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PLANEJAMENTO DA PESQUISA

5.1. Contexto da investigação e Governança

Uma importante discussão dos direitos de propriedade refere-se à sua organização interna e seu posicionamento em relação ao ambiente182. A atuação das OTS é diversificada em relação aos objetivos institucionais internos e externos, e pressupõe, para a consecução destes objetivos, a existência de ações que os viabilizem. Os ‘serviços’ provenientes destas ações são oferecidos no mercado de financiadores do terceiro setor e ‘contratados’ conforme a adequação do ‘serviço’ ao

181Entre todas as expressões em uso corrente sobre o tema, é o termo que vem encontrando maior aceitação para designar o conjunto de iniciativas provenientes da sociedade, voltadas à produção de bens públicos, com sua própria dinâmica institucional e forma de ação para consecução de objetivos. 182 JENSEN (op. cit.) 2001. Insere este fator na função de produção das firmas.

perfil do financiador. Estes contratos definem, principalmente, a meta operacional, as responsabilidades de financiamento, execução, acompanhamento e prestação de contas.

Para os financiadores, este contrato representa a transferência da responsabilidade pela execução da ação social, porém com uma relação de benefício mútuo proveniente do vetor da maior eficiência da composição dos fatores sociais para sua realização pelas OTS. Esta opção de decisão ‘make or buy’ dos financiadores permite a construção de carteiras de ações sociais pelos investidores. O efeito integrado destes investimentos forma uma rede de sustentabilidade nas comunidades e grupos de beneficiários, com o objetivo de alcançar uma maior performance de seus resultados.

A capacidade de ação, presente em uma OTS, integra seus interesses com os interesses dos financiadores em investir no fortalecimento da sociedade. A existência de contratos formalizados distingue o direito de propriedade envolvido como um direito de transferência; uma transação. Hipótese: a capacidade de ação de uma OTS, formalmente contratada com seu financiador, gera um resultado intangível positivamente relacionado a seu valor institucional, o que justifica o investimento.

O exemplo de bem transacionado é o serviço de alfabetização de adultos, implementado por uma OTS, a Alfabetização Solidária. Para tal, o formato de curso utilizado é modular, com a duração de seis meses, organizados por municípios em

escala nacional183. As ações executadas durante o módulo são a capacitação

continuada de alfabetizadores locais, o curso de alfabetização de adultos e a avaliação das ações. Viabilizar estas diferentes atividades requer a articulação de uma rede de parcerias envolvendo os seguintes agentes, papéis e interesses.

Tabela 6: Rede de alianças entre os agentes executores da ação social, seus papéis e interesses. (tabela proposta pelo autor).

Agentes Papel Interesses

OTS

Implementa cursos de alfabetização de adultos através da gestão de recursos aplicados no escopo da tecnologia educacional construída ao longo do tempo, em parcerias com outros agentes que exercem papéis específicos. Capta

recursos junto a empresas privadas.

Continuidade das ações e da sustentabilidade organizacional, com implicações relacionadas a qualidade dos

serviços prestados, a capacidade de articulação e, indiretamente, ao capital

reputacional.

Empresas

Investem na prestação do serviço de alfabetização de adultos, no contexto de sua

estratégia de responsabilidade social corporativa - RSC. Definem de metas

quantitativas.

Aproveitamento de oportunidades alinhadas à estratégia de

responsabilidade social corporativa (RSC) nas comunidades em que se inserem.

Governo

Investe na prestação do serviço de alfabetização de adultos, no âmbito da implementação de políticas públicas de acesso à educação de adultos e inclusão social. Define

de metas quantitativas de execução.

Implementação e monitoramento contínuo de políticas públicas de acesso à educação de adultos e inclusão social.

Inst. de Ensino Superior - IES

Seleciona e capacita alfabetizadores locais e monitora e avalia o curso de alfabetização. Recebe recursos da OTS para a execução das

ações.

Oferecimento de serviços de educação com qualidade. Implica na alocação e desenvolvimento de conhecimentos e pessoas. Contato com a realidade social e

construção de conhecimento.

Municípios

Garantem a estrutura física do curso, através da logística para a participação de alfabetizadores e alunos. Recebem materiais didáticos e recursos da OTS para a aquisição

da alimentação.

Continuidade do oferecimento de um serviço de responsabilidade pública, com baixo custo e alta visibilidade social. Inclui

fortalecimento político, criação de empregos e inclusão social. Continuidade

do recebimento de recursos e da apropriação direta da tecnologia

educacional.

Beneficiários

Alfabetizadores e alfabetizandos. Os alfabetizadores recebem uma ‘bolsa’ pelo

trabalho desenvolvido. Acesso a educação e inclusão social.

183 O principal critério de priorização para o atendimento de municípios é o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.

184 Existe um vínculo formal com os alfabetizadores, que é o controle cadastral e pedagógico de suas ações, porém não existe um contrato que defina as responsabilidades.

