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4.2 Medicina Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva: matrizes

4.2.2 A Construção do campo da Saúde Coletiva

O movimento ideológico que deu origem à Saúde Coletiva na América Latina remonta a um contexto histórico e social marcado por profunda repressão política na

região, uma efervescente produção intelectual oriunda das discussões teóricas sobre as relações saúde e sociedade e a organização dos departamentos de medicina preventiva nas faculdades de medicina (NUNES, 1994).

Essa situação acontece em meados dos anos 1970, época em que o modelo de saúde pública vigente é desenvolvimentista, atrelado ao consenso da necessidade de crescimento econômico como forma de melhorar as condições de saúde e vida da população, sendo esse modelo historicamente vinculado ao projeto médico-naturalista estabelecido desde o advento da sociedade industrial. O movimento fundante que resultou na criação do “campo da saúde coletiva” surge com o intuito de reestruturar a Saúde Pública, representando uma ruptura ao negar que os discursos biológicos detenham o monopólio do campo da saúde (BIRMAN, 2005).

Por conta disso, o diálogo crítico que identificou contradições na Saúde Pública, institucionalizada ou não, tanto na esfera técnico-científica quanto no terreno das práticas, gera uma importante produção doutrinária e conceitual que fornece as bases e os esforços subsequentes de pensar a questão da saúde na sociedade (PAIM; ALMEIDA-FILHO, 1998). Esse desenvolvimento intelectual coletivo, expressão de uma geração e de um momento político, tenta construir novas práticas e saberes transformadores, provocando ressonância e promovendo uma visibilidade social potencializada pelos movimentos sociais populares de então. No campo internacional acontece o advento da reestruturação da Atenção Primária, com a divulgação das metas de “Saúde Para Todos no Ano 2000”.

Birman (2005) considera como fatos importantes na história cronológica da Saúde Coletiva, o I Encontro Nacional de Pós Graduação em Saúde Coletiva, realizado em Salvador, Bahia em 1978; a Reunião Subregional de Saúde Pública da Organização Pan-americana da Saúde e Associación Latinoamericana de Escuelas de Salud Pública (OPAS/ALESP) e em dezembro de 1979, a criação da Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva-ABRASCO. A partir de então a Saúde Coletiva passa a se estruturar como um campo de saber e práticas.

Nunes (1994) cita os trabalhos marcantes de Sérgio Arouca e Maria Cecília Donnângelo no Brasil, de Jaime Breilh no Equador e Cristina Laurell no México que muito contribuíram para a estruturação teórica da Saúde Coletiva, caracterizando a importância das Ciências Sociais como vertente que deu origem a esse campo.

Minayo (1992 apud PEREIRA, 2003) considera a Saúde Coletiva como um campo de práticas – sanitárias, sociais ou de investigação - que incorpora os sujeitos, os movimentos sociais e os serviços de saúde, submetendo-os à crítica transformadora.

Nunes (2005) relata que a Saúde Coletiva estrutura-se como campo de saber e prática, caracterizando-se por ter sido na sua origem, um movimento contra- hegemônico, visando a rever criticamente o modelo sanitário, mas também dos interesses corporativos e associativos de destacada parcela da intelectualidade da saúde.

Paim e Almeida Filho (1998) afirmam que a Saúde Coletiva é um campo que permite a identificação de pontos de encontro com os movimentos de renovação da Saúde Pública institucionalizada, seja como âmbito científico, âmbito de práticas ou mesmo atividade profissional.

Campos (2000) considera que a Saúde Coletiva insere-se dentro do campo da saúde, caracterizando-se como um movimento intelectual e moral, um núcleo que produz saberes e práticas, que se inter-relaciona com o campo em que se insere e, ao mesmo tempo, um núcleo co-produtor desse mesmo campo.

Observo que há um consenso entre os autores citados em caracterizar a Saúde Coletiva como um “campo científico” que segundo Bourdieu (1983) é um campo social como outro qualquer, com suas relações controversas, antagônicas e concorrenciais. Todos os autores, porém, discorrem acerca do dinamismo da formulação conceitual uma vez que, o movimento da Saúde Coletiva desde o seu surgimento é um processo em constante construção que apesar de preencher as condições epistemológicas e pragmáticas para se apresentar, em si mesma, como um novo paradigma científico, se consolida como campo científico e âmbito de práticas aberto à incorporação de propostas inovadoras, muito mais do que qualquer outro movimento equivalente na esfera da Saúde Pública mundial (PAIM; ALMEIDA- FILHO, 1998).

A Epidemiologia, Políticas e Práticas de Saúde e Ciências Sociais em Saúde foram as disciplinas que estruturaram a Saúde Coletiva a princípio. A produção científica em seu primeiro momento (segunda metade dos anos 70) orientou-se predominantemente para a discussão do tema Estado e Políticas de Saúde (COSTA, 1989). À proporção que se dá a construção do campo, evidencia-se a necessidade de um aporte teórico mais ampliado, pois segundo Nunes (2005) a

criação da Saúde Coletiva transborda os limites disciplinares e se apresenta na interface de outras áreas de conhecimento como as Ciências Biológicas, Matemáticas e afins, daí a dificuldade da sua definição. O conhecimento transdisciplinar percorre o ensino, a pesquisa e projetos do campo e as contribuições da Epidemiologia Social, Demografia, Economia e Ecologia têm sido relevantes e necessárias.

Por fim, o paradigma em evolução oriundo da medicina social e do movimento ambientalista, com ênfase na ampliação do olhar sobre a relação saúde- ambiente a partir de processos sociais e econômicos do desenvolvimento, permite ao campo da saúde pública incorporar novas dimensões. Além da biomédica restrita, as dimensões políticas, econômicas, culturais, e ecológicas na compreensão dos problemas de saúde das populações, vistos cada vez mais como fenômenos complexos e multidimensionais, exigindo novas estratégias de intervenção com forte tendência para a multiprofissionalidade, a inter/transdisciplinaridade e a intersetorialidade (PORTO, 2005).