro do mundo, da realidade. Entretanto, essa mimese perfeita não pode mais ser atestada.

Para a criação dessa imagem com a união dos elementos do input, Joly (2012) afere que há um conjunto de decisões tomados pelos fotógrafos no momento do click:

Sabe-se que todas essas operações correspondem a toda uma série de escolhas e de manipulações feitas além da tomada: escolha do tema, do filme, do foco, do tempo de exposição, da abertura do diafragma etc. A todas essas escolhas, ainda é preciso acrescentar escolhas feitas no momento da tomada – enquadramento, iluminação, pose do modelo, ângulo da tomada, etc (JOLY, 2012, p. 128).

Além disso, de todas essas decisões, a autora afirma que a narrativa visual – com o intuito real de se contar uma história – só pode acontecer por uma sequência de imagens; e é exatamente isso que acontece com os editoriais de moda que serão analisados no capítulo de análise.

Laurence Bardin é professora do curso de Psicologia na Universidade de Paris. A pesquisadora tem como base as técnicas de análise de conteúdo para as suas pesquisas nos estudos de comunicação de massa e na psicossociologia. Nos anos 1940-50, a análise de

conteúdo era conceituada por Berelson e Lazarsfeld como "uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação"(BARDIN, 2016, p. 24). Com o avanço nos estudos, nos anos 1950-60, o conceito foi desencantado e o próprio Berelson que negou toda a lógica dita anteriormente. Durante os anos seguintes, a pesquisa nesta área foi evoluindo e a análise de conteúdo foi dividida, no plano metodológico, entre análise quantitativa e análise qualitativa. Os conceitos são afirmados:

Na análise quantitativa, o que serve de informação é a frequência com que sur- gem certas características do conteúdo. Na análise qualitativa é a presença ou a ausênciade uma característica de conteúdo ou de um conjunto de característi- cas num determinado fragmento de mensagem que é tomada em consideração (BARDIN, 2016, p. 26-27).

Deste modo, a quantitativa focava no número de conteúdos similares e a qualitativa seria o sim ou não da presença do conteúdo. Ainda de acordo com Bardin (2016), o conceito de análise de conteúdo é focado na metodologia empírica com foco nas técnicas de análise de comunicação.

A análise de conteúdo (seria melhor falar de análises de conteúdo) é um método muito empírico, dependente do tipo de "fala"a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como objetivo. Não existe coisa pronta em análise de conteúdo, mas somente algumas regras de base, por vezes dificilmente transponíveis. A técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo pretendidos tem de ser reinventada a cada momento, exceto para usos simples e generalizados, como é o caso de escrutínio próximo da decodificação e de respostas a perguntas abertas de questionários cujo conteúdo é avaliado rapidamente por temas (BARDIN, 2016, p. 36).

Assim, Bardin (2016) determina que análise de conteúdo seja dividida em passos: o primeiro deles é a descrição analítica, ou seja, a descrição do conteúdo das mensagens. "A análise de conteúdo pode ser uma análise dos "significados"(exemplo: a análise temática), embora possa ser também uma análise dos "significantes"(análise lexical, análise dos procedimentos"(BARDIN, 2016, p. 41).

Desta forma, serão utilizados os conceitos de de análise quantitativa de Bardin (2016), baseado no número de características presentes nas imagens, além dos conceitos semióticos de ícones e índices.

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