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3. A linguagem dos imigrantes italianos dos anos 50

1.4. Língua e alimentos

1.4.1. Consumo de carne, símbolo de status

A carne ocupa papel de destaque no cardápio recriado, pois sempre representou um símbolo da riqueza. Todas as entrevistas confirmam o baixo consumo de carne na Itália no período pós-guerra. Em virtude de toda a dificuldade de produção de alimentos causada no período, a carne mais consumida era de animais de pequeno porte como galinhas, pombos e coelhos, ainda assim era alimento reservado para domingos e dias festivos. Por sua vez, o gado bovino era criado quase exclusivamente para a produção de leite ou como meio de trabalho e transporte nos campos.

O custo de determinados produtos básicos variava da cidade para o campo mas nos anos ’50 se mantinha na média de: jornal 20 liras; transporte 20 liras; cafezinho a 30 liras; pão 100 liras ao quilo; leite a 75 liras o litro; vinho a 110 liras o litro; macarrão industrializado a 130 liras o quilo; arroz a 120 liras o quilo; carne bovina a 800 liras o quilo, açúcar a 275 liras o quilo; gasolina 116 liras o litro; ovos 25 liras cada; vegetais a 62 liras o quilo, feijão a 120 liras o quilo; massa de tomate a 260 liras o quilo e café tostado 1.200; grama de ouro 918 liras. Um salário de um operário ativo girava em torno de 25.000 a 30.000 liras, e aposentadoria em média 4.500 liras. ( site: http://www.cronologia.it)

Em 1950 a Itália contava com 47 milhões de habitantes. Dos 19,5 milhões de trabalhadores ativos, 41% trabalhavam na agricultura, 42% na indústria e os demais em serviços públicos e outras atividades profissionais.

O italiano da época vivia uma crise em que o nível de vida era baixo, miserável em algumas regiões. Para uma família composta por 6 pessoas, o gasto mensal com alimentação variava de 10 a 15 mil liras.

Os anos ’60, na Itália, foram marcados por uma grande mudança econômica e o país, apoiado na ajuda dos Estados Unidos, através do plano Marshal, acelera a recuperação industrial (indústria pesada e mecânica) e transforma a economia italiana de predominantemente agrícola em industrial. Isso se deu também graças a um desenvolvimento econômico intenso e que permanecera até o fim do decênio seguinte, aquilo que depois viria a ser chamado de “Il miracolo econômico italiano”.

Nos últimos anos, o desenvolvimento de novas técnicas de criação de animais de corte permitiu produzir alimentos de origem animal de menor custo. O consumo mundial de carne (boi, frango e porco) atualmente gira em torno de 242 milhões de toneladas anualmente, o dobro do que era em 1997, cinco vezes mais que em 1950. Nos países industrializados, consomem-se 80 quilos de carne por ano por pessoa; nos países ditos em desenvolvimento, 28 quilos.

Mas devido a muitos fatores externos - inclusive como a febre aftosa e gripe aviária4 - o consumo de carne vem diminuindo, pois paradoxalmente junto ao aumento progressivo e até exagerado de produtos de origem animal, há diversos movimentos na Itália por ativistas ecológicos e vegetarianos que pregam o baixo ou nulo consumo de carne sob os

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mais diversos argumentos, um deles para resgatar a tradição italiana e a famosa dieta mediterrânea, tradicionalmente mais saudável. Na Itália, o número total de vegetarianos saltou de 1,5 milhão para 2,5 milhões no último ano.

No Brasil, o consumo de carne bovina foi de 36,5 kg per capita no ano de 2000 e a média total (de frango, bovina e suína) no período entre 1994 e 2000 oscilou entre 65 kg e 75 kg (fonte: tabela anualpec). Número significativamente alto considerando que a renda familiar no Brasil nos mesmos anos não superou os 7000 dólares por ano, e que a falta de equidade na distribuição de renda agrava o baixo consumo de gêneros de origem animal pela porção mais pobre e mais numerosa da população, já que apenas um terço da população [57,8 milhões de pessoas] pode consumir além do suprimento das necessidades básicas. Portanto o consumo desse total de carne fica concentrado nas mesas da população de média e alta renda.

