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Territórios do tráfico de drogas ilícitas

4 DROGAS E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA URBANA: O CASO

4.3 Territórios do tráfico de drogas ilícitas

Os informantes “ASP 1” e “ASP 2” auxiliaram na identificação dos territórios do tráfico como espaços de exercício de poder por parte dos traficantes na comercialização de drogas ilícitas. Em função do contexto recente das disputas entre as facções que comercializam drogas na cidade e por questões metodológicas, opta-se por um macro detalhamento dos espaços de exercício de poder representando com maior especificidade as duas principais facções (aquela do envolvido “IA” e a outra do envolvido “IIA”).

A delimitação precisa dos territórios do tráfico sustenta-se na percepção que os informantes fazem da área de atuação das facções, que é construída no cotidiano do trabalho policial apoiando-se no histórico dos acontecimentos de disputas entre as facções e suas possíveis motivações, nas delações de indivíduos presos e suas interpretações sobre a articulação e atuação dos grupos no espaço urbano.

Considerando a mobilidade das fronteiras territoriais do tráfico no tempo e a dificuldade por parte dos informantes em mapear as áreas de atuação das facções em anos distintos, escolhe-se uma construção que toma o ano de 2014 como referência.

Com base nas declarações dos informantes, as áreas de exercício de poder foram organizadas a partir de quatro territórios, como observado no Mapa 16. O primeiro foi denominado de “Território Neutro” e representa áreas da cidade em que a comercialização é livre, ou seja, independente da “bandeira” que o comerciante de drogas represente, ele pode vender seu produto sem se envolver em disputas com grupos rivais. Nesses territórios existe, por exemplo, a figura dos pequenos comerciantes que ora compram sua mercadoria com uma facção, ora com a outra.

Para os informantes, esses pequenos traficantes não se envolvem diretamente nas disputas violentas por pontos de comercialização de drogas. Esse território é formado pelos seguintes bairros: Floresta, Guarujá, Vila Regina, Vila João Gordo, Raul José Ferreira, São João, Conferência Cristo Rei, Marciano Simões, São José, Lourdes, Regina Peres, Nossa Senhora de Fátima, Santo Antônio, Jardim Alvorada, Antônio Pimenta, Vila Luíza, Clarindo Lopes, Cristo Rei, Santo Inácio, Morada do Parque, Morada da Serra, Morada do Sol, Augusta Mota, Ibituruna, São Norberto, Funcionários, São Luís, Melo, Todos os Santos, Jardim Panorama, Barcelona Parque, Vila Antônio Narciso, Vila Brasília, Nossa Senhora Aparecida e Jardim Brasil.

O segundo, “Território do Envolvido IA”, representa as áreas em que o tráfico é exercido pela facção do “envolvido IA” ou por seus aliados (traficantes independentes). Esse

território é formado pelos seguintes bairros: Distrito Industrial, Bela Vista, Vila Atlântida, Vila Mauricéia, Monte Carmelo, Carmelo, Santa Lúcia, Monte Alegre, Delfino Magalhães, Santo Antônio II, Vila Sion, Doutor João Alves, José Carlos Vale de Lima, São Judas Tadeu, Canelas, Santa Rafaela e Santo Amaro.

Para o informante “ASP 1”, o envolvido “IA” chega a possuir um território bem maior que este representado no mapa 16, entretanto, em função das disputas e das estratégias empreendidas pelo envolvido “IIA”, houve uma rearticulação territorial e mudanças nas fronteiras do tráfico. Essa é uma colocação que evidencia a efemeridade e a temporalidade dos territórios do tráfico, as disputas não permitem perenidade na divisão territorial, como defendido por Souza (2005), uma que esses são móveis, fluídos e flexíveis.

Mapa 76 - Territórios do tráfico de drogas em Montes Claros (2014).

O terceiro, “Território do Envolvido IIA”, são as áreas de atuação exclusiva do grupo de indivíduos que levantam a “bandeira” do grupo da facção “IIA”. Esse território é formado pelos seguintes bairros: Vila Castelo Branco, Jardim Eldorado, Santa Eugênia, Vila Áurea, Bela Paisagem, Vila São Francisco de Assis, Santos Reis, Vila Oliveira, Amazonas, Edgar Pereira, Alice Maia, Renascença, Tancredo Neves, Santa Cecília, Vila Tiradentes, JK, Universitário, Clarice Ataíde, Jaraguá, Jardim Primavera, Alcides Rabelo, Vera Cruz, Esplanada, Interlagos, Parque Pampulha, Independência, Vila Real, Acácias, Clarindo Lopes, Vila Anália, Conjunto Bandeirantes, Alto da Boa Vista, Jardim Palmeiras, Cintra, Santa Rita I e II, Sumaré, João Botelho, Roxo Verde, Cidade Nova Vila Guilhermina, Santo Expedito, Major Prates, Vargem Grande, São Geraldo, Chiquinho Guimarães, Mangues, José Corrêa Machado, Maracanã, Ciro dos Anjos, Joaquim Costa, Vila Greice, Vila Campos, Dona Gregória, Nossa Senhora das Graças, Alterosa e Itatiaia.

