• Nenhum resultado encontrado

Este capítulo retratará o perfil das Normalistas, como discentes e docentes, adentrando na vida escolar, profissional e pessoal, fazendo um sucinto percurso pelo papel dos pais no incentivo a educação das filhas, objetivando conhecer o contexto da inserção das mulheres nas Escolas: Normal do Município da Côrte, Normal Oficial de Pernambuco e na Escola Normal Pinto Júnior da Sociedade Propagadora.

Além da oralidade, ter-se-á como fonte os documentos da época da escolarização das Normalistas, oriundos dos arquivos pessoais, arquivos das instituições educacionais e da Biblioteca Nacional. Na organização da oralidade, as fontes documentais e as imagens das Normalistas obedecem a ordem cronológica das seguintes instituições: Escola Normal do Município da Côrte, Escola Normal Oficial de Pernambuco e na Escola Normal Pinto Júnior da Sociedade Propagadora, ou seja, a ordem das depoentes e dos documentos sempre obedecerão essa sequência. Ressalte-se que nem sempre foi possível ter os documentos das três instituições, em razão da temporalidade. Neste contexto, este capítulo retratará as vivências das Normalistas na esfera pessoal, com a influência da família e a sua formação nas Escolas de Ensino Normal.

A edificação da formação docente, principalmente as voltadas para o Ensino Normal do universo feminino é muito vasta, envolvendo as mais diversas Escolas Normais do país e historias de vida das depoentes, pois é perceptível nos seus relatos a influência que a família teve nesse processo.

Áurea: a gente não tinha aquela ideia de dizer: ah, eu vou ser advogada... vou ser médica! Você quando terminava, você era professora [...]Então fazer o Curso Normal era uma formação como se diz... era a melhor formação na época.

Lindete: os alunos quando a gente entrava se levantava, a gente se benzia, rezava e também na Escola Normal, também que muito mais rigoroso. Eu amava a disciplina, eu tenho saudade.19

Edivalda: Olha, primeiro, as alunas que faziam magistério eram especiais. Por que? Elas escolhiam magistério porque queriam ensinar, ser professora. Então, eram alunas dóceis, obediente, e que amava os professores.

19

Entrevista realizada com a Normalista Maria Lindete dia 14 de setembro de 2015, e autorizada pelo modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no anexo A.

Nota-se que devido a esta diversidade a formação das Normalistas, ocorreu de diferentes formas ao longo da história, tendo diferentes níveis de organização curricular, e outras características específicas de cada região e ou instituição dos primeiros cursos para formar professoras das primeiras letras.

Assim, pouco a pouco, desde o século XIX, os homens vão abandonando as salas de aula nos cursos primários e as escolas normais vão formando mais e mais mulheres. essas características se mantém ao longo do século XX [...] é acompanhada de intensas alterações econômicas, demográficas, sociais, culturais e políticas que acabam por determinar a grande participação feminina no mercado de trabalho. (VIANNA, 2002, p.45-46).

Com as Normalistas não foi diferente, mediante as questões familiares e as instituições diferentes, mas o que se percebeu ao longo dessa pesquisa foi o encanto de terem estudado neste tipo de instituição, o rigor, a disciplina e a equidade em alguns documentos e normatizações. Ao longo desse capítulo percorre-se, nas duas cidades, o sentimento de ser Normalista e outras particularidades, que são as tipologias de documentos educacionais e os depoimentos. As questões que inicialmente apresentavam-se como amplas, foram se aprofundando e consolidando com os documentos, frente a complexidade das três instituições educacionais e das onze colaboradoras, levantando questões equivalentes a temática central desta pesquisa.

3.1 O QUE É SER NORMALISTA: Da vida educacional para o futuro pessoal e profissional

Ao propor dissertar o que é ser Normalista, uma simbologia vinculada ao educar, elencada pela sociedade como função obrigatória da mulher, é dispor-se a falar das trajetórias de vida de cada depoente, não só sua vida pessoal como profissional, envolvendo a sociedade, as famílias e as questões culturais de uma época. O saudosismo, o respeito, e o ensino estão inseridos em seus relatos ao longo deste capítulo.

Áurea: Ah, era uma coisa assim... maravilhosa! Era uma coisa assim... de você além de estar conhecendo o mundo, você estava abrindo as portas pro outro mundo do saber.

Lindete: Ser normalista pra mim era um orgulho. A farda azul e branca, sapato preto, meia branca, um lacinho aqui e um emblema assim... tinha: IEN, depois ficou IEP - Instituto de Educação de Pernambuco. Manga aqui, e nos trinques mesmo, que eu creio que naquela época toda Normalista tinha orgulho naquela farda.

Lúcia: Ser Normalista ajuda muito, e principalmente eu achei que as mulheres Normalistas, elas tinham uma educação muito boa para o casamento, porque na época era quem bem mais preparava para o casamento, principalmente psicologia, eu gostei muito da psicologia, eu sempre gostei muito de psicologia e didática né? Que eles ensinavam didática pra gente. Então, eu achava muito importante a psicologia no ensino, sempre achei, na própria vida.

A questão da escolha de se fazer um curso visando a profissão de professora, considerando que naquela época essas jovens eram direcionadas à preparação do próprio casamento, até na composição do currículo, que nesse caso é a inserção da disciplina de Puericultura, tinha na intencionalidade os cuidados com as crianças, ora como alunos, ora como filhos, assim sendo, imbricava nas questões sociais, indo além das questões da formação profissional, enquadrando-se na tradição conservadora da época.

Nessa época, era status ter uma filha fazendo o Curso Normal, pois não só preparava para uma profissão, como também para o casamento, ou seja, servia também para a organização do lar, os bons costumes e a educação dos filhos, onde Carla Bassanezi (2008) também destaca o papel da moça da classe média brasileira.

Considerado o mais próximo da função de “mãe”, o magistério era o curso mais procurado pelas moças, o que não significava sequer que todas as estudantes fossem exercer a profissão ao se formarem, pois muitas contentavam-se apenas com o prestígio do diploma e a chamada “cultura geral” adquirida na escola normal. (BASSANEZI, 2008, p.625).

Nos relatos acima, o orgulho é a fonte principal para a escolha da profissão docente, este sentimento está relacionado com a vida cotidiana entre escola, família e sociedade. Uma tríade que contribuiu para a formação não só dessas jovens, como também de gerações, difundindo e perpetuando a educação e os bons costumes selados na época. Aproximando-se do que Elias e Scotson (2000, p.26) nos diz "[...] O orgulho por encarnar o carisma do grupo e a satisfação de pertencer a ele e de representar um grupo poderoso." Levando para essas Normalistas, um sentimento de pertença, isto é, eram cortejadas, aceitas na sociedade, e motivadas para exercerem o seu papel de mulher, esposa, mãe e professora, não exatamente nessa ordem, mas exatamente no cumprimento dessas "funções".

Para Freitas (2002, p.145) "[...] à motivação para a realização do curso, muitas são as razões apresentadas pelas ex-alunas: a boa reputação da instituição," neste aspecto a Normalista Lindete, relata detalhes do fardamento e cita o nome da instituição em que estudou.

As Normalistas, tem uma visão que perpassa da tríade e se insere na visão de futuro, uma abertura para o mundo, a nova oportunidade de trabalho e perspectiva de vida, onde o casamento não seria uma única opção. Para Freitas (2008), independente do momento e da instituição educacional, as mesmas viveram peculiaridades e tem a sua característica em relação ao que é "ser Normalista", impetrada de sentimentos, romantismo e a visão de futuro, configurando-se como profissão feminina, inclusive na questão da carga horária de trabalho, podendo trabalhar em um só turno e no outro cuidar do lar.

Naquela década, as mulheres estavam relacionadas ao controle da sociedade brasileira, onde o poder advinha dos homens e da elite brasileira. Esse prélio em busca da profissionalização docente, para além da ideologia do casamento, é apresentado em diversas formas, desde o modismo das revistas, que publicavam artigos de como uma mulher de boa família deveria se comportar, até as questões políticas e dos movimentos feministas.

Nas entrevistas, mesmo as Normalistas tendo o orgulho, o romantismo, o apoio da família e o respeito da sociedade por estudarem nas Escolas de Ensino Normal, isso não era a garantia e muito menos sinônimo de que iriam seguir a profissão de docente. Mesmo vencendo os desafios do dia a dia, com uma disciplina rigorosa, com a concepção tradicional de ensino, típica da temporalidade desta pesquisa, nem tudo era um mar de rosas, nem tudo eram flores. Começando pelo seu ingresso ao fazer o teste de admissão, os deslocamentos de suas residências aos Colégios, o rigor da disciplina, a privação do namoro por algumas, as avaliações, e os deveres que apontavam para a estrutura de poder e controle.

[...] um discurso que associa fortemente o magistério a abnegação, doação e civilidade. Mas revelam também orgulho, prazer e realização de muitas mulheres e o reconhecimento do magistério como atividade profissional e não como uma simples missão. (SILVA, 2002, p.105).

As expressões das Normalistas, nos demonstram a inclusão de um discurso que associa, entrelaça e fortifica a valoração do magistério, ante a normatização do Ensino Normal no Brasil. Independente do romantismo nos seus relatos; das imposições da sociedade; da visão de um futuro promissor e dos anúncios de um progresso.

3.2 TESTE DE ADMISSÃO

Para ingressar nas Escolas de Ensino Normal, as candidatas deveriam passar pelo rigoroso teste de admissão. Algumas Normalistas faziam um teste preparatório para realizar o

referido teste de admissão. De acordo com Pessanha (1994, p.85) "[...] a certeza de que este era um nível de ensino reservado para uma "elite" pode ser encontrada na seletividade que, na época, equivalia ao dos vestibulares."

Estes testes eram obrigatórios pela Lei Orgânica do Ensino Normal, no título III do capítulo III. Estes exames eram realizados em todo o território nacional, em que as Normalistas das três instituições pesquisadas, relatam o processo com sua dificuldade e a importância que se dava ao mesmo, pois a aprovação para esse nível de ensino havia se configurado como uma barreira difícil de ser ultrapassada pelas alunas que vinham do ensino primário (BRASIL. Decreto-lei nº 8.530, 1946).

CAPÍTULO III