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CONSTRUINDO O ESPAÇO LANCASTERIANO DA PRIMEIRA ESCOLA NORMAL NO MUNDO, PARIS-FR

2 EDIFICANDO O CENÁRIO DAS ESCOLAS NORMAIS

2.1 CONSTRUINDO O ESPAÇO LANCASTERIANO DA PRIMEIRA ESCOLA NORMAL NO MUNDO, PARIS-FR

O método de Lancaster ou de ensino mútuo, é um método pedagógico criado no inicio do século XIX pelo inglês Joseph Lancaster, que se caracteriza enquanto uma forma de instrução de poder disciplinador, distanciando-se do ideal da pedagogia iluminista, pois não defendia a construção de sujeitos autônomos. Ou seja, entende-se que o disciplinamento do ser humano através da instrução era o objetivo principal desta configuração de ensino (NEVES, 2003). Entre o fim do século XVIII e o início do século XIX na Inglaterra, a instrução elementar surge como parte dos assuntos principais em âmbito nacional, pois visavam melhorar a moral das classes trabalhadoras.

[...] Defendia Lutero, em seus escritos pedagógicos, alguns princípios originais em sua época como, por exemplo, a necessidade dos governantes fundarem e sustentarem escolas e empenharem-se na formação de bons mestres. (VILLELA, 1990, p.32).

Nesse sentido, o Estado exigiu por parte das fábricas a oferta de instrução para os principiantes, porém, tal oferta deveria partir de iniciativas particulares. A partir disso, surge uma novidade no que diz respeito aos processos pedagógicos, um novo método é formulado, recebendo este distintas nomenclaturas, exemplo: "método monitorial." Andrew Bell e Joseph Lancaster foram essenciais para organizar e divulgar este método. (NEVES, 2003).

Como afirma Neves (2003), Andrew Bell, ao longo de sua trajetória, assumiu papéis relacionados ao aspecto pedagógico, atuando como diretor de um abrigo para crianças carentes. Diante desta função, sentiu-se obrigado a utilizar procedimentos didáticos para viabilizar as estratégias pedagógica, e, a partir disso desenvolveu uma metodologia própria para alfabetização. Segundo a tese de Fátima Maria Neves (2003), Bell buscava a

catequização de pessoas, consideradas partes da sua responsabilidade religiosa, através de noções relevantes aos interesses individuais e para servir ao Estado em que se inseririam da melhor forma possível.

Joseph Lancaster, por sua vez, criou uma escola para filhos da classe trabalhadora. Com o passar do tempo conseguiu muitos alunos, entretanto, não conseguia manter a escola, e como saída para tal situação passou a utilizar os métodos de Bell, reformulando-as e atribuindo a estas propriedades que resultaram no método Lancasteriano. (NEVES, 2003).

Neste método, um professor tinha possibilidade de trabalhar com centenas de alunos ao mesmo tempo. Para isso, contava com monitores treinados por ele, e as turmas deveriam aprender em silêncio e em conjunto. Essa forma organizacional dava-lhe a capacidade de suprir a escassez de professores e baratear os custos com a educação. (RÁTIVA, 2013).

Com turmas numerosas, a estrutura da sala de aula deveria seguir uma organização diferenciada e, para isso, Lancaster formulou uma sala com a estrutura ideal para o seu método e que comportasse mais de trezentos alunos ao mesmo tempo.

Dentro deste método, percebe-se que diferentes responsabilidades são atribuídas primeiramente no que se refere ao mestre. Corroborando com Neves (2003), é possível afirmar que os mestres no método Lancasteriano possuíam grande influência sobre os seus alunos, tal influência despertava tamanha admiração dos alunos para com seus superiores, chegando esta admiração próxima à idolatria. Que no caso das Normalistas, não chegam a idolatria e nem ao quantitativo em sala, mas chegam a uma admiração plena, ao ponto de chamá-los de catedráticos.

Além disso, compreende-se também que para haver a ordem e a disciplina, tais mestres precisavam apresentar autoridade e, de acordo com a função, tinham a responsabilidade de prover os recursos fundamentais para que as atividades fossem desenvolvidas, bem similares aos catedráticos do Ensino Normal no Brasil, como diz a Normalista Iolete8:"[...]Então, quando eles entravam na sala isso aí já era, ai quando eles chagavam a gente se levantava! Eles davam aula de paletó e gravata ou então de gravata e manga comprida e um jaleco.

