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CAPÍTULO 3 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO COMO QUESTÃO

3.2 O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: DEMANDA PRIVADA QUE SE

A velhice não começa em uma idade cronológica, linear, nem ocorre de forma igual para todas as pessoas. Sabe-se que, dentre outros fatores, ela é fruto dos hábitos e costumes, mas também e principalmente fruto da condição de classes sociais e, portanto, deve ser percebida como um processo que pode diferenciar-se de pessoa para pessoa, a partir das variáveis acima.

A idade cronológica, apesar de ser utilizada pela maioria das produções sobre o envelhecimento, não deve ser o único fator para classificar um indivíduo como idoso. Além do fator cronológico, é fundamental considerar as idades psicológica, social e biológica, que podem não coincidir com a cronologia, muito embora, seja imprescindível diferenciá-las para compreender as múltiplas dimensões do processo de envelhecimento.

Nesse aspecto, o destaque volta-se para as discussões permeadas por análises da qualidade de vida, cidadania e garantia de direitos em suas múltiplas dimensões, ou

seja, no sistema de saúde, previdenciário, familiar, sócio-assistencial, sócio-cultural e educacional, dentre outros.

Nos países desenvolvidos, onde a população tem mais acesso aos bens e serviços e melhor qualidade de vida, a velhice pode ser observada de diversas maneiras, se for considerada a história social dos setores mais empobrecidos da população. E nos países periféricos isso é ainda mais marcante. Se por um lado é fato o crescimento populacional, aumento do número de idosos, por outro, o que se visualiza são as demandas que esses dados representam. A velhice como questão social se manifesta a partir de fatores importantes como assistência médica, aposentadoria, diminuição dos ganhos econômicos, além das frequentes manifestações de enfermidades psíquicas e físicas.

Outro fator relevante da velhice como expressão da questão social associa-se ao papel da família. Historicamente, os problemas inerentes ao envelhecimento sempre foram vistos como pertencentes à esfera familiar, privada ou de associações filantrópicas. Para Mioto (2006), a solidariedade familiar sempre foi responsável pela cristalização de uma cultura que legitima muitas vezes os problemas sociais como pertencentes ao âmbito privado, tido como meio “natural” de prover a satisfação das necessidades dos cidadãos.

Entretanto, no atual contexto, o envelhecimento passa a ser uma questão de ordem pública/social. Uma forte razão para isso é que, conforme no adverte Sarti (2005), atualmente a família tem passado por transformações sociais advindas do contexto sócio econômico, de profundas modificações na economia capitalista e, sobretudo, no que diz respeito às mudanças no mundo do trabalho, marcado pelo aumento do desemprego, aumento da miséria e por consequência o difícil acesso à cidadania. Em face de tantas mudanças que atingem a família, a mulher que sempre foi considerada a “cuidadora do lar”, responsável em prover solução para os problemas domésticos, insere-se no mercado de trabalho. Para a classe mais pauperizada, isso significou um grande desafio, tendo em vista os recursos e energias que precisam ser mobilizados para o cuidado dos membros dependentes.

Outra perspectiva de análise é destacada por Gomes (2008), ao salientar o papel de provedor do idoso. Para ela,

Na atual sociedade do desemprego ou da precarização do trabalho, as pessoas idosas estão assumindo cada vez mais o papel de provedor. Vem representando o lado estável da vida familiar. Se, de um lado, essa realidade pode lhes conferir um papel social mais importante no âmbito das relações familiares, de outro, é inegável o ônus da privação e de maior carga de trabalho. Isso porque tem de dividir a aposentadoria, de um modo geral já bastante comprometida, para suprir as necessidades de filhos ou netos desempregados, ou de recorrer a outras atividades ocupacionais, para completar a renda familiar (GOMES, 2008, p.65).

Segundo Barros, apud Peixoto (p. 19, 2004), uma nova percepção da velhice significa um [...] “processo de reprivatização da velhice onde está presente a progressiva responsabilização do velho e da velha por seu próprio bem-estar nessa fase da vida.” Assim a pessoa idosa passa a ser responsável pelo cuidado com sua saúde física, psíquica e todas as formas de inserção na vida social.

Essas colocações remetem a um assunto já tratado no subitem das políticas sociais, denominado de enfrentamento da questão social. Destaca-se que, no mundo contemporâneo, particularmente no Brasil, as diretrizes da política neoliberal, de desresponsabilização do Estado em responder às necessidades dos cidadãos e transferi-las para o indivíduo, para a família, para os laços afetivos e comunitários, ou para a filantropia, são visíveis e perpassam a lógica de funcionamento dessas políticas, liberando o Estado e o capital desse ônus.

Partindo do pressuposto de que a problemática do envelhecimento deve ser analisada no interior da sociedade capitalista, Haddad (1986) destaca que a ideologia da velhice é um fator imprescindível à reprodução das relações do capital, uma vez que a produção das relações capitalistas implica a reprodução de idéias, valores, princípios e doutrinas.

Nesse contexto, Beauvoir (1990), sinaliza que na sociedade capitalista o envelhecimento aparece como problema social e “não somente as pessoas idosas são muito mais numerosas que outrora, mas elas não se integram mais espontaneamente à sociedade [...]. A velhice tornou-se o objeto de uma política” (BEAUVOIR, 1990, p. 273).

Cumpre notar, portanto, que a velhice transcende à barreira do âmbito doméstico- familiar e tem sido acolhida pela sociedade capitalista como fonte de problema. Na visão de Beauvoir (1990) o velho não tem lugar nessa sociedade, muito embora seja

preciso relativizar tal posicionamento face à conjuntura histórica que a autora escrevia na França.

Entretanto, do ponto de vista dos atuais interesses do capital essa população - principalmente os idosos incluídos num universo que “denota possibilidades” - é fonte para o desenvolvimento de novos “empreendimentos” como: empréstimos, previdência privada, fundos de pensão, que ajudam a aumentar os exorbitantes lucros do capital e, ainda para o desenvolvimento dos serviços de homecare30, Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI’s) de iniciativa privada, dentre outros.

Algumas considerações a respeito do pensar a velhice também ajudam a compreender melhor essa mudança na forma de olhar o sujeito que vive essa fase da vida.