Voltemos o foco para Pedrinhas e para a “realidade alimentar” em que viveram os italianos antes e depois da emigração. Nossa pesquisa mostra que os depoimentos são unânimes em relação à carne. Todos os pedrinhenses concordam que a oferta de carne na Itália era diminuta em relação à oferta de carne encontrada em Pedrinhas.

254 (...) L1 – no no... qui quando siamo arrivato ero piccola quando era in Italia neh i:: e la carne si mangiava proprio alle feste grande neh? [...] era più pollo che si criava in casa neh? e nel ( ) che si faceva su una padela grande di ferro grossa così e faceva arrosto su le/le il fogão à lenha neh [...] sì sì c’era più carne... ma in Italia tutti quanti si mangiava poca carne.. si mangiava di più

conigli... la carne proprio solo quando uno si ammalava neh? conigli o se no perdici neh?

No período de implantação da colônia a Companhia administradora estimulou a criação de gado – bovino e suíno - para que os colonos criassem algumas vacas para garantir um suprimento de leite, manteiga e queijo e, em segundo lugar, se pensou na pecuária de bovinos em maior escala. A pecuária poderia propiciar uma fonte de renda, incrementando e diversificando as atividades dos italianos. Porém essa empreitada fracassou pela falta de prática dos italianos, acostumados na Itália à criação intensiva, ao passo que no Brasil o que predomina é a criação extensiva, mais adequada ao tipo de pasto e espécie de gado. (Borges Pereira, 2002)

A criação de porcos, por sua vez, teve mais êxito, tornando-se atividade complementar à agricultura – os italianos estavam acostumados a criar porcos em suas casas – pois é um animal de relativa facilidade de criação, comercialização e armazenamento, sua carne é processada em lingüiças e demais gêneros de baixa perecividade, que não necessitariam de refrigeração. Da carne seca, o charque de vaca, não temos sequer uma referência, o que mostra que esse alimento - muito comumente utilizado pelos caipiras da região - não teve aceitação e incorporação no cardápio do italiano.

75(...) L1 - ....io cominciai a lavorare...insieme com mio/mio padre c´aveva in quell’epoca e::: c’era un piccolo ristorante ...e una piccola bottega stata la pionera che attendeva sti operai che erano qua...che erano venuti per construire ( ) io cominciai a lavorare con lui che lui era il primo comerciante di Pedrinhas e so stato durante trenta anni:: 35 anni, roba così ( ) e in questo tempo allora già si parte alla cooperativa... Nel 1954...è sorto il nome della cooperativa di Pedrinhas...però era uma cooperativa di consumo cioè di generi alimentari che non era qua era...a

Pedrinhas era là vicino a casa sua...( ) na prossimità della casa sua e che era piena di generi alimentari...

È...l’intuito sarebbe stato di tutto ciò que si vendeva che era poca coisa che si produceva...quell’epoca si no mi sbaglio quello che più si si si quello che più girava erano i maiali....

No momento inicial, os primeiros imigrantes encontraram em Pedrinhas não exatamente uma grande oferta de carne e como afirmam as testemunhas, a maioria não tinha condições econômicas que permitissem sua compra.

323 (...)L1 – ma allora il sugo non si faceva con la carne neh era povero neh di domenica...

L2 – a domenica si faceva con la carne ma non tutti giorni no.... Doc- anche qui in Brasile?

L2 – sì... quando siamo arrivati ma adesso c’abbiamo tutti giorni.. i primi tempi...

L2 – i primi tempi era difficile e soldi pochi perchè....

Depois, passado alguns poucos anos, a carne era mais acessível, especialmente a de frango: as galinhas eram criadas no “fundo dos quintais” com facilidade. Esse momento é marcado por um deslumbramento, onde a carne é elemento simbólico da riqueza.

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