No Brasil, a monarquia e sua elite, preocupadas com as massas populares que se recusavam a serem submissas às regras de um trabalho disciplinado, passaram a estabelecer

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Entrevista realizada com a Normalista Iolete Barros, no dia 18 de agosto de 2011, e autorizada pelo modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no anexo A.

projetos que visavam formular estruturas capazes de auxiliarem no processo de vigiar e disciplinarizar as classes subordinadas. Para tanto, além das forças policiais, por exemplo, foi utilizado um aparato educacional em se insere a instrução pública pautada no Método Lancasteriano. Vale ressaltar, que tal método já se fazia presente nos discursos elitistas antes mesmo de ter essa utilidade enquanto estratégia para a formação do povo no período imperial, precedendo a Constituição do Estado (NEVES, 2003).

O decreto de número 10 do ano de 1835, denominado: Decreto de criação da Escola Normal, foi o responsável pela implementação da primeira escola deste segmento no território brasileiro, mais precisamente na cidade de Niterói, antiga capital da província do Rio de Janeiro. O artigo de número dois, define o método Lancasteriano como forma de se ensinar nessas escolas, bem como os conteúdos e a sequência que o diretor da escola deveria trabalhá- los.

Com estes conteúdos, o art. 4º. do referido decreto pretendia formar professores com o seguinte perfil: ser brasileiro, ter mais de 18 anos e princípios de boa moral. Para essa "avaliação do bom-mocismo", deveriam ter um documento de recomendação do presidente da província, passado pelo juiz de paz, isto é, mais uma vez a preocupação com os futuros professores que conduziriam seus alunos e futuros formadores de opinião. Apresentando uma predominância muito mais com a moralidade do que com a intelectualidade.

Este decreto ainda dá disposições sobre a forma de ingresso nas Escolas Normais, bem como a necessidade dos professores que estavam em atuação na época de cursarem a Escola Normal, caso contrário seriam aposentados e receberiam sua aposentadoria de acordo com o tempo de serviço. Tais fatos, expressos anteriormente, deixam clara a necessidade que o governo via em formar docentes com a capacidade de trabalharem o método Lancasteriano.

Imagem 3 - Decreto de criação da primeira Escola Normal do Brasil

Os conteúdos deveriam ser organizados na seguinte ordem: primeiro: ler e escrever pelo método Lancasteriano, cujos princípios teóricos e práticos explicará; segundo: as quatro operações aritméticas, quebrados, decimais e proporções; terceiro: noções gerais de geometria teórica e prática; quarto: gramática da língua nacional; quinto: elementos de geografia; sexto: os princípios da moral cristã e da religião do Estado (tradução nossa).

Portanto, o método Lancasteriano cultivava uma das técnicas do poder disciplinador, que se amoldava com os interesses do Estado e as instruções públicas, para a formação de novos professores com a visão do futuro da nação. Vários foram os mestres estrangeiros que aplicaram esse método no Brasil. Mas, um dos fatos interessantes, é que o Sr. João Batista Queiroz recebeu uma bolsa em pecúnia para aprender o método de Lancaster na Inglaterra, mas na sua volta o diploma expedido era da École Normale Elementaire pour les Maitres

d’Enseignement Mutuel, de Paris-FR.

O diploma atestava que o professor freqüentara durante três meses o curso naquela escola e, portanto, estava apto a aplicar o método. A presença de Queiroz na França também é registrada em uma matéria do Journal d’Education, publicada em julho de 1823, quando divulgaram o estágio de abrangência do Ensino Mútuo no Brasil. (NEVES, 2003, p.140).

Este método foi de grande influência para o disciplinamento do Ensino Normal e a militarização no Brasil. Neste modelo da École Normale Elementaire de Paris-FR, foi criada a primeira instituição de Ensino Normal do Brasil e da América Latina, responsáveis pelas especificidades da formação docente para o ensino primário, constituídas por um conjunto de decretos, leis e normas para um campo profissional, sinalizando um projeto mais amplo em prol da educação brasileira, não especificamente com a formação dos professores, e sim com a visão que a partir dessa formação se daria a ordem educativa-escolar, norteando uma educação tradicional e elitista, estabelecendo regras e consequentemente disciplina para as classes subordinadas, inclusive com as próprias Normalistas e o espectro do "bom-mocismo".