É importante pontuar que todas as transações envolvendo as cinco instituições, existem contratos de formalização. Isto ocorre devido à existência de transferência de recursos monetários e responsabilidades entre empresas ou governo e a OTS (esta relação será referida no desenvolvimento deste como Contrato 1)185, bem como a

existência de transferências de recursos monetários e responsabilidades, entre a OTS e as IES e municípios (esta relação será referida no desenvolvimento deste como Contrato 2)186, com o objetivo da execução das ações. O modelo apresentado a seguir busca enquadrar os dois contratos que compõem a transação referente à execução da alfabetização de adultos pela Alfabetização Solidária:

Ilustração 11: A transação existente na execução da ação social (1). (ilustração proposta pelo autor).

Sob o ponto de vista teórico, a transação adere ao arranjo institucional de integração vertical. Considerando que as empresas e o governo financiam uma OTS para implementar ações de alfabetização de adultos em comunidades, pode-se afirmar

185 As características dos arranjos contratuais dos agentes principais em relação à OTS variam conforme as especificidades de seus interesses e o marco legal que regula tais instituições.

186 Os arranjos contratuais da OTS em relação às IES e municípios não especificam as transferências de recursos, mas definem as responsabilidades das partes. Têm a intenção de formalizar a adesão às ações de alfabetização. ESAs GOV OSC IES & municípios Alfabetização de Adultos $ e metas remunera articula Contrato 1 Contrato 2 reputação ESAs GOV OSC IES & municípios Alfabetização de Adultos $ e metas remunera articula Contrato 1 Contrato 2 reputação

que estão transferindo a responsabilidade – limite da firma e integração vertical – pela implementação das ações de RSC e de políticas públicas, respectivamente. Estas características também podem ser identificadas na relação entre a OTS e os agentes executores, uma vez que a primeira não aloca recursos humanos e materiais próprios (com a exceção do fornecimento do material didático) para a consecução de tais ações, apenas remunerando e monitorando sua execução.

A estrutura de integração vertical apresentada, em relação à empresa (Contrato 1) , pode ser classificada conforme a modelagem proposta por Machado187. “Estrutura

organizacional para desenvolver ações de RSC, na qual a empresa desenvolve ações sociais por meio de parcerias com outras organizações, sem operacionalizar diretamente as atividades”:

Ilustração 13: A transação existente no financiamento da ação social (2). (ilustração proposta pelo autor).

Neste tópico procurou-se definir a transação e estabelecer sua conexão com elementos da Nova Teoria da Firma, através da análise dos custos de transação. A seguir será desenvolvida a análise da transação, sob a perspectiva da OTS, quanto a

187 MACHADO, C. A. P. F. (op. cit.). 2002. (p. 155)

$

ESA objetivos do negócioAções para atingir

Ações para atingir objetivos sociais Parcerias com outras

organizações (sem controle hierárquico da firma)

$ ESA

ESA objetivos do negócioobjetivos do negócioAções para atingir Ações para atingir

Ações para atingir objetivos sociais Ações para atingir

objetivos sociais Parcerias com outras

organizações (sem controle hierárquico da firma) Parcerias com outras

organizações (sem controle hierárquico da firma)

especificidade dos ativos, a recursividade, a incerteza e, num outro tópico, quanto a estrutura de governança esperada para que atenda às necessidades de transparência e prestação de contas exigidas pelos stakeholders.

5.1.1. Investimento em ativos específicos

A partir do reconhecimento que as empresas e o governo integram verticalmente a execução das ações de alfabetização, surge a discussão sobre o quão custosa é a alocação dos recursos dos agentes principais definidos no Contrato 1 em relação ao agente executor; a OTS. Tal custo é elevado para os agentes principais devido à especificidade dos ativos em relação aos recursos humanos especializados na formação de alfabetizadores e avaliação dos cursos, bem como em relação à necessidade de articulação institucional para a adequada a disponibilidade de infra- estrutura para o curso.

A transação em questão envolve um ativo que pode ser classificado como altamente específico. Isto pode ser demonstrado pela existência de apenas três organizações congêneres presentes no setor, com atuação em escala nacional. Tal fato implica em poucas alternativas de contratações substitutas pelos agentes principais.

Em relação ao Contrato 2 a especificidade do ativo pode ser classificada como ‘média’ porque, apesar de haver um custo elevado para a formação de recursos humanos especializados e a disponibilidade de infra-estrutura pelo agente principal, existem diversas IES e municípios que podem ser escolhidos pela OTS no momento de designação de responsabilidades, antes do início do módulo de alfabetização.

5.1.2. Recursividade

A partir da definição do serviço transacionado, a consecução completa do objetivo da alfabetização de adultos pressupõe a continuidade dos módulos nos municípios. Existe, desta forma, uma implicação na tomada de decisão relacionada à recursividade das ações dos diferentes envolvidos. Considerando e reconhecendo o interesse dos diferentes agentes em relação à recursividade dos contratos envolvidos na execução dos módulos de alfabetização, é possível identificar que, para evitar a seleção adversa dos financiadores e o ‘moral hazard’ dos executores, em relação aos contratos 1 e 2 respectivamente, são firmados contratos, preferencialmente, com organizações que tenham capital reputacional elevado. Organizando o raciocínio tem- se:

Tabela 7: Estrutura de recursividade da execução ação social. (tabela proposta pelo autor).

