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Consumo de drogas ilícitas e suas implicações quanto à violência urbana

4 DROGAS E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA URBANA: O CASO

4.1 Conceitualização e histórico sobre as drogas

4.1.3 Consumo de drogas ilícitas e suas implicações quanto à violência urbana

A discussão sobre o consumo de drogas é extremamente complexa, embora faça parte diariamente dos debates acadêmicos, políticos e dos meios de comunicação, sendo considerada a grande responsável pelo aumento nos indicadores dos mais diversos crimes no Brasil. Nessa medida, é interessante ressaltar a importância de tratar sobre as drogas como objeto de estudo. Mendonça Filho aponta para a necessidade de se fazer uma distinção entre as diversas pesquisas sobre o uso de drogas:

i) estudos sobre o uso de substancias psicoativas entre sociedades indígenas, extintas ou não; ii) estudos sobre rituais “tradicionais” que envolvem o uso de psicoativos; iii) estudos sobre o uso de psicoativos no meio urbano; iv) estudos que procuram compreender os significados sociais do uso das drogas e os discursos que articulam sobre ele (MENDOÇA FILHO, 2010, p. 155- 156).

Dessa forma, o presente trabalho ater-se-á ao estudo sobre a dinâmica de funcionamento do tráfico de drogas na zona urbana da cidade de Montes Claros que, conforme afirma Medeiros (2010, p. 168), é uma empreitada complexa.

Os estudos sobre as cidades e o uso de substâncias psicoativas, em especial na sociedade contemporânea, é uma empreitada complexa, dado o desafio de entender um cenário composto de indivíduos que perderam raízes e o eixo central tradicional de construção da identidade e se vê envolvido em um imenso leque de possibilidades de ofertas, além de se misturar com uma multidão de transeuntes heterogênea, desigual, contraditória e interdependente, com necessidades acentuadas de criar significados, apropriar-se e se desapropriar de conceitos, pertencer e legitimar lugares sociais imaginados.

É importante salientar sobre as influências recebidas entre o século XIX e XX em relação à normalidade do uso de drogas, sobretudo, pelo caráter atribuído ao fenômeno como

sinônimo de liberdade e status social, uma vez que essas substâncias eram utilizadas em maior medida pela elite e por artistas conhecidos no meio social.

Muitos são os fatores que agravaram o problema na sociedade em pleno século XXI, desde a luta por direitos civis, religião, questões políticas, até as econômicas. Verifica-se que após as duas guerras mundiais, a sociedade volta-se para o consumo dessas substâncias, isso se deu pelas situações vividas naquele momento, em que as cidades, cada vez mais saturadas, deram lugar às adversidades de ordem social e econômica (ESCOHOTADO, 2004).

É nesse cenário que as drogas surgem com a promessa de melhoria de vida, omissão dos problemas e como solução das mais diversas situações. Entre as substâncias mais utilizadas estão o álcool, a maconha, o crack, o esctasy e os fármacos em geral que “são consumidos como forma de minimizar as faltas impostas aos cidadãos, vendida como a pílula da felicidade” (ALBUQUERQUE, 2010, p. 17).

São vários os motivos que contribuem para o uso de drogas. Para a psicologia, a escolha do indivíduo em usar ou não algum tipo de substância tóxica depende de vários aspectos, todavia, os fatores relacionados às individualidades contribuem em maior medida para a escolha ou recusa.

De acordo com Becker e Vital (1993), ao ser feita uma análise baseada nas contribuições freudianas, é possível afirmar uma relação do uso de drogas com a “desestruturação comportamental, estruturação psíquica da perversão e sua imbricação com a sexualidade” (BECKER; VITAL, 1993, p.34).

Essa análise vai ao encontro do exposto por Bizzoto (2010, p. 126):

já em 1930, Freud nos adverte quanto à ilusão do bem querer, de fazer o “bem”. Ele aponta a realidade como uma das causas do uso de drogas: substâncias tóxicas seriam uma das formas de o sujeito lidar com a realidade árdua, tornando-se insensível a ela.

Contudo, há outras linhas, como a defendida por Inem (1993), que concorda que as particularidades exercem um papel preponderante no uso de drogas, contudo, não se podem descartar as questões relacionadas a anomalias como neurose, psicose e perversão, por haver séria correlação.

Na concepção de Bizzoto (2010) não há ligação direta entre doença mental preexistente e uso de drogas. Todavia, o autor ressalta a importância de fazer a análise da combinação daquela patologia, não descartando a possibilidade de haver relação com outros fatores, como no caso dos aspectos externos ao comportamento. Dessa forma, conclui que

“não existe a estrutura toximaníaca; o que encontramos é o neurótico que se droga, assim como psicótico e o perverso” (BIZZOTO, 2010, p. 127).