Neste estudo, fica a reflexão das implicações para as elaborações e criações das Instituições de Ensino Normal no Brasil e sua influência com o modelo de Paris-FR, dentro de um pensamento político e histórico de um arquétipo com suas intencionalidades nas dimensões pedagógicas e administrativas para a formação dos futuros professores do Brasil, oriundos de um modelo homogêneo, mas na realidade o que houve mesmo foi uma heterogeneidade, frente às características de cada localidade.

2.1.1 École Normale Supérieure

A criação da Escola Normal Superior da França não foi diferente das demais criações das Escolas Normais do Brasil. A École Normale Supérieure (ENS) viveu, na sua criação, questões políticas e sociais, inclusive é oriunda da revolução francesa (1789-1799). O decreto no anexo C - Decreto da Convenção Nacional, chamava de todas as partes da república os cidadãos (homens) para aprender a cátedra de ser professor, sob as mais qualificadas artes de ensinar.

Com a instauração do novo Estado republicano na França, foi considerada uma formação nacional de mestres prioritários para as escolas. Repensando sobre os métodos antigos mediante o "novo tempo", foi estabelecido um ensino com os melhores especialistas. No entanto, esta primeira escola de 1794 não durou muito e foi reformulada, através da idéia revolucionária para aquela época, chegando em um consenso que deveria ser instaurada aos poucos.

Para tanto, o jovem Napoleão Bonaparte herdou do Império a oportunidade deste sistema educacional. Apoiado pelo poder das elites, tenta abrir a Escola Normal no edifício da Universidade Imperial, em março, pelo Decreto 17 de 1808, vide anexo D, mantendo alguns alunos e recrutando-os, utilizando critérios baseados no "mérito" e no "talento".

Mas nem só de homens viveu a ENS. O ato inicial de julho de 1881 é aberto para as mulheres o alto nível de ensino, mas a fusão das meninas e meninos só aconteceu em 1987. Para Masson, (1994, p.36) "[...] sera pour les femmes um extraordinaire instrument de

promotion sociale em leur ouvrant lá carrière de professeur des lycées de jeunes filles." "[...]

será para as mulheres um extraordinário instrumento de promoção social em abrir para as meninas a carreira de professor do ensino médio (tradução nossa).

No entendimento de Masson (1994) a escola foi criada nas escolhas ideológicas da República. Seus idealizadores, na maioria, foram democratas ou socialistas, aguçando uma paixão pela política. A École Normale Supérieure (ENS) foi inaugurada pelo presidente François Guizot, em 4 de novembro de 1847, com toda a ostentação que a época propiciava. Na biblioteca, 20.000 livros e armários de carvalho, com laboratórios e muitas salas, trazendo uma atmosfera amigável para os seus alunos. Tornando um novo começo para este endereço:

Imagem 4 - Planta baixa, da primeira Escola Normal no mundo

Fonte: Maison de France - RJ (2014).

Este plano da Escola Normal mostra o modelo escolhido pelo arquiteto Henri Alphoense-Gisors: um grande pátio em torno do qual organiza os edifícios com dois jardins: o maior é o do diretor e o menor dos estudantes.

Não se pode deixar de relacionar as similaridades da instituição francesa e a brasileira na questão do decreto, com sua publicação e a construção de um prédio imponente; no método de ensino; na oferta inicial para homens e só depois para as mulheres e a questão do uniforme relatado por Masson (1994). Em 1848, a ENS apresenta um novo uniforme, escolhido por um comitê: túnica escura. "[...] Um jeune élève de l'époque, Dionys Ordinaire,

l'avoue: "nous faisions bonne figure, et les filles, ma foi, nous regardaient...." "[...] Um

jovem estudante na época, Dionys Ordinaire confessa: "nós estávamos fazendo uma boa figura, e as meninas, bem, nos observando." (tradução nossa).

Essas eloquências se baseavam na relação do poder central de atribuir e organizar o ensino Normal do país com a tradicional exclusão dos leigos e participação ativa das elites, principalmente com o discurso que se dava em geral para as escolas de Ensino Normal da França, em que os alunos iriam estudar com os "maiores sábios da época", perpetuando a elitização e colaborando para a desesperança da instrução de elevação do nível de intelectualidade da população francesa.

2.2 TRACEJANDO O CENÁRIO DA CRIAÇÃO DA ESCOLA NORMAL DO