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3 TROCA DE OLHARES: SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E ESPORTE

3.2 POSSIBILIDADES DE OLHAR O ESPORTE

3.2.3 Esporte Educacional

3.2.3.1 Conteúdo das aulas de Educação Física

Considerando o debate atual, a Educação Física como componente curricular, segundo Kunz (1999a, p. 78), deve contribuir para uma pedagogia pautada no mútuo desenvolvimento do aluno com o meio, onde “todas as experiências de conhecer e realizar atividades de corpo e movimento precisam ser problematizadas”.

O autor apresenta cinco objetivos que devem servir ao professor, durante suas intervenções didático-pedagógicas:

Haver liberdade de agir e descobrir formas de movimento individualmente significativas; ultrapassar a dimensão da simples aprendizagem motora; conhecer e interpretar os meio materiais utilizados para as realizações práticas, bem como conhecer, interpretar e compreender a si próprio e aos outros envolvidos na prática; participar nas decisões e soluções das tarefas de movimentos sugeridas e apresentadas em aula; desenvolver a capacidade de autonomia ou emancipação pelo esporte, mediante um ensino centrado no se movimentar de sujeitos e não nas práticas conduzidas à execução de movimentos pré-construídos. (KUNZ, 1999a, p. 78-79)

Estes objetivos apresentam aspectos que devem orientar os professores, quando da construção de seus planejamentos de ensino, tendo clara a referência em relação a de onde se parte e aonde se quer chegar. É salutar tratar o futebol, por exemplo, tendo como ponto de partida a descontextualização de sua prática formal e excludente, para problematizar as aulas e buscar a participação de todos.

É importante, também, conhecer o esporte como prática social que mobiliza parcela significativa da população, não só na escola. O professor assume o papel de tematizar essa atividade, oportunizando condições para que se perceba e se entenda a diversidade cultural de cada esporte. O processo não é fácil, uma vez que a procura pelo padrão imposto pela televisão estimula nos alunos a prática do esporte como no mundo do adulto. O professor não pode desistir de ensinar e apresentar outras formas de olhar o esporte no âmbito educacional.

Existem alguns mal-entendidos em relação às críticas realizadas ao esporte, de acordo com Bracht (2000, p. 16). O primeiro diz respeito à questão de que quem critica o esporte é contra o esporte. “A negação do esporte não vai no sentido de aboli-lo ou fazê-lo desaparecer ou então negá-lo como conteúdo das aulas de Educação Física”. Ao contrário, pretende-se modificá-lo e para isto é preciso tratá-lo de forma pedagógica.

Outro mal-entendido reside no fato de que tratar criticamente o esporte nas aulas de Educação Física não deve ser confundido com estar contra a técnica esportiva. O esporte de alto rendimento (com o fim no resultado), não se preocupa com os processos. A técnica é voltada para o melhor resultado possível. Bracht (2000, p. 16) cita o exemplo de que, num

jogo da Copa Davis e numa partida de frescobol, existe a técnica (movimento aprendido para determinado fim) sendo empregada, mas a questão é o valor relativo da técnica empregada; o sentido e o resultado social das técnicas são diferentes. A proposta recai sobre o “ensino das destrezas motoras esportivas dotadas de novos sentidos, subordinada a novos objetivos a serem construídos juntos com um novo sentido para o próprio esporte”.

O terceiro equívoco apresenta aspetos da chamada “contraposição maniqueísta”, que afirma que a lógica de alto rendimento não é crítica e, por outro lado, a perspectiva que emerge tem características lúdicas e de criticidade. O quarto mal-entendido refere-se ao fato de que as críticas ao esporte não se opõem às experiências de movimento, muito pelo contrário, a partir dos movimentos, deve-se refletir e criticá-los, tendo em vista uma melhor apropriação do tema abordado.

É imprescindível salientar que:

Deve-se levar em consideração não o rendimento, mas o valor simbólico a ele atribuído pelas diferentes culturas [...] É bom lembrar que toda ação humana não elimina em nenhum momento a perspectiva de rendimento. O que deve ser observado é o significado ou o valor que ele adquire no desenvolver da atividade. (SANTIN, 1994, p. 41; 52)

E o que isto representa? As problemáticas nas discussões do esporte recaem sobre os valores que emergem de sua prática e, no âmbito escolar, independentemente dos objetivos que as práticas apresentem, o professor será a referência que constituirá os valores destinados aos esportes para as crianças/adolescentes, a partir de suas atitudes frente aos diversos aspectos do fenômeno.

A questão não é reinventar conteúdos para as aulas de Educação Física, é dar um novo trato pedagógico a esses conhecimentos, independentemente de sua utilização como conteúdo das aulas de Educação Física, lazer ou rendimento. A problemática recai com maior ênfase no contexto educacional, por se entender esta área como de maior influência dos professores de Educação Física, com base na estrutura curricular dos cursos de licenciatura em Educação Física.

