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CAPÍTULO IV. A QUESTÃO DOS EFEITOS

IV. 1 2 Consulta Pública online

“Dado o forte interesse público nesta matéria [ISDS], a Comissão Europeia está a consultar o público na UE sobre uma possível abordagem para a proteção do investimento e ISDS que contém uma série de elementos inovadores (...) e que a UE pretende usar como base para as negociações do TTIP” (Comissão Europeia, 2014)132. Esta é a justificação apresentada pela CE para ter dado início a uma consulta pública sobre a temática da protecção de investimento e ISDS.

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Baseámo-nos nas críticas apresentas pela ECI ao ISDS disponíveis no endereço: https://goo.gl/ZuilAQ

128 Recentemente o Tribunal Arbitrário recusou a audiência do processo, o que representou a vitória do

Estado Australiano sobre a tabaqueira Philip Morris. Mais informações sobre o caso disponíveis no online The Guardian, através do endereço: http://goo.gl/QmtwHN

129 Excertos do discurso de Juncker disponíveis no seguinte endereço: http://goo.gl/T7pRpT 130

Carta disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/0scNHy

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Os signatários da carta representavam os seguintes países: Inglaterra; República Checa; Chipre; Estónia; Dinamarca; Finlândia; Croácia; Malta; Lituânia; Irlanda; Suécia; Espanha; Portugal; e Letónia.  

Há que refletir sobre a razão pela qual a CE decidiu dar início a uma consulta pública neste momento e sobre esta questão. Assim, admite-se a possibilidade de que a este ponto a Comissão se sentisse já interpelada e pressionada pela sociedade civil relativamente a este tópico, podendo esta decisão ser entendida como efeito da acção da sociedade civil. Contudo, e mesmo admitindo que a realização desta consulta se encontra relacionada com a crítica da sociedade civil, atente-se no recurso à expressão “forte interesse público nesta matéria”, ao invés de afirmar à partida que esse interesse poderia traduzir-se na oposição ao mecanismo de arbitragem.

A consulta foi intitulada, “Consulta Pública online sobre protecção de investimento e resolução de litígios Investidor – Estado na Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento”133, e decorreu entre 27 de Março e 12 de Julho de 2014. A sua divulgação foi feita através do website do Tratado e da conta EU TTIP Team134.

O principal objectivo da consulta dirigida a todos os stakeholders à escala da UE foi o de analisar “(...) se a abordagem proposta pela UE para o TTIP consegue o equilíbrio certo entre a protecção dos investidores e a salvaguarda do direito e da capacidade da UE em regulamentar em função do interesse público” (CE, 2014)135.

De modo a participar na consulta, o utilizador deveria munir-se de dois documentos, nomeadamente a Notificação sobre a consulta136, e o documento da consulta137 propriamente dito, dispondo de 90 minutos para completar o questionário – disponível em todos os idiomas da UE. O documento de 44 páginas é constituído por 13 questões e por um grupo de anexos que resulta em mais de metade da sua extensão.

Alguns dos tópicos abordados no questionário foram por exemplo: o tratamento não discriminatório para investidores; a expropriação; a garantia do direito à regulamentação e à protecção de investimento; e a transparência no ISDS.

Há ainda que referir o prolongamento do prazo da consulta. A CE refere que “Esta consulta foi alargada até 13 de Julho por conta do grande interesse, bem como do aumento de participação nos últimos dias da consulta e do facto de o sistema ter estado

                                                                                                               

133 Consulte-se a página web dedicada à consulta pública: http://goo.gl/fngPTC 134

Tweet disponível no seguinte endereço: https://goo.gl/osbej5

135

Fonte disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/fngPTC

136 Consultation Notice disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/PSP1mm   137 Documento da consulta disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/HAuZDz    

temporariamente em baixo a 3 de Julho devido a problemas técnicos, impedindo assim um número de respondentes de responderem à consulta” (Comissão Europeia, 2014)138.

IV. 1.2.1. Os Resultados da Consulta Pública

Foi contabilizado um total de 149 399 respondentes – colectivos e individuais, sendo que “(...) um grande número de respostas foi submetido colectivamente através de acções coordenadas dentro da sociedade civil” (Comissão Europeia, 2014)139.

Os resultados da consulta podem ser agrupados segundo três categorias de resposta: uma primeira que “indica oposição ou preocupações com o TTIP em geral” (CE, Relatório ISDS, p. 3, 2015) 140; uma segunda categoria que “indica preocupações e oposição em relação à protecção de investimento / ISDS no TTIP” (CE, Relatório ISDS, p. 3, 2015) e por fim uma terceira categoria que remete para questões específicas associadas aos assuntos de cada questão. Acrescenta-se ainda o facto de “(...) apesar de algumas respostas de apoio, muitos respondentes consideram que estas modificações são insuficientes para dar resposta às preocupações que têm em relação ao ISDS em geral” (CE, Relatório ISDS, p. 16, 2015).

