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O primeiro contato com os Parintintin da Aldeia Traíra ocorreu em 28 de julho de 2015. Naquele momento, acompanhávamos o professor Adnilson de Almeida Silva – como coorientador da pesquisa – e o indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), na época, senhor Rogério Vargas Motta. Chegamos à Aldeia por volta das 13 horas, enquanto ocorria uma reunião entre as lideranças indígenas e funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).

A reunião com as lideranças Parintintin se iniciou aproximadamente às 16 horas da tarde. Primeiramente, o senhor Rogério fez uma rápida explanação acerca da interação entre povos indígenas e as universidades e citou o sistema que denominou de ―ganha-ganha‖, ou seja, a pesquisa tem que possuir aspectos positivos ara o pesquisador e, também, para os indígenas, com troca de conhecimentos. O indigenista, na sequência, apresentou o professor Adnilson do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Geografia (PPGG) da

Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e o doutorando do PPGG, Juliano Strachulski, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Em seguida, o professor Adnilson abordou sua relação com os povos indígenas, principalmente com aqueles do Estado de Rondônia – que são do mesmo tronco linguístico dos Parintintin - e as possibilidades de retorno das pesquisas para eles. Após o término da exposição, o doutorando Juliano fez sua explanação de como pretendia realizar a pesquisa e seus objetivos. As lideranças indígenas fizeram algumas indagações e pediram contrapartidas, especialmente, sobre os resultados, visto que muitos pesquisadores se apropriam de seus conhecimentos e não apresentam o que foi realizado. Ficou acordado que ao concluirmos a defesa da tese, seria entregue em formato impresso com todas as imagens, vídeos e áudio e com apresentação do resultado na Aldeia.

As discussões se seguiram e abordamos a importância desta tese junto aos professores indígenas, os quais poderão utilizá-la, nas escolas Parintintin, como referência para elaborar livros e cartilhas, de forma a contribuir com sua cultura. As lideranças também solicitaram para que ajudássemos na orientação de trabalhos de conclusão de curso (TCCs) de formação de professores indígenas (Projeto Pirayawara). Ainda solicitaram que seus representantes fossem assistir a banca de defesa da tese. Após a reunião, retornamos à cidade de Porto Velho, onde, inicialmente, estávamos instalados.

No dia 28 de julho, tivemos a impressão de que o povo Parintintin havia perdido seus saberes antigos, abdicado de suas práticas culturais e adotado por completo as práticas culturais da sociedade envolvente, em razão de possuírem energia elétrica, equipamentos que dela dependiam, além de indícios da presença da religião cristã. Neste primeiro contato, tentando uma primeira constatação, perguntamos sobre se observavam os sinais/fases da lua para plantar, um senhor respondeu que ―não havia diferença‖. Ficamos receosos e preocupados com o que poderíamos encontrar, em se referindo, a termos de saberes tradicionais, destacando a pouca experiência com povos indígenas, a partir de uma visão não indígena e de vivência urbana.

No dia 14 de agosto, nos dirigimos, em definitivo, para a Aldeia Traíra, havendo uma recepção calma, sem anunciarem nosso nome. A recepção ficou por conta do professor indígena Natalício Parintintin que fez todo o acompanhamento durante o período da tarde e mostrou alguns elementos da cultura local, como canoas, os fornos de fazer farinha, as casas cobertas com folhas de palmeiras, algumas espécies vegetais e seus usos, o Igarapé Traíra, dentre outros elementos que compõem a aldeia.

No dia seguinte, houve mais uma reunião para esclarecer questões referentes à pesquisa com os moradores da aldeia. Abordamos sobre o que intencionávamos realizar com a pesquisa, o tempo que passaríamos com eles e os resultados que apresentaríamos com a tese concluída. Em seguida, ficou definido que o alojamento seria no Centro Cultural local e que as refeições seriam servidas na casa da família do senhor Carlos Parintintin.

Para além das preocupações com a pesquisa, na reunião foi discutido o tema Yrerupykyhu ou Yrerua (ritual festivo que remete a referências dos guerreiros Parintintin). Ali foram delegadas as funções de cada pessoa: aqueles que iriam pescar e caçar, os que ficariam na aldeia e organizariam a comida, limpeza, busca de lenha, combustível, preparo do moquém, dentre outras atividades. Percebemos, em uma volta rápida pela aldeia, que em todas as casas era confeccionado algum objeto a ser utilizado no ritual festivo, como: saias, cocares, arcos, Jiruhu‟a – espécie de flauta feita de bambu – dentre outros artefatos e artesanatos.

Durante os primeiros dias, antes de realizarmos a primeira excursão à floresta com os indígenas, constatamos que eles não pareciam muito à vontade para falar. Na verdade, falavam muito pouco, provavelmente preocupados com o que faríamos com as informações apreendidas. Tivemos até a sensação que alguns deles nos evitavam.

Nesse primeiro momento, nos questionamos sobre as características gerais da cultura local, de forma a buscar que não se afastassem de nós, fatos que, para os Parintintin, foram considerados óbvios, pois para eles muitos elementos de sua cultura são intrínsecos ao seu ser no mundo, como a divisão em metades ou o conhecimento da floresta e seus elementos, os quais não são compreendidos inicialmente por uma pessoa que é oriunda de outra cultura e que tem modo de vida urbano.

Apesar da realização das duas reuniões, ainda pairavam muitas dúvidas na cabeça dos Parintintin, pois quase sempre perguntavam o que fazíamos ali, porque viemos de tão longe para fazer trabalho de pesquisa com eles. Indagavam sobre quem éramos nós, a nossa ocupação, quem era nossa família, onde morávamos e as razões de escolhermos justamente os Parintintin e sua aldeia para desenvolver a pesquisa.

Estabeleceu-se certo estranhamento de ambas as partes, pois começavam a entrar em contato dois universos culturais distintos. Havia certa apreensão de ambos os lados, mais da nossa parte do que deles, pois já haviam recebido alguns pesquisadores e ONGs. Estávamos receosos em como eles nos receberiam. Chegamos em um momento de calma e tranquilidade, mas também de preocupação para deles, pois seu tuxava estava muito doente. Sua esposa

pouco falava conosco quando a procurávamos, sendo que, na maioria das vezes, nos mandava retornar em outra data, devido à situação de seu marido.

Desde as primeiras conversas, os Parintintin sempre foram atenciosos, mas ainda estávamos em um processo de conhecermos uns aos outros. Aos poucos, identificamos pessoas reconhecidas como os detentores dos saberes tradicionais: os mais idosos. Por outro lado, também se familiarizavam conosco, principalmente, na moradia que fazíamos as refeições, não somente comíamos, sobretudo, estávamos ali para conversar e conhecer mais de perto seu cotidiano e suas histórias de vida.

Toda a imersão do pesquisador em sua atividade leva à uma ―[...] dupla tarefa de: (a) transformar o exótico no familiar e/ou (b) transformar o familiar no exótico‖ (DA MATTA, 1978, p. 4). Portanto, o processo etnográfico possibilita o conhecimento daquele que é diferente e do seu mundo, além de permitir uma profunda reflexão sobre o nosso próprio mundo e nossas convicções, ou seja, permite que reconheçamos nossas diferenças no contato com o outro e a buscarmos superar as adversidades de um ―abismo cultural‖, que só se dissipa com uma convivência longa e intensa.