Sobre a importância da Educação Física no contexto escolar, Pires e Neves (2004, p. 63) afirmam:

A Educação Física é parte da escola e é reconhecido que existe uma cultura escolar de movimento da qual a Educação Física se apresenta como uma das “entidades culturais” que a compõe e produz. Sua presença no mundo da escola legitima-se pela pedagogização de práticas corporais assumidas como manifestações do movimento humano, construídas a partir das inter-relações estabelecidas em diferentes momentos e contexto sócio-histórico.

A grande limitação recai ainda sobre as ações que os professores trazem para o cotidiano escolar, tendo em vista tematizar a EF, para além dos determinantes enraizados historicamente.

Souza e Vago (1999, p. 23-24) desafiam os professores de Educação Física a estabelecerem uma prática educativa da cultura de movimento, que seja inovadora:

As práticas corporais trazem consigo possibilidades de ser apropriadas, manipuladas e subvertidas pelos sujeitos que delas fazem usos diversos nas aulas de Educação Física, não previstos e muitas vezes não autorizados; que inventam maneiras próprias de organizá-las; que elaboram, enfim, um outro conhecimento acerca delas, ao atribuir-lhe outros sentidos e significados éticos e estéticos. Esse é um dos movimentos de produção de uma cultura escolar de Educação Física, com a qual se pode estabelecer a referida relação de tensão permanente com outras culturas, campo aberto de possibilidades de intervenção social com a Educação Física.

Para que essa postura do professor durante as aulas se modifique, faz-se necessário uma nova compreensão do ato pedagógico, que “tematize tanto as contribuições advindas das ciências do esporte quanto os saberes/fazeres da cultura esportiva [...,] mobilizando práticas corporais capazes de afirmar valores e sentidos que ampliem a cidadania emancipada” (PIRES; NEVES, 2004, p. 65-66).

Dentro das afirmações do esporte educacional, podemos ressaltar os seguintes princípios, segundo Barbieri et al. (1996, p. 19-20):

Totalidade: onde o fortalecimento da unidade do homem (consigo, com o outro e

com o mundo), considerando a emoção, a sensação, o pensamento e a intuição como elementos indissociáveis desta mesma unidade, favorecendo o desenvolvimento do processo de autoconhecimento, auto-estima e auto-superação, visando a preservação de sua individualidade em relação às diversas outras individualidades, tendo em vista o contexto uno e diverso no qual está inserido.

Emancipação: Busca da independência, autonomia e liberdade do homem, o

aprendiz “é encorajado a despertar, a se tornar autônomo, a indagar, a explorar todos os cantos e frestas da experiência consciente, a procurar o significado, a testar os limites exteriores, a verificar as fronteiras e as profundidades do próprio eu” oportunizando assim, o desenvolvimento por intermédio da criatividade e da autenticidade, da capacidade de discernir criticamente e elaborar genuinamente as suas próprias razões de Existir.

Participação: Valorização do processo de interferência do homem na realidade na

qual está inserido, como ator-construtor dessa mesma realidade, propicia o gerenciamento das questões de seu interesse, tendo em vista o processo de organização social decorrente do exercício de seus direitos e responsabilidades.

Cooperação: União de esforços no exercício constante da busca do

desenvolvimento de ações conjuntas para a realização de objetivos comuns, fundamentada no potencial cooperativo e no sentimento comunitário de cada um dos participantes do processo, estreitando, assim, os laços de solidariedade, parceria e confiança mútua, de forma a fortalecer as habilidades em perseverar, em compartilhar sucessos e insucessos, em compreender e aceitar o outro, como elementos constitutivos do processo de co-evolução do homem.

Partindo das considerações sobre os princípios do esporte educacional, Pires e Neves (2004) relatam que se torna imprescindível a construção de propostas pedagógicas

crítico-emancipatória e didático-comunicativa, capazes de contribuir para um projeto educacional na formação em Educação Física, fulcrado em formas críticas de saber e de saber-fazer a respeito do esporte e que, de maneira mais abrangente, conduza os sujeitos sob nossa responsabilidade pedagógica a um processo de produção autônoma e coletiva da cidadania esclarecida (PIRES; NEVES, 2004, p. 68).

Para tanto, existe a necessidade de uma leitura e interpretação que supere o sentido prático e instrumental do esporte, tendo como base as habilidades motoras específicas do rendimento esportivo. E, neste sentido, faz-se necessário, para poder abarcar o olhar em múltiplas possibilidades, pontuar elementos sobre a dimensão do esporte escolar oriundos dos autores da Pedagogia do Esporte, que contemplam olhares para o esporte escolar.