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CAPÍTULO II. INICIATIVA DE CIDADANIA EUROPEIA

II. 8 3 Análise da Página de Facebook STOP TTIP

II. 10. Opinião Pública, Mobilização Cívica e Participação

Ao longo da presente investigação, e em referência à acção desempenhada pela sociedade civil, é feito uso frequente das noções de opinião pública, mobilização cívica e participação. Já explanados os traços caracterizadores da ECI, considera-se pertinente a realização de algumas breves observações sobre os três conceitos, que deverão consequentemente acompanhar-nos à medida que avançamos no estudo.

Opinião Pública

Tendo presente a complexidade associada à definição do conceito de opinião pública na actualidade, será um dos propósitos da presente investigação ilustrar e analisar o contributo da actividade da ECI, e do movimento anti-TTIP em geral, para o processo de construção da opinião pública, através do fomento da difusão de ideias e sua discussão crítica junto da sociedade civil europeia – seja de forma presencial, através das tecnologias web, ou através da projecção nos media tradicionais.

Contudo, a capacidade de influenciar o processo de formação da opinião pública trata-se de uma questão complexa, já que este se confronta hoje com um “ estado de espírito de indiferença, de amorfismo, (…) um interesse que é apenas superficial pelos                                                                                                                

81 Foram recolhidas 19 927 assinaturas, sendo necessárias 15 750. Os dados relativos ao resultado final da

petição encontram-se disponíveis no seguinte endereço: https://goo.gl/NZyFHV

82 A organização do presente estudo foi redigida tendo em vista o estudo da acção da sociedade civil

europeia. Todavia, não deixa de ser preocupação nossa o estabelecimento de um paralelismo com os acontecimentos na esfera pública Nacional. Tendo isto mente, não se mostrou possível um

aprofundamento da actividade da Plataforma por duas razões distintas: (1) por uma questão da economia final do estudo e pela prioridade das demais temáticas. (2) e dado que o resultado do contacto com a Plataforma não possibilitou o acesso a informações que complementassem/enriquecem a análise.

assuntos e que só é capaz de gerar formas comportamentais reactivas (…)” (Esteves, 1998, p. 85). Este quadro densifica-se quando nos debruçamos sobre o contexto online, em que a competição pela atenção do utilizador é cada vez mais exacerbada. Evidentemente que a web se trata de um mecanismo com contributos inigualáveis para a obtenção e partilha de informações, mas há ainda que referir uma outra dimensão da questão. Ou seja, o contacto com uma tão vasta quantidade de informações que poderá resultar apenas num tratamento superficial dos assuntos. Sobre esta questão, atente-se na própria denominação que é atribuída ou utilizador que navega na internet: surfer – em referência à noção de tocar apenas a superfície (Holt, 2004, p. 38).

A opinião pública actual é igualmente uma opinião pública mediática, sendo os media importantes intervenientes na sua formação, através do seu processo de agenda

setting e do framing que se lhe encontra associado. Por esta mesma razão, parte do

capítulo que se segue será dedicada à análise da relação que a ECI estabelece com os media ditos tradicionais.

Não nos sendo possível desenvolver o contributo dos media no âmbito da problemática em estudo, importa referir que foi realizado um breve levantamento mediático dos principais momentos e temáticas explorados ao longo da investigação83. Partindo deste levantamento, foi possível constatar que o tratamento mediático do TTIP – e das questões que se lhe encontram associadas, tal como é o caso do movimento anti- TTIP – variam significativamente consoante os Estados-Membro. A título de exemplo destaca-se o contraste entre a acentuada cobertura por parte dos media alemães versus a reduzida cobertura mediática verificada no caso português.

Pode assim constatar-se que o contexto europeu implica a complexificação de todo o processo de tratamento mediático das questões, na medida em que “Os mass media (...) tendem a ser ou nacionais, ou sub-nacionais, ao invés de supranacionais. (...) O contexto nacional é o que subjaz à linguagem dos textos mediáticos [e assim,] qualquer notícia é comunicada dentro do enquadramento conceptual da nação (...)” (Bärenreuter et al, 2009, p. 12). O contexto nacional – inclusive a agenda política de cada Estado-Membro – determinará quais os issues merecedores de destaque, sendo que os assuntos de carácter europeu poderão correr o risco de se verem secundarizados.                                                                                                                

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Consulte-se o Apêndice C. Nota: O levantamento mediático realizado não se trata de uma análise do conteúdo produzido, tendo meramente em vista providenciar alguns exemplos ilustrativos do tratamento das temáticas em grandes jornais europeus, mais especificamente no que respeita às suas edições online.

Todos estes factores influenciam profundamente o processo da opinião pública, particularmente numa acepção internacional como é o caso da UE.

Ainda sobre a opinião pública, será relevante apresentar uma observação adicional. Note-se que, “hoje já não é a Opinião Pública que dá forma à política, mas sobretudo o inverso (…) os temas e os assuntos propostos pelas sondagens são subordinados aos interesses políticos, assim como a sua organização (fabricação) e utilização” (Esteves, 1998, pp. 87-88).

Crê-se que, partindo da temática em análise, será possível ilustrar esta afirmação. Assim, tome-se como exemplo o recurso ao mecanismo de sondagens

Eurobarometer. Através deste mecanismo torna-se possível aceder à questão “Um

acordo de livre comércio e investimento entre a UE e os EUA”, que em Novembro de 2014 refletia o amplo apoio ao Tratado84. Há que referir a falta de especificidade no que diz respeito à formulação com que a pergunta é apresentada e destacar ainda o desconhecimento do número de participantes na sondagem em questão – elementos considerados relevantes para a aferição da representatividade dos resultados obtidos.