Contrato 2 Agente Exemplo Reputação Decisão de Recursividade Justificativa Agente Principal OSC alta

Agente Secundário Município e IES alta Agente Principal OSC alta Agente Secundário Município e IES baixa Situação 1 Situação 2 Credible Commitment Moral Hazard Renova o contrato

Não renova o contrato

As ações implementadas com baixa qualidade por IES e municípios causam um decréscimo de seu capital reputacional, conforme a percepção da OTS. Indiretamente, também pode gerar um efeito deste tipo na própria OTS, conforme a percepção dos financiadores. Neste caso a OTS penalizaria os executores, descontinuando o contrato 2. Ocorre que tal decisão só é aplicável para as IES, pois é nos municípios que estão situados os beneficiários diretos da alfabetização que, por sua vez, representam as metas estabelecidas pelos financiadores no Contrato 1. Para os casos nos quais os

municípios não completam seu contrato, a OTS incorre em custos para garantir o contrato – custos de transação – ao designar recursos próprios para supervisionar as ações nos municípios.

Tabela 8: Estrutura de recursividade no financiamento da ação social. (tabela proposta pelo autor).

Contrato 1 Agente Exemplo Reputação Decisão de Recursividade Justificativa Agente

Principal

FNDE e empresas com RSC consolidada alta Agente

Secundário OSC alta Agente

Principal

Secr. Estaduais e Municipais de Educação

& empresas sem RSC consolidada

baixa Agente

Secundário OSC alta

Renova o contrato

Não renova o contrato

Credible Commitment Seleção Adversa Situação 1 Situação 2

No caso do contrato não ser cumprido pelo financiador188, a OTS enfrenta o problema de como garantir o contrato 1, uma vez que os financiadores (principalmente governamentais) além de ter grande influência sobre o ambiente externo, também podem influenciar negativamente o capital reputacional e, conseqüentemente, sua sustentabilidade.

5.1.3. Incerteza

A incerteza da transação, envolvida no serviço de alfabetização de adultos, pode ser analisada em relação às suas duas possíveis classificações, propostas por WILLIAMSON189:

188 Exemplo: o financiador não repassa à OTS o montante total negociado. 189 WILLIAMSON, Oliver E. (op. cit.) 1993.

- Incertezas de contingência (estado da natureza)190 são: (a) a situação climática

e geográfica dos municípios, afetando negativamente as condições de acesso dos alfabetizandos, alfabetizadores e profissionais da IES aos locais do curso no município, e (b) as situações social, alimentar e de saúde, principalmente dos alunos, também afetam negativamente a consecução das ações de alfabetização. Estes fatores não são conhecidos ex ante e não são passíveis de uma atitude preventiva direta da OTS. Para minimizar esta incerteza mantém um conjunto de municípios e IES, designados entre si, de prontidão durante o período inicial do módulo, para substituir eventuais desistências motivadas por causas naturais.

- Incerteza de comportamento dos stakeholders191: Na análise da ‘incerteza de comportamento’ buscou-se identificar as informações-chave de cada stakeholder presente nos contratos para, num segundo momento proceder a análise cruzada da racionalidade limitada da outra organização presente no contrato incompleto. Como objetivo final, procurou-se identificar as possíveis estratégias no âmbito da recursividade dos contratos frente à racionalidade limitada.

190 Refere-se à incerteza inerente à própria atividade, relativa à impossibilidade de prever as diferentes possibilidades de influência à atividade, que irão ocorrer no futuro.

191 Refere-se à incerteza inerente às estratégias implementadas pelos diferentes stakeholders, as quais são impossíveis de serem previstas, em relação à sua aplicação prática.

Tabela 9: Estrutura estratégica para a garantia da consecução dos compromissos dos envolvidos na ação social. (tabela proposta pelo autor).

Agente Exemplo Informação Privilegiada Racionalidade Limitada Estratégia frente à incerteza Principal GovernoESAs e Prioridade da política pública/RSC, metas quantitativas, orçamento capacidade operacionalQualidade do serviço, Pulverização de investimentos Secundário OSC Capacidade operacional, custo Montante do investimento, quantidade de alunos Pulverização da captação de recursos

Principal OSC Metas quantitativas, orçamento Qualidade do serviço, capacidade operacional

Critérios técnicos históricos para a escolha de parceiros Secundário Município

e IES

Situação da infra-estrutura de educação, capacidade operacional, capacitação do RH

Montante do investimento,

quantidade de aluos Aceitação ou não a parceria Contrato

1 Contrato

2

A partir da definição dos interesses dos investidores institucionais e dos executores das ações sociais, fica caracterizada a existência de competitividade em relação à alocação e utilização dos recursos e em relação à eficiência de sua utilização. Ocorre que a identificação desta competitividade deve ser percebida nos beneficiários, diretos e declarados da ação social, definidos como alunos, alfabetizadores e familiares destes dois grupos.