Para Deslandes (2006) é de suma relevância considerar as individualidades nos estudos relacionadas ao uso de drogas, porém não se pode eximir as contribuições das teorias psicossociais para um aprofundamento das análises. Por essa perspectiva

Emerge uma pauta de demandas imbricadas para análise das relações de drogas e violência: o exame atento das motivações pessoais, das características psíquicas e das condições orgânicas dos sujeitos, e, também do contexto cultural e comunitário, das condições de gênero e de geração, das relações familiares e da situação de estigmatização (DESLANDES, 2006, p. 260).

Uma pesquisa realizada por Morais (2005) aponta dados que servem para desmistificar a personificação das drogas na sociedade. Essas informações são utilizadas para produzir comportamentos que, ao contrário de minimizar ou solucionar o problema, potencializam-no, criminalizando os dependentes, distanciando-os cada vez mais do convívio social e deixando-os à margem da sociedade. Como resultado terá o isolamento e o recuo desses dependentes das possíveis soluções dos problemas. Nas palavras de Morais (2005, p. 25):

[....] a maioria dos consumidores de drogas não é compulsivo ou violento. Os crimes e conflitos associados às drogas provêm predominantemente da disputa de traficantes por territórios (de onde procede a percentagem significativa de homicídios relacionados a drogas) e em menor medida da necessidade de fazerem os consumidores financiar seu vício (gerando crimes contra a propriedade).

Nessa mesma perspectiva, Silva (2010, p. 22) ressalta que “a droga quando ingerida com moderação pode produzir um estado de sensação de euforia, bem-estar, sedação ou alacridade, diminuindo as inibições, e facilitando a interação social”.

Não se pode negar que em alguns momentos o uso desmedido de algumas substâncias, sobretudo, após a etapa de dependência, provoque nos indivíduos a busca por delitos ou infrações como forma de financiar seu consumo. Todavia, o uso moderado foi inserido na sociedade como resquício inevitável das prescrições da medicina oficial (MORAIS, 2005).

O uso de qualquer substância seja o álcool ou de outras drogas só pode ser entendido como um problema de saúde ou considerado uma doença, a partir do momento em que essa substância passa a causar no usuário uma limitação para realização de suas escolhas, refletindo um certo grau de dependência.

Para Seibel (2005, p. 23), “o estado de guerra contra as drogas não passa de uma manipulação ideológica alicerçada em dados e argumentos frágeis”. É essa ideia que limita em grande medida, debates e intervenções em outros problemas maiores que assolam a sociedade, além do fato de se intensificar a criação de estereótipos e preconceitos sob a justificativa de que existe um mal maior a ser vencido e que a sociedade precisa ser protegida.

A criminalização do uso e do comércio de drogas emergiu como uma ação preventiva promovida por grupos específicos: médicos legistas e psiquiatras [...]. As drogas não representavam um problema socialmente definido como o alcoolismo (MORAIS, 1999, p. 111).

Nesse sentido, é importante salientar que as oportunidades e recompensas são preponderantes para a escolha do indivíduo em entrar ou não no mundo das drogas. Para Vieira (2010), “seria um erro tratar o consumo das drogas somente pela perspectiva do usuário e do traficante, sendo importante considerar uma estrutura social, permeada de convenções e de costumes variados e desarrazoados” (VIEIRA, 2010, p. 120).

Dessa forma, é relevante considerar vários aspectos para compreensão do problema, tais como o espaço geográfico e social em que “o fenômeno tráfico de drogas está inserido, seja com a presença do tráfico, em comunidades de usuários ou em ambientes onde tanto o tráfico quanto o uso de drogas se faz presente” (OLIVEIRA, 2011, p. 38).

Nessa mesma linha de reflexão, estão as contribuições da Escola de Chicago com a Teoria Ecológica do Crime. Na perspectiva dessa escola, não se pode negar a importância da “estrutura física-geográfica e social de determinadas áreas como determinantes do alto índice de comportamentos desviantes nestes locais” (OLIVEIRA, 2011, p.39).

Dessa maneira, é de suma relevância que as intervenções públicas no meio social aconteçam mediante investimentos educacionais, infraestrutura, entre outros, como forma de minimizar as condições degradantes nas quais muitos grupos estão inseridos, reduzindo a indignação e o enfrentamento das normas sociais estabelecidas (OLIVEIRA, 2011).

A dinâmica dos crimes relacionados ao tráfico e ao consumo de drogas é diferente de outros tipos de crimes, como, por exemplo, os patrimoniais. O fomento de políticas públicas para enfrentamento do problema das drogas passa pela análise do comportamento do crime no tempo e no espaço. Por isso é importante conhecer as espacialidades e as temporalidades que os crimes relacionados às drogas assumiram na cidade de Montes Claros nos anos.