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CAPÍTULO 3 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO COMO QUESTÃO

3.3 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA VELHICE

A construção social sobre o processo de envelhecimento é organizado segundo as delimitações do modo de produção capitalista. Haddad compreende que:

[...] a ideologia da velhice é elemento fundamental à reprodução das relações capitalista na medida em que a produção capitalista implica a reprodução de idéias, valores, princípios e doutrinas, o conjunto de representações sobre a etapa final da vida humana é organizado segundo as determinações básicas do modo capitalista de produção. As sociedades capitalistas, transformando as pessoas em mercadorias, condenam o trabalhador à degradação durante toda a trajetória de sua vida. Paradoxalmente, são crescentes as propostas de reparos para a tragédia dos velhos que vêm, na realidade, escamotear a problemática da exploração da mão-de-obra. A ideologia da velhice é, pois entendida como parte essencial do funcionamento das sociedades capitalistas, cuja contradição principal é sua divisão em classes sociais (HADDAD, 1986, p.16).

Uma questão fundamental para perceber a construção social da velhice relaciona-se com o fato de que a juventude é eleita como idade-padrão da sociedade

30 “uma modalidade contínua de serviços na área de saúde, cujas atividades são dedicadas aos

pacientes/clientes e a seus familiares em um ambiente extra-hospitalar [...]. Este tipo de serviço é direcionado não somente aos pacientes, como também [...] aos seus familiares [...]; seja para aqueles que aguardam seu restabelecimento e retorno às suas atividades normais, [...] como também, para pacientes que necessitam de acompanhamento em sua fase terminal”. Disponível em: <http://www.portalhomecare.com.br/home-care/o-que-e-o-home-care>. Acesso: Junho de 2011.

contemporânea. Assim, coloca-se o contraste do jovem belo e produtivo e do velho decadente e improdutivo (BARROS apud PEIXOTO 2004).

Esse fator relevante refere-se à visão utilitarista que, na reflexão de Prado (2006) a sociedade capitalista busca o novo e o produtivo, e o velho torna-se descartável; e embora tenha um discurso de valorização e respeito ao idoso, não possibilita a este, igualdade na forma de tratamento e oportunidade de participação.

A visão utilitarista já era destacada por Haddad (1986, p.32), ao enfatizar que “na medida em que na sociedade industrial moderna o que importa é produzir, os idosos são esquecidos o tempo todo porque não interessa a essa sociedade investir em programas que não ofereçam retorno”.

Nessa perspectiva de análise, pode-se questionar: qual tem sido a concepção de envelhecimento, culturalmente difundida e reproduzida nessa sociedade? Quais valores são cultivados?

Sabe-se que a construção social da velhice, particularmente em sociedades ocidentais, sempre foi negada, disfarçada e permeada por preconceitos relacionados às condições fisiológicas que nessa etapa da vida estão em declínio, aos condicionantes sociais, isolamento familiar e social, além do processo de afastamento do trabalho formal.

Gomes e Silva (2006) desenvolveram um estudo na tentativa de demonstrar que a Representação Social da Velhice pode se manifestar de forma dual: ou como uma prisão, ou como uma libertação, independentemente da posição social ou intelectual dos atores, entretanto, a velhice que por si só pode ser assumida como uma etapa de perdas é agravada infinitamente pela condição de classe.

Crescendo numericamente, os velhos se tornam objeto de estudo. As propostas aparecem pela boca da “ciência”, do Estado, dos meios de comunicação [...]. Enquanto isso a história não se altera. “Não mudando a história do trabalhador, não muda a história do menino, não muda a história do velho, não muda a história do homem” (HADDAD in GOMES e SILVA, 1986, p.17).

Num convite à reflexão e reavaliação sobre ideias e posturas pré-concebidas acerca do assunto, para que se possa lutar, devidamente instrumentalizado, pela reversão desse quadro de preconceito, Simone Beauvoir (1990) faz duras críticas ao que chamou de “conspiração do silêncio”, referindo-se especificamente ao olhar e à

postura dirigidos, ou relegados, aos idosos: “[...] para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar [...]”.

Com relação às pessoas idosas, essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. Abrigada por trás dos mitos da expansão e da abundância, trata os velhos como párias (BEAUVOIR, 1990, p. 8).

Entretanto, Debert (1999) sinaliza avanços no debate ao relatar que o envelhecimento pode significar uma nova etapa de vida; que o futuro pode comparecer numa perspectiva de múltiplas possibilidades de existência, libertando o velho dos estereótipos arcaicos e impondo-lhe novos valores.

A tendência contemporânea é rever os estereótipos associados ao envelhecimento. A idéia de um processo de perdas tem sido substituída pela consideração de que os estágios mais avançados da vida são momentos propícios para novas conquistas, guiadas pela busca do prazer e da satisfação pessoal. As experiências vividas e os saberes acumulados são ganhos que oferecem oportunidades de realizar projetos abandonados em outras etapas e estabelecer relações mais profícuas com o mundo dos mais jovens e dos mais velhos (DEBERT, 1999, p.14).

É fato que nas últimas décadas, particularmente no Brasil, têm aumentado consideravelmente os programas para idosos. Debert (1999) sinaliza que as “escolas abertas”, as “universidades para a terceira idade” e os grupos de convivência de idosos, são programas que encorajam a busca pela auto-expressão e criam espaços para uma nova experiência coletiva que sensibiliza a sociedade brasileira para a questão do envelhecimento.

Como contraponto da análise de Debert, Mota in Peixoto (2004), alerta para o que se chama de mercantilização da velhice. Ao entrar na discussão do crescimento do número de idosos, destaca que agentes de gestão da velhice organizam o consumo de serviços e equipamentos para grupos cada vez mais numerosos, e uma das mercadorias oferecidas é a sociabilidade. Também ressalta que, na modernidade ocidental, caracterizada pelo individualismo e estruturalmente fragmentada em diversas esferas de ação, as megaestruturas do setor produtivo oferecem associações (grupos, cursos) “fabricadas” com vistas ao consumo capitalista.

Ademais, Montaño destaca que (2002), o estado neoliberal, marcado pela desresponsabilização do Estado com o social, abre caminhos para que os direitos

sociais sejam privatizados e mercantilizados. Assim, desenvolve-se um mercado de planos privados de saúde e de previdência, bem como lazer e turismo.

Tarefa difícil é delimitar uma via única de fundamentação para entender a inclusão social e a busca de satisfação dos desejos e necessidades dos sujeitos idosos. No entanto, as formas de pensar o envelhecimento fundamentaram o consenso de que esse fenômeno precisa ser visto e problematizado como questão que extrapola o âmbito privado e por isso seu debate deve estar associado a outros debates e dentre eles o de direitos inscrito numa ordem societária.