Dessa forma, nota-se que o território do envolvido “IIA” representa a maior área em termos de extensão. Vale lembrar que essa facção era menor, tendo como referência, inicialmente, a região da Vila Oliveira e em função das disputas e das estratégias de expansão acaba ganhando mercado de outros pequenos traficantes em distintos bairros da cidade.

O quarto território foi denominado de “Território compartilhado” ou neutro, representando áreas que, em 2015, constituíam áreas de exercício de poder, nas quais existe a atuação de traficantes das distintas facções. São áreas que estiveram em disputa, entretanto, atualmente os conflitos se reduziram. Essas áreas constituem exceção e são formadas apenas pelos bairros Morrinhos e Village do Lago.

A representação gráfica dos territórios do tráfico constitui uma leitura singular que envolve a interpretação da projeção que dois dos sujeitos informantes da pesquisa fazem sobre a realidade. Essa é uma territorialização subjetiva, dadas a dificuldade de se acessar informações sobre o assunto e a dinâmica envolvida no processo que movimentam as fronteiras em disputa na construção e reconstrução de territórios.

Além disso, existe uma capilaridade intensa de pequenos comerciantes de drogas, que se articulam para conseguir exercer influência compartilhada e/ou “clandestina” em distintos pontos. Isso significa que mesmo existindo áreas que, em tese, deveriam ser exclusivas, pequenos traficantes se arriscam comercializando drogas na área de outras facções.

A territorialização do Mapa 15 significa uma representação espacial de um momento específico dos acontecimentos, ensejando o reconhecimento de que a configuração

dos espaços de dominação das facções sofre modificações no tempo, mediante as representações simbólicas presentes nos distintos atores na disputa pelo poder.

Esse dinamismo dos territórios pode ser observado na narrativa do informante “A”, quando argumenta que foi celebrada uma trégua entre os traficantes, a partir da participação de uma mulher do PCC como mediadora das disputas, conforme mencionado anteriormente.

Sobre as facções, é relevante destacar duas situações colocadas pelo informante “EGRESS 2”. A primeira é que a perda de influência no bairro Morrinhos pelo envolvido “IA” que havia sedimentado seu poder de influência quando assassina o envolvido “IC”. Todavia, as disputas constantes fizeram com que o domínio sobre esse bairro passasse a ser exercido pelo envolvido “IIA”.

Atualmente, as disputas nesse território são menos intensas, em função da mediação que ocorre entre os indivíduos no Conferência Cristo Rei, favorecendo o compartilhamento dessa área entre os traficantes.

A segunda situação é que os personagens que representam os envolvidos “IA” e “IIA” não possuem mais o empoderamento de outrora, a renovação dos traficantes, em função das prisões e dos homicídios; a emergência de novos grupos que se fortalecem utilizando o espaço criado pelas antigas disputas e as novas redes de conexões, que garantiram drogas mais potentes e armas mais baratas, sintetizam alguns dos argumentos colhidos nas colocações do informante que enfatizam o enfraquecimento dos grupos.

Um exemplo do enfraquecimento das antigas facções, abstraído de uma das narrativas do informante “EGRESS 2”, é quando afirma que algumas pessoas estavam realizando uma “vaquinha entre a galera ‘traficantes’”, para pagar um advogado que entraria com um pedido de relaxamento de prisão de um “chefe” (traficante chefe da facção “IA”). Se esse traficante, que era o chefe de um grupo que enseja poder e dinheiro, e se esse grupo detém o poder que se imagina, seria mesmo necessária a complacência de seus comandados para um auxílio financeiro, a fim de garantir a sua liberdade? Não seria esse um indício da fragilidade da facção? Se existe de fato uma facção, sob a bandeira de um líder preso e que precisa de dinheiro para ser libertado, então, seria conveniente que o dinheiro fosse tirado dos negócios da facção.

Essa narrativa constitui um dos indícios do enfraquecimento dos grupos, além disso, o informante “ASP 1” alega que “da época dos envolvidos “IA” e “IIA” quem não está preso, está morto”.

Somado a essas duas questões que contextualizam o enfraquecimento das facções, tem-se o surgimento de novos grupos de comercialização de drogas que ocuparam os espaços deixados pelas disputas violentas. Tanto o informante “ASP 1”, quanto o “EGRESS 2” concordaram que atualmente indivíduos do bairro Ciro dos Anjos são agentes emergentes que colocam o território do tráfico em movimento.

A principal característica desse grupo são os laços de solidariedade forjados na infância que fazem com que os indivíduos permaneçam coesos, frente às adversidades encontradas no exercício do poder presente na comercialização de drogas ilícitas em Montes Claros.