Todavia, o que importa para o presente estudo é a possibilidade de que este tipo de mecanismo possa constituir-se como forma de legitimar “determinados interesses particulares que se dissimulam como gerais ou que aspiram a fazer-se passar por 'vontade' colectiva da sociedade” (Esteves, 1998, p. 88). Partindo desta sondagem, várias poderão ser as entidades que farão uso das conclusões, desde a própria Comissão Europeia até aos órgãos de comunicação social – como poderá ilustrar o caso do online

Observador, que destaca que “(...) 60% dos portugueses são favoráveis a este acordo

(...)85” – o que por sua vez contribuirá para o processo de formação da opinião pública, mesmo admitindo que os resultados das sondagens poderão não se apresentar como verdadeiramente representativos das questões em discussão.

Mobilização Cívica

Um segundo conceito frequentemente associado à actividade da sociedade civil – e em particular da ECI – trata-se da mobilização, sendo esta, simultaneamente, um dos seus principais desafios e objectivos.

                                                                                                               

84 Resultados disponíveis no seguinte endereço: http://goo.gl/V93LEF 85 Artigo disponível no seguinte endereço: http://goo.gl/8JYwLE  

Entenda-se por mobilização a “(…) reunião de sujeitos que definem objectivos e compartilham sentimentos, conhecimentos e responsabilidades para a transformação de uma dada realidade, movidos por um acordo em relação a determinada causa de interesse público” (Henriques, 2010, p. 72).

A ECI tem a si associada uma constelação de valores, significados e sentimentos relativamente ao TTIP, que se traduzem na sua manifesta oposição. Os que se reúnem em torno deste consenso – aqueles que se encontram mobilizados – poderão então passar à intervenção directa na realidade tendo em vista a sua transformação – o que no caso da ECI, e do movimento anti TTIP, se encontra nitidamente relacionado com a influência da acção da Comissão – o que revela uma estreita ligação à questão dos efeitos.

Neste sentido, a actividade da ECI centra-se no que pode ser denominado por

public advocacy, a tentativa de influenciar decisões políticas em nome de uma

comunidade, “(...) através do engagement de públicos mais amplos e (...) estimulando activamente a voz cidadã e o seu envolvimento no processo” (Lang, 2013, p. 23).

Note-se ainda que, para Henriques (2010), a mobilização social se encontra necessariamente ligada à formulação estratégica de acções de comunicação, potenciando assim a visibilidade e legitimidade do issue em questão. Assim, tendo em conta a importância da dimensão comunicacional no que respeita ao processo de mobilização, parte do capítulo seguinte incidirá sobre a análise da estratégica comunicacional da ECI.

A Participação associada ao contexto online

Existem “(...) diferentes níveis do que pode ser classificado como "participação", que vão desde "estar à espreita" (isto é, apenas a leitura de mensagens, e não a publicação de mensagens), a publicar/responder ocasionalmente, à plena participação numa discussão enquanto participante que contribui frequentemente” (Holt, 2004, p. 13). Porém, o que todas estas formas de participação na web têm em comum é o facto de ocorrerem de forma profundamente isolada e individualizada – ainda que simultaneamente imersa num ambiente de conectividade.

Sendo que a presente investigação se foca grandemente na acção online da sociedade civil, e na potenciação da participação cívica que daí poderá decorrer,

considera-se pertinente a referência a esta particularidade da relação do utilizador com o meio virtual. Neste sentido, note-se que “existe uma clara tendência para o afastamento de locais de dever cívico estabelecidos, preferindo a expressão mais individualizada e personalizada da voz (...)” (Lang, 2013, p. 20).

Deste modo, verifica-se uma deslocação de uma dimensão do comportamento cívico para um local que Dahlgren (2012) denomina de “the solo sphere” (Dahlgren, 2012, p. 17) – o local para a participação política online que é simultaneamente pessoal e personalizado mas inserido numa vasta rede portátil, que permite a interacção do indivíduo com uma variedade de contextos do mundo exterior (Dahlgren, 2012).

Sendo este um ambiente sobre o qual o utilizador sente ter um maior controlo, a participação é executada segundo os seus próprios moldes e segundo o seu próprio tempo, já que por exemplo, “a presença contínua de websites permite que os potenciais apoiantes conheçam e participem em campanhas ao longo do tempo e mediante a sua conveniência (...) (Stein, 2009, pp. 7-8).

Todavia, a especificidade da acção participativa na esfera virtual não se esgota no facto de ocorrer num contexto privado e individualizado. Surgem ainda questões associadas à sua significância, sendo possível ilustrar este ponto através da petição dinamizada pela ECI – que deve aos signatários online grande parte da sua expressão.

A participação online por via da assinatura de petições trata-se de um processo, fácil e imediato, por vezes apenas à distância de um clique. Neste âmbito, poderá até recorrer-se ao termo “clicktivism”, um híbrido entre click e activism que se refere ao “uso da internet para tomar acção directa, e muitas vezes militante, para alcançar um objectivo político ou social”86.

Contudo, se este se trata de um processo fácil e imediato, trata-se também de um processo breve, que se esgota nele próprio e que poderá ser realizado sem grande reflexão sobre o assunto premente – todas características que desejavelmente não deveriam estar associadas ao processo de participação cívica. Assim, surge o conceito de slacktivism, “a proclamação pública de crenças políticas por meio de actividades que exigem pouco esforço ou compromisso”87. Consequentemente, as críticas ao facilitismo

                                                                                                               

86 Fonte: Collins Dictionary – entrada disponível em http://goo.gl/MjZJ3M 87 Fonte: Collins Dictionary – entrada disponível em http://goo.gl/BMn8us

e à auto-promoção associadas a este tipo de actividade são um argumento a favor da sua descredibilização.

CAPÍTULO III. ESPECIFICIDADES COMUNICACIONAIS