Importa apresentar certas observações adicionais relativamente a três aspectos. O primeiro tem que ver com a submissão colectiva de respostas por parte da sociedade civil. No relatório é referido que “A grande maioria [das respostas], cerca de 145,000 (ou 97%), foram submetidas colectivamente através de várias plataformas

online contendo respostas pré-definidas às quais os respondentes aderiram” (CE,

Relatório ISDS, p. 3, 2015). Note-se que a consulta pública se trata de um mecanismo de participação criado pela CE. Porém, mesmo tendo em conta que esta acção não nasceu no seio da sociedade civil, a acentuada participação verificada foi uma consequência directa da sua acção, constituindo-se como um exemplo de mobilização cívica.

Após ter registado uma tão grande afluência de respostas, o website da consulta ficou indisponível devido a questões técnicas. Karel de Gutch, o então Comissário para o Comércio, descreveu esta participação organizada como “um ataque directo”, já que                                                                                                                

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Fonte disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/fngPTC

139 Fonte: Relatório Preliminar da Consulta Pública disponível no endereço: http://goo.gl/LdqZd0 140 Fonte: Relatório Final da Consulta Pública disponível no endereço:  http://goo.gl/dfYpME  

“O facto de tantas respostas serem idênticas reflecte uma acção coordenada”141. Esta observação parece colocar sucessivos entraves às formas aceitáveis de os cidadãos comunicarem a sua opinião às instâncias decisoras, até mesmo quando são estas que desencadeiam o processo.

O segundo aspecto respeita ao entrave ao diálogo. Alguns dos respondentes referiram que “(...) a consulta não lhes permitiu afirmar desde o início se concordam ou não com a inclusão do ISDS no TTIP (...)” (CE, Relatório ISDS, p. 140, 2015). De facto, o âmbito do questionário debruça-se apenas sobre formas de melhorar o mecanismo, impedindo que fosse dado um parecer sobre a sua inclusão no TTIP.

O terceiro aspecto remete para a noção de Tecnocracia, já explorada no presente estudo (a partir do ponto de vista de Norberto Bobbio). “(...) Alguns indivíduos consideraram que a consulta era demasiado complexa ou demasiado técnica, ou até mesmo que havia sido tornada intencionalmente inacessível ou difícil de seguir. Alguns queixam-se (...) de que as questões foram concebidas exclusivamente para advogados e especialistas em lei de investimento (...)” (CE, Relatório ISDS, p. 35, 2015). Esta é uma questão sensível, visto que a participação, e a sua qualidade, poderão estar dependentes da facilidade de entendimento dos assuntos que se encontram em discussão.

Esta questão é o reflexo de que “a capacidade de resposta tornou-se muito limitada – tecnicamente complexa, formalmente burocratizada e socialmente selectiva” (Esteves, 1998, p. 86). Os elementos patentes no TTIP são complexos, incluindo-se aqui o ISDS, afastando o cidadão comum para a esfera da incapacidade participativa, reservando a participação a um grupo restrito de indivíduos.

IV. 1.3. A criação do Investment Court System (ICS)

Após um processo de reformulação do mecanismo, é anunciada a 16 de Setembro de 2015 a proposta142 para um novo Sistema Judicial de Investimento, denominado Investment Court System (ICS), que substituiria o anterior ISDS. Este anúncio é feito no website do TTIP143 e na conta Twitter da equipa responsável144.

                                                                                                                141

Citação proveniente do artigo do Wirtschafts Woche disponível no endereço: http://goo.gl/FXfhXF

142

Texto completo da proposta disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/wS12Qr

143 Consulte-se o seguinte endereço: http://goo.gl/yYkojA

As principais alterações ao sistema são destacadas por Frans Timmermans, que referiu que, “O novo Sistema Judicial de Investimento será composto por juízes totalmente qualificados, o processo será transparente, e os casos serão decididos com base em regras claras. Além disso, o Tribunal estará sujeito a revisão por um novo Tribunal de Recurso. Com este novo sistema, protegemos o direito dos governos para regulamentar e garantir que as disputas de investimento serão julgadas em plena conformidade com o Estado de Direito” (Timmermans)145.

A finalização da proposta foi anunciada a 12 de Novembro de 2015146 – acontecimento comunicado através da conta Twitter147 e do website do Tratado148 – sendo o ICS discutido pela primeira vez entre as duas partes aquando da 12ª ronda de negociações, que decorreu entre 22 e 26 de Fevereiro de 2016, em Bruxelas.

Esta reforma foi contestada pela sociedade civil, que guarda inquietações herdadas do ISDS, e que vê nela um mecanismo cosmético e retórico, que ignora a vontade dos cidadãos – são disso exemplo a ECI149 e a Plataforma